Sunday, August 05, 2007

Paradigmas Narrativos

No decorrer da tradição literária, alguns teóricos identificaram certos padrões recorrentes nas narrativas, provavelmente, tais padrões se reproduzem inconscientemente, mas, desde o século XX, o estudo deles se fortaleceu, numa linha conhecida como Narratologia.

Vale lembrar que tais paradigmas não são uma tábua de lei para os escritores. A maioria dos autores sequer os conhece, apesar de segui-los. Mas é interessante descobrir em como a nossas próprias narrativas, dum modo ou de outro, acabam recaindo num destes paradigmas.

***

"A Jornada do Herói", de Campbell-Vogler.

Estou utilizando como fonte um artigo escrito pelo Albert Paul Dahoui que pode ser lido na íntegra no link abaixo:

http://www.roteirodecinema.com.br/manuais/jornadadoheroi.pdf

A Jornada do Herói

Passo 1 – Mundo Comum.
O herói é apresentado em seu dia-a-dia.

Passo 2 – Chamado à aventura
A rotina do herói é quebrada por algo inesperado, insólito ou incomum.

Passo 3 – Recusa ao chamado
Como já diz o próprio título da etapa, nosso herói não quer se envolver e prefere continuar sua vidinha.

Passo 4 – Encontro com o Mentor
O encontro com o mentor pode ser tanto com alguém mais experiente ou com uma situação que o force a tomar uma decisão.

Passo 5 – Travessia do Umbral
Nessa fase, nosso herói decide ingressar num novo mundo. Sua decisão pode ser motivada por vários fatores, entre eles algo que o obrigue, mesmo que não seja essa a sua opção.

Passo 6 – Testes, aliados e inimigos
A maior parte da história se desenvolve nesse ponto. No mundo especial – fora do ambiente normal do herói – é que ele passará por testes, receberá ajuda esperada ou inesperada de aliados e terá que enfrentar os inimigos.

Passo 7 – Aproximação do objetivo
O herói se aproxima do objetivo de sua missão, mas o nível de tensão aumenta e tudo fica indefinido.

Passo 8 – Provação máxima
É o auge da crise – precisa dizer mais?

Passo 9 – Conquista da recompensa
Passada a provação máxima, o herói conquista a recompensa.

Passo 10 – Caminho de volta
É a parte mais curta da história – em algumas, nem sequer existem. Após ter conseguido seu objetivo, ele retorna ao mundo anterior.


***

O paradigma Disney
Este trecho citado abaixo é da obra de Pedro Aguiar, O Paradigma Disney: a estrutura narrativa do cinema de animação industrial dos anos 1990, mas está disponível na Wikipédia, no verbete "Memorando de Vogler".

http://pt.wikipedia.org/wiki/Memorando_de_Vogler


O Paradigma Disney

O Paradigma Disney está constituído por duas esferas de elementos: as CLASSES DE ACTANTES e as FUNÇÕES NARRATIVAS (ou ETAPAS). As oito classes de personagens (actantes) que são possíveis de identificar, listadas a seguir, são apenas aquelas que se encontram presentes em todos os filmes Disney de 1989-1999, e que cumprem as mesmas funções em todos eles. Outros personagens menores aparecem nas tramas sem que se possam encaixar nestas oito, e há ainda outras classes que poderiam entrar na lista, mas que não ocorrem em alguns dos filmes. Por fim, as definições devem ser genéricas o suficiente para abrigar as distintas histórias que os roteiristas adaptam. São as seguintes CLASSES:

* PROTAGONISTA
* ANTAGONISTA
* PAR DO(A) PROTAGONISTA
* AMIGO(s) DO PROTAGONISTA
* LACAIO ou AJUDANTE(s) DO ANTAGONISTA
* MASCOTE(s)
* AUTORIDADE MORAL
* PERSONAGEM COLETIVO

Os actantes de diferentes classes dos filmes Disney têm em comum o fato de todos convergirem em seus objetivos. Nestes filmes, ninguém faz nada de graça. Os personagens têm objetivos claramente apresentados, e suas ações são motivadas por compromissos (explícitos ou implícitos) de troca. Nenhuma ação é injustificada. Todas são originadas de premissas, que cada um carrega consigo desde a primeira aparição na história. E, por sua vez, estes personagens seguem as etapas ou FUNÇÕES NARRATIVAS a seguir:

1. Abertura: apresentação do contexto (espaço-tempo); origens do Protagonista e seu mundo; prólogo para a trama: o Status Quo do mundo é pré-colocado.

2. O Antagonista aparece pela primeira vez e expõe claramente, para o público, o seu objetivo. Não há nada velado nem dissimulado nessa exposição. A apresentação do Status Quo do mundo é concluída.

3. O Protagonista é exibido em trecho do seu cotidiano, e as dificuldades que enfrenta (aqui, o Protagonista já demonstra sinais de cansaço, bem no início).

4. A pretexto dessas dificuldades, o Protagonista expõe o seu desejo de mudança, derivado de uma sensação de inconformidade com seu mundo. Sente-se deslocado.

5. Imediatamente em seguida, aparece o elemento ou ocorre a circunstância que o fará tomar o rumo da mudança. Não por acaso, o Protagonista torna-se um empecilho entre o Antagonista e seu objetivo.

6. Primeiro contato Protagonista x Antagonista. Mesmo que involuntariamente, o Antagonista empurra o Protagonista para seu objetivo; faz com que ele fique mais próximo do seu novo mundo/desejo/Par.

7. É aí que o Protagonista encontra seu Amigo/Ajudante, e com ele sela o compromisso de chegarem ao objetivo.

8. Primeira vitória parcial do Protagonista: ganha respeito/fama/poder de seu mundo e entra em contato com seu Par.

9. O Ápice do Protagonista: momento romântico e/ou de aceitação social.

10. Reviravolta do Antagonista: ele agora toma a disputa como pessoal, e parte para a “guerra de eliminação” que, não por acaso, também facilitará/permitirá o alcance do seu objetivo. É nesse momento que o Antagonista passa a “precisar” eliminar o Protagonista. O Antagonista só conhece soluções drásticas.

11. O mundo/comunidade do Protagonista é agora ameaçado/tomado/manipulado pelo Antagonista. A “massa” está à sua mercê.

12. O Antagonista afasta o Protagonista, ou confina-o em algum lugar que o neutralize.

13. O Protagonista, agora rebaixado, tem que dar a volta por cima, nas seguintes condições:

1. está sujeito às regras impostas pelo Antagonista, que está em posição superior;

2. conta com a ajuda (geralmente inesperada e esforçada) do Amigo e dos Mascotes;

3. as armas e valores que pode utilizar são aquelas que aprendeu no seu processo anterior de amadurecimento;

4. provando ao seu Par, à Autoridade e à Massa (comunidade) o seu valor e mérito.

14. Confronto final Protagonista x Antagonista; e sub-confronto Amigo x Lacaio; o Lacaio é geralmente poupado no final. NOTA: O Antagonista nunca morre: ele desaparece (abismo, sombra etc.).

15. Epílogo e novo Status Quo: o Protagonista em melhor situação, encontra seu mundo e ganha seu Par.

***

A Morfologia do Conto de Fadas
O estruturalista russo Vladimir Propp estudou vários contos de fadas tradicionais e traçou um paradigma do gênero. Segue uma tradução livre do link abaixo:

http://mural.uv.es/vifresal/Propp.htm

1. Um membro da família sai de casa (o herói é apresentado);

2. Uma interdição é endereçada ao herói ("não vá lá", "vá a tal lugar");

3. A interdição é violada (o vilão aparece no conto);

4. O vilão faz uma tentativa no reconhecimento (o vilão tenta encontra as crianças/jóias, etc; ou vítima potencial interroga o vilão);

5. O vilão obtém informação sobre a vítima;

6. O vilão tenta enganar a vítima, tentando se apossar da vítima ou de pertences da vítima (ardil; vilão disfarçado tenta ganhar a confiança da vítima);

7. Vítima cai no engodo, involuntariamente ajudando o inimigo;

8. Vilão causa dano/prejudica o membro da família (seqüestrando, roubo de agente mágico, estragando as sementes, saque de outra forma, causa um desaparecimento, expulsa alguém, lança feitiço sobre alguém, troca uma criança, comete homicídio, prende/detém alguém, força alguém a se casar, causa tormentos noturnos); Alternadamente, um membro da família sente falta de algo, ou deseja algo (poção mágica, etc);

9. Desgraça, ou falta é conhecida, (herói é enviado, ouve chamado por ajuda, etc/uma alternativa é quando o herói vitimado é libertado do aprisionamento);

10. Buscador concorda em, ou decide a, contra-atacar;

11. Herói sai de casa;

12. Herói é testado, interrogado, atacado, etc., preparando caminho para seu agente mágico, ou ajudante (doador);

13. Herói reage às ações do futuro doador (resistindo/falhando no teste, liberta prisioneiro, reconcilia rivais, realiza caridade, usa os poderes do adversário contra ele);

14. Herói adquire uso dum agente mágico (transferido diretamente, localizado, comprado, preparado, aparecendo espontaneamente, comido/bebido, ajuda oferecida por outros personagens);

15. Herói é transferido, entregue ou conduzido às proximidades do objeto de busca;

16. Herói e vilão se engajam em combate direto;

17. Herói é marcado (ferimento/estigmatizado, recebe anel ou cachecol);

18. Vilão é derrotado (morto em combate, derrotado em duelo, morto enquanto dorme, banido);

19. Desgraça inicial ou falta é resolvida (objeto da busca é distribuído, o encantamento é quebrado, a pessoa assassinada é revivida, prisioneiro é libertado);

20. Herói retorna;

21. Herói é perseguido (perseguido tenta matar, devorar, sabotar o herói);

22. Herói é resgatado da perseguição (obstáculos atrasam o perseguidor, o herói se esconde ou é ocultado, herói se transforma de maneira irreconhecível, o herói é salvo da ameaça de morte);

23. Herói irreconhecível chega em casa, ou em outro país;

24. Falso herói apresenta acusações infundadas;

25. Tarefa difícil proposta ao herói (provação, enigmas, testes de força/resistência, outras tarefas);

26. Tarefa é resolvida;

27. Herói é reconhecido (por marca, estigma, ou ao que lhe foi dado);

28. Falso herói ou vilão é exposto;

29. Ao herói é dada nova aparência (é refeito, tornado belo, novas roupas, etc);

30. Vilão é punido;

31. Herói se casa e assume o trono (é recompensado/promovido).

***

Paradigma Aristotélico
Tradução livre do artigo Barbara McManus

http://www.cnr.edu/home/bmcmanus/poetics.html

1. O enredo deve ser um "todo", com começo, meio e fim. O começo, chamado por críticos modernos o momento estimulante, deve iniciar a cadeia de causa-e-efeito, mas não dependente de nada fora do escopo da peça (isto é, suas causas são minimizadas, mas os efeitos ressaltados). O meio, ou clímax, deve ser causado pelos incidentes anteriores e ele mesmo causar os incidentes que se seguem (isto é, suas causas e efeitos são ressaltados). O final, ou resolução, deve ser causado pelos eventos precedentes, mas não conduzir a outro incidentes fora do escopo da peça (isto é, causas são ressaltadas, mas efeitos minimizados); o final deve, assim, solucionar o problema criado no momento estimulante. Aristóteles chama a cadeia de causa-e-efeito conduzindo do momento estimulante até o clímax de "trama" (desis), na terminologia moderna a complicação. Ela conduz assim a uma outra cadeia de causa-e-efeito mais rápida do clímax até a resolução do "desenlace" (lusis), na terminologia moderna a conclusão.

2. O enredo deve ser "completo", tendo "unidade de ação". Por isto Aristóteles quer dizer que o enredo deve ser estruturalmente auto-suficiente, com os incidentes ligados por necessidade interna, cada ação conduzindo inevitavelmente à próxima sem intervenção externa, sem deus ex machina. De acordo com Aristóteles, o pior tipo de enredo é o "'episódico', no qual episódios e atos sucedem uns aos outros sem seqüência provável ou necessário", a única coisa que une os eventos em tais enredos é o fato de terem acontecido à mesma pessoa. Dramaturgos deve excluir coincidência de seus enredo; se alguma coincidência é requerida, ela deve "ter um ar de desígnio", isto é, parecer ter uma conexão destinadora com os eventos da peça. Similarmente, o poeta deve excluir o irracional, ou, pelo menos, mantê-lo "fora do escopo da tragédia", isto é, reportado, ao invés de dramatizado. O poeta não deve mudar os mitos que são a base de seus enredos, ele "deve mostrar inventividade própria e habilidosamente lidar com o material tradicional" para criar unidade de ação em seu enredo.

3. O enredo deve ter "uma certa magnitude", tanto quantitativamente (duração, complexidade) quanto qualitativamente ("seriedade" e significância universal). Aristóteles argumenta que enredos não devem ser curtos demais; quanto mais incidentes e temas o dramaturgo conseguir juntar numa unidade orgânica, maior o valor artístico e a riqueza da peça. Também quanto mais universal e significante a peça, quanto mais o dramaturgo captar e suspender as emoções da platéia, melhor será a peça.

4. O enredo pode ser simples ou complexo, apesar de complexo ser melhor. Enredos simples tem apenas uma "mudança da Fortuna" (catástrofe). Enredos complexos têm tanto "mudança da intenção" (peripetéia) e "reconhecimento" (anagnorisis) conectado com a catástrofe. Tanto a peripetéia quanto a anagnorisis surgem de surpresa. Aristóteles explica que a peripetéia ocorre quando o personagem produz um efeito oposto àquele que ele pretendia produzir, enquanto a anagnorisis "é uma mudança da ignorância ao conhecimento, produzindo amor ou ódio entre pessoas destinadas à boa ou má fortuna". Ele argumenta que os melhores enredos combinam estes dois como parte de sua cadeira de causa-e-efeito (isto é, a peripetéia conduz diretamente a anagnorisis); esta virada cria a catástrofe, conduzindo à "cena de sofrimento" final.

***

Paradigma das "peças bem-feitas"
Segue abaixo a tradução da descrição das características das "peças bem feitas":

"Os verdadeiros exemplos deste tipo de drama apresenta sete características estruturais:

1 - um enredo baseado num segredo conhecido pela platéia, mas ocultado por certos personagens (que desde há muito estão envolvidos numa luta de astúcia), até sua revelação (ou até a conseqüência direta dele) numa cena apogística que serve para desmascarar um personagem fraudulento, e restaurar a boa fortuna ao herói sofredor, com o qual a platéia foi induzida a simpatizar;

2 - um padrão de crescente e intensa ação e suspense, preparada pela exposição (este padrão é auxiliado por planejadas entradas e saídas, cartas, e outras técnicas);

3 - uma série de altos e baixos na fortuna do herói, causados como conseqüência de seu conflito com um adversário;

4 - o contragolpe da peripécia e duma scène à faire, marcando, respectivamente, o ponto mais baixo e o mais alto nas aventuras do herói, que são trazidas pela revelação dos segredos pelo oponente;

5 - uma falta de compreensão central, ou qüiproquó, tornada óbvia ao espectador, mas oculta aos participantes;

6 - um desfecho lógico e verossímil;

e

7 - a reprodução do padrão de ação geral em atos individuais."

STANTON, Stephen S., Camille and Other Plays. New York: Hill and Wang, 1957.

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