Thursday, February 09, 2012

Microcontos e a dissolução da narrativa


A moda atual entre os escritores são os micro e os nanocontos, que encontrou na internet uma mídia privilegiada.
Através de histórias miniaturizadas, disseminadas através das redes sociais, espalhamos fragmentos de Literatura para quem tiver olhos para ler.

Um romance e suas centenas de páginas exigem do leitor tempo, paciência, atenção e concentração. Mesmo na leitura descompromissada, no metrô, no ônibus ou no avião, uma narrativa longa demanda do leitor a compreensão e a disposição para galgar o enredo e acolher os personagens. Pois uma narrativa longa deriva do desenvolvimento, da elaboração da psiqué de seus personagens e da coerência estrutural da obra.

Em oposição, temos o conto ou a narrativa breve, focalizada em um evento, com poucos personagens, pouca ambientação, num intervalo breve de tempo. É da concisão que um conto se constrói e, em algumas teorias, uma definição vaga para este gênero é de um texto ficcional que possa ser lido de uma só vez, apesar de haver vários casos de contos longos o suficiente para exigirem duas ou mais incursões.

Um gênero muito mais recente, aparentado do provérbio e do aforismo, é o microconto ou o nanoconto: a súmula máxima da narrativa.
Em muitos microcontos, temos apenas um ou dois personagens, quase sem ambientação e, frequentemente, com desenvolvimento brevíssimo do enredo, praticamente inexistente. A maioria dos nanocontos são apenas instantâneos, ou vislumbres da vida, como quem olha de passagem.
É exatamente neste ponto que surge o maior dos mal-entendidos...

Vários autores confundem brevidade com facilidade, quando é justamente o oposto. A brevidade é a técnica mais difícil de se dominar, uma arte para pouquíssimos.
O microconto é a hipérbole do conto; não pode haver uma vírgula, um artigo, um pronome, um adjetivo em excesso. Uma linha ou duas desnecessárias é uma atrocidade imperdoável, e até mais do que isto, um microconto que não atinja o coração ou a mente do leitor, reverberando por horas ou dias, não deveria ter sido escrito, não tem razão para existir.

No entanto, o domínio da escrita de microcontos assemelha-se, em parte, ao do humor e da concepção de chistes, inclusive na própria temática e desenvolvimento, muitas vezes em tom cômico. É através da escrita, divulgação e da recepção dos leitores que o autor refina sua técnica, detectando que espécie de micronarrativas funcionam melhor. E isto se dá à vista do leitor, com sucessos e fracassos narrativos dividindo o mesmo espaço.

Por outro lado, por melhor que um microconto seja, ao disputar atenção com várias outras atualizações do mundo virtual, como fotos, vídeos, músicas, piadas e textos não literários, a vida útil de uma narrativa brevíssima também é muito curta. É necessária uma produção frenética para a fidelização dos leitores e a repetição torna-se quase inevitável.

Dedicar uma carreira literária a microcontos me parece um grande equívoco, muito maior do que para poemas e contos mais longos, que desde há muito é considerado por alguns um suicídio literário, com possibilidade próxima de zero de publicação através de grandes editoras.
Apesar de toda a empolgação em torno das micronarrativas e de não ser um gênero passageiro - inclusive, talvez o gênero passageiro seja o próprio romance, em vias de extinção, quem sabe? -, não vejo como um autor consiga desenvolver um personagem interessante em tão poucas linhas.

A princípio, lemos porque nos identificamos, porque nos vemos retratados na história, porque gostaríamos de ser como aquele herói ou mocinha, ou porque a Literatura nos abre portas para mundos que não conhecemos.
Fragmentos da realidade, que nos toma segundos para lê-los, também nos proporcionam fragmentos de experiência. Sem a imersão, sem o aprofundamento, perdemos também boa parte do que torna a Literatura uma atividade tão interessante.

Por fim, a falsa sensação de facilidade das micronarrativas tem atraído uma legião de escritores que não teria a competência para narrativas mais longas, mas que também tem pouca ou nenhuma competência para as narrativas breves.
O fato é que alguns candidatos a escritores não merecem nem cento e quarenta caracteres.

8 comments:

Cinthia Kriemler said...

A palavra que incomoda é mesmo essa, Henry: moda. No começo, tentei me render à subtração das palvras. Declarei a mim mesma que era incompetente bem antes do 140º toque! Mas calei a boca,porque achei que estava desdenhando de algo porque não conseguia fazer esse algo. Então, um pouco mais adiante, a ficha caiu: eu não queria reduzir o pensamento à restrição, ao modismo. Uma questão de escolha, muito mais que de incompetência. Pior (ou melhor?) é que de todos os amigos que escrevem micro qualquer coisa, salva-se, eventualmente um que consegue a proeza com inteligência e elegância (Rodrigo Domit,por exemplo). E, mesmo assim, eu me pergunto: será um conto... ou uma impressão, um registro breve? Fiquei mais calma quando me caiu diante dos olhos um pensamento (dito) de Saramago, ao falar dos parcos 140 caracteres que o twitter permite "De tanto reduzir a comunicação, o homem vai conseguir involuir para os grunhidos." Ou algo assim. Penso o mesmo sobre os microcontos, microtextos etc. Este já é um segundo texto seu (aquele sobre a falsa ilusão da inspiração foi o primeiro) que casa opinião com o que eu penso. Que bom ver assim tão bem escritia a defesa de um pensamento como o qual se comunga! Por isso, este comentário que mais parece uma carta (uau!)! Muito bom o seu texto!

Henry Bugalho said...

Oi, Cinthia.

Concordo que não dá para seguir todas as modinhas literárias, como foi o caso do poetrix recentemente.

Mesmo assim, eu tento e gosto de escrever microcontos, apesar de questionar-me se consigo chegar lá.

Só conheço dois microcontistas que me chamam atenção: Marcelo Soriano e Wilson Gorj, o restante só bate na trave, na minha opinião.

Abraços.

Anonymous said...

Eu, particularmente, não vejo a brevidade como algo que faz um escritor ser melhor que outro por usá-la. Fernando Pessoa escreveu longos poemas; Camões escreveu os Lusíadas e ambos são considerados os maiores poetas da língua portuguesa. Acho que a qualidade de uma obra literária não está em seu tamanho, mas em suas palavras, como já diziam Homero, Bandeira, Pessoa, Rilke e outros. Penso também que um microconto (fruto da brevidade) pode nem sempre trazer a devida, por assim dizer, sensação ao leitor, exatamente por ser breve e não dar margem à contemplação necessária para a absorção das sensações. Já escrevi microcontos, escrevo crônicas, contos, poemas, sonetos e minha busca foi sempre pela qualidade literária. Portanto, acredito que micro ou macroconto o que importa são as palavras, o modo com tal coisa é feita. Isso faz dum escritor bom ou não.

Henry Bugalho said...

Oi, Rodrigo.

Antes de tudo, obrigado pela passada por aqui.

Em momento algum eu afirmei que um escritor é melhor ou pior por escrever microcontos. No entanto, as narrativas longas, como romances, permitem excessos que não são possíveis em narrativas curtas.
Basta ver os romances Alexandre Dumas, que era pago por palavra, e a quantidade de diálogos inúteis, escritos para "encher linguiça".
Um conto e, principalmente um microconto, não pode ter arestas, não pode ter nenhuma gordurdinha, e isto é uma qualidade de escrita muito difícil de se conquistar, ainda mais nas mãos de um escritor inábil.

A meu ver, um escritor mediano até pode produzir um romance satisfatório, no entanto, no momento em que ele se embrenha pelas micronarrativas, todas as falhas e imperícias se manifestam mais claramente, pois não estão diluídas em centenas de páginas, mas se concentram em poucas linhas.

Acredito que qualquer um que tenha escrito romances e contos percebe quão difícil a escrita de contos é em comparação ao romance, pois você tem muito menos tempo e espaço para ser mais incisivo e poderoso. Isto está bem longe de ser uma tarefa simples e fácil.

Bem, e isto também está em artigos de autores reconhecidos, como Carver, Bolaño, Cortázar e do Quiroga, que entrará na próxima edição da SAMIZDAT. Apesar de ser minha opinião sobre o assunto, não é um delírio somente meu sobre o ofício. :D

Abraços.

Abraços.

Rodrigo Domit said...

Agradeço pela menção, Cinthia!

Paulo Fodra said...

Penso que existem histórias de todos os tamanhos a serem contadas, flutuando ao sabor do vento. Todas tem o seu valor. Alguns escritores só conseguem escutar as maiores. Outros, as menores. Uns poucos desenvolvem a habilidade de ouvir e traduzir ambas. Há quem as escute, mas se perca em sua tradução.
E há muitos que acreditam que ouviram o sussuro de uma história, ou gostariam de tê-lo ouvido, e as simulem. Meio sem jeito, meio sem graça. Desconhecem, porém, que quem já foi tocado por uma história, não se deixa enganar.

W.G. said...

Henry,

Fico contente por saber que a minha literatura (micro, míni?) tenha conquistado sua atenção. Parabéns pelo texto.

Abraços.
Gorj

Carlos Seabra said...

Henry, citei seu comentário sobre microcontos: https://trello.com/c/Q4oqv74F/245-henry-bugalho-o-microconto-e-a-hiperbole-do-conto-nao-pode-haver-uma-virgula-um-artigo-um-pronome-um-adjetivo-em-excesso-uma-lin

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