Sunday, February 12, 2012

Já foi mais fácil, ou como era a vida de um escritor nos séculos passados


Já foi mais fácil, mas também já foi muito mais difícil escrever.

Vira e mexe ocorre-me um ditado que ouvi muito de minha vó, e repetido em demasia por minha mãe, que em "terra de cego quem tem um olho é rei". O fato é que este ditado deveria ser erigido como uma das grandes verdades da humanidade, ao lado dos provérbios de Salomão e do Sermão da Montanha.

Não muito tempo atrás, havia uma legião de analfabetos ao redor do mundo. No Brasil, as campanhas maciças de alfabetização foram um legado de Getúlio Vargas, enquanto na China, de Mao Tsé-Tung. No Egito faraônico, havia uma classe especial para registrar a História e redigir os documentos; na Idade Média, a escrita e a leitura eram primazias do clérigo ou das pouquíssimas universidades. Ser um escritor era pertencer à elite de uma já elite, era uma tarefa admirável e única.

O contador de histórias, o vate, o bardo ou o menestrel eram os narradores populares, muitas vezes itinerantes, vagando de cidade em cidade difundindo a sua arte, enquanto os escritores eram os representantes da alta cultura. Havia uma linha divisora muito clara entre estas duas formas de arte.


A invenção da imprensa por Gutenberg foi uma grande revolução no mundo da escrita, comparável à elaboração do alfabeto. Pela primeira vez, era possível produzir livros em grande escala, mesmo que esta grande escala fosse ridícula em comparação aos parâmetros atuais: estima-se que a primeira tiragem da Bíblia de Gutemberg foi de uns 180 exemplares.
Todavia, rapidamente surgiram os primeiros best-sellers. Erasmo de Rotterdam vendeu em vida mais de setecentos e cinquenta mil exemplares de sua obra, enquanto Martinho Lutero mais de trezentos mil.
A escrita havia mudado, e transformava para sempre também o mundo, nada mais seria igual.

Por vários séculos, a escrita e a leitura ainda continuaram um ofício feito pela e para uma elite, mesmo após a revolução burguesa. Talvez a vida de um escritor não fosse tão mais fácil do que a nossa nos dias de hoje; sobreviver somente de direitos autorais também era um desafio, como a história clássica de Edgar Allan Poe vendendo os direitos do poema "O Corvo" por míseros nove dólares.
Ainda era necessário estar no lugar certo, na hora certa e conhecer as pessoas certas e, para se tornar um grande escritor, era obrigatória uma passagem pelos principais centros culturais do Ocidente - Londres, Paris, Nova York, São Peterburgo -, pois era onde tudo estava acontecendo.
Entretanto, "em terra de cego quem tem um olho é rei" e, num mundo onde poucos liam e menos conseguiam escrever com competência, encontrar o seu lugar era muito mais simples, ser publicado era bem menos doloroso.


Temos obviamente os renegados, sujeitos como Nietzsche, Kafka, ou Fernando Pessoa, autores brilhantes e que não tiveram a chance de ver suas obras publicadas ou lidas por um grande público. Mas a posteridade lhes pagou reverência, mas também porque talentos extraordinários eram tão raros, que desencavar manuscritos de desconhecidos e trazer à luz as obras de gênios ainda era factível.

Então, todos aprenderam a ler. E todos aprenderam a escrever. E todos decidiram tornar-se escritores.

Foi quando se descobriu que ter boas ideias e escrever bem não eram habilidades para poucos. Há tanta gente talentosa espalhada pelos quatro cantos do planeta que, a princípio, podemos nos surpreender.
Contudo, a luz não há de brilhar sobre todos estes talentos, pois isto é impossível. Existem limites nas prateleiras das livrarias e nos catálogos das editoras, e apesar de haver leitores para todo o tipo de livros, nem todos os livros merecem ser publicados.

Antigamente, a tarefa de um editor era selecionar um ou dois autores para publicação dentre um grupo limitado.
Hoje, há uma multidão de escritores e suas milhares de obras estão além de qualquer avaliação possível. O editor ainda tem de selecionar um ou dois autores para publicação, mas agora o grupo é imenso e inabarcável.

Como destacar-se? Como sobressair-se?

Escrever bem já não é um diferencial, isto qualquer um pode fazer. Muitos sonhavam em se tornarem o próximo best-seller, vendendo milhões de livros e vendo sua história nas telas cinema, mas esta é uma realidade cada vez mais distante.
Em nossa época, da comunicação em tempo real diretamente com nossos leitores, penso que o caminho é encontrar o seu nicho, aquele círculo de pessoas que se interessa em ler seus livros e que possa sustentar seu ofício.
O bolo da Literatura cresceu, mas as nossas fatias serão cada vez menores.

Já foi mais difícil, mas também já foi muito mais fácil.

1 comment:

Maria de Fátima said...

eu admiro demis estes seus textos, henry!
admiro por virem de si que é jovem, talentoso em artes várias, sendo a da escrita apenas uma, ou, ao que penso, a que o apaixona! e sendo isso, e sendo tão jovem (um menino quase se virmos isso à minha medida) reflecte o assunto do que é ser escritor de modo sensato e realista. Tenho acompanhado e hoje, este texto, chegou ao ponto (já indiciava nos muitos livros) é que num mundo de potenciais leitores, num mundo de potenciais escritores e onde a divulgação está no bolso de cada um da gente, terá que ser outro o modo de encarar isso da palavra, ou, ao menos, isso do livro e do ser escritor. Teremos, sabe, henry, esses nichos em trono de um ou mais e o livro, impresso tenderá a ser material de museu, de consulta dos tempos de entes; e o escritor, tenderá a desaparecer enquanto função tal como desaparece o escriba quando a escrita se divulga. Haverá destaques, gente de génio, mas será de outro modo que virão a lume de entre os tais nichos disseminados pelas ondas cibernéticas: talvez o mérito seja, até, publicá-los em livro- papel raro a esse tempo...imagino! mas escritor ganhando a vida com o que escreve, eu creio ser profissão de dias contados! antes me parece que escrever passe a ser o modo de comunicar mais divulgado e para tal cada vez teremos que saber melhor usar esse saber (será?!)
escrever e ainda mais ficção, o escrever literário dos que mudam a forma de pensar o mundo e a humanidade mudando ao mesmo tempo os modos de comunicar pela palavra escrita, isso, será tentado por muitos mais, mas será sempre de alguns o destaque e o mérito e nunca (e nem é novidade) viver disso.
e tornando ao provérbio do início do seu texto: eu tendo a pensar que será com mais olhos olhando e mais conhecedores que se fará a escolha dos melhores - que serão menos cegos e por isso menos reis
abraço Henry e obrigada

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