Não deveria, mas existe um hierarquia até no mundo do escritores.
E nem estamos falando de toda a estrutura editorial, passando por donos de editoras, editores, pareceristas, revisores, distribuidores, livreiros, críticos, professores de Literatura, leitores, etc. Trata-se de uma hierarquia no interior do próprio ofício da escrita, que distingue um escritor do outro.
O topo da hierarquia, os best-sellers e os aclamados
O primeiro escalão é dos autores megafamosos ou reconhecidíssimos, daqueles que, ao mencionarmos o nome, mesmo que não se tenha lido livro algum deles, imediatamente sabemos de quem se trata.
Ninguém precisa ter lido obras de Kafka, Dostoievsky, Dickens, Umberto Eco, Machado de Assis, Sidney Sheldon ou Paulo Coelho para, no ato, já exclamar, "sim, sim!". É o reconhecimento instantâneo.
Neste topo da hierarquia, temos um percentual ridiculamente insignificante dentre todos os escritores.
Não se engane: a Literatura, assim como a vida em geral, é uma loteria. Alguns conseguem um bilhete premiado, mas a maioria de nós não. É a ilusão do sucesso potencial, do reconhecimento futuro, da glória eterna que move todos os escritores ao redor do mundo. Todos, em algum nível, esperamos ser reconhecidos por nossos contemporâneos ou pelos pósteros, todavia, bem poucos chegarão lá.
E não há regra nem lógica nesta promoção. O cânone e o sucesso são essencialmente inexplicáveis. Existem todos os tipos de teorias sobre isto, desde decisão política até a recente hipótese das dez mil horas de trabalho, mas, no fundo, não há explicação plausível: alguns simplesmente nascem agraciados e prosperam.
O segundo escalão, os famosos anônimos
Em seguida, temos aqueles autores que já obtiveram um certo grau de reconhecimento, mas nada muito significativo. Talvez até sejam conhecidos por um pequeno grupo de leitores e críticos, com algum grau de visibilidade na imprensa e que tenham vendido poucos milhares de livros.
Geralmente, já foram publicados por grandes editoras e podem vir ou não juntarem-se ao primeiro escalão em algum momento vindouro.
Assim como ocorre com quase a totalidade dos escritores, mesmo com muitos do primeiro escalão, não conseguem viver somente da escrita, tem de dividir seu tempo entre palestras, traduções, escrevendo colunas para jornais ou até mantendo um trabalho de tempo integral, escrevendo apenas nas horas vagas.
Ainda não lhe disseram que Literatura não paga as contas?
Isto era verdade no tempo de Balzac, no de Poe, no de Joyce e no nosso também. Provavelmente, esta realidade perdurará até o final dos tempos: escrever dá pouco ou nenhum dinheiro, então deve-se escolher a penúria ou um segundo emprego, não há saída.
Esta é a dura situação que os autores do segundo escalão descobrem assim que fecham o contrato com alguma editora. Provavelmente, muitos deles tinham a ilusão que tudo mudaria daquele dia em diante, mas, com o passar dos meses e dos anos, com relatórios de vendas pífias e deprimentes pagamentos de direitos autorais, percebem que o buraco é mais embaixo.
Ser publicado não é a solução, às vezes, pode até ser mais um dos problemas que o autor tem de enfrentar, pois não basta mais apenas escrever, ele tem de se tornar também o marqueteiro, o assessor de imprensa de si próprio, o palestrante e, às vezes, até mesmo o vendedor de seus livros. Se pensava que teria mais tempo para dedicar-se somente à escrita, logo aprenderá que lhe restará ainda menos tempo, pois a obra não anda com as próprias pernas, precisa de supervisão constante antes que comece a engatinhar e a caminhar.
O terceiro escalão, os anônimos emergentes
Alguns escritores estão no meio do caminho. Ainda não foram publicados comercialmente, ou às vezes por pequenas editoras com pouca ou nenhuma distribuição, o que é quase o mesmo de não ter sido publicado, mas já possuem algum tempo de estrada, conhecem vários percalços da carreira e, quem sabe, em breve, eles se converterão num dos "famosos anônimos".
Neste terceiro escalão, o escritor talvez até tenha um ou mais livros publicados independentemente, muitos que acabam sendo distribuídos para amigos que não os leem ou ficam a mofar em pilhas num quartinho de casa. Podem ser do tipo franco-atirador, publicando seus textos em todos os blogs, sites, revistas literárias, distribuindo gratuitamente suas obras ou vendendo-as a preço de banana. Estão desesperados por um pouco de atenção, por uma mão amiga de algum editor, crítico ou escritor reconhecido que perceba o seu talento e o ajude na publicação, enfim, por uma grande editora.
Estes autores até são conhecidos por um pequeno grupo de leitores, ou por seus pares, já que caminham todos juntos. Às vezes, chegam a ter uma legião de seguidores, o que contribui para catapultá-los ao sucesso. É provável que tenham ganhado um concurso literário ou outro, mas nada representativo o bastante para lhe abrir as portas.
Muitos dos escritores jamais transporão este limiar, continuarão para sempre apenas uma boa promessa de sucesso que jamais se realizou. Alguns aparecerão em reportagens locais, em jornais, rádio ou TV, e só. Outros se tornarão escritores reconhecidos, um dia, mas tudo dependerá da loteria da vida, da estrela que brilha, da sorte imprevisível.
O quarto escalão, os anônimos otimistas
Geralmente, estes são os escritores que decidiram ontem que querem viver da escrita. Ainda não conhecem os percalços da Literatura, não tem ideia de como é difícil publicar e, frequentemente, ainda não escreveram nem um livro sequer.
Tais autores redigiram uma meia dúzia de contos ou poemas e acreditam que isto os transformou automaticamente em escritores. No entanto, ainda morrem de medo de divulgar seus trabalhos, apavorados que alguém plagie ou roube suas obras geniais. Ninguém lhes disse que, primeiro, são poucas as chances de alguém roubar ideias de um escritor desconhecido e provavelmente medíocre e, depois, que não há como proteger ideias, apenas a literariedade do texto, ou seja, se quiserem roubar sua ideia, não há do que reclamar.
Estes escritores tem uma noção idealizada da carreira literária e acreditam fielmente que seus livros mudarão o curso da humanidade, que ficarão ricos e famosos, ou que a mulherada cairá aos seus pés nos lançamentos.
Muitos não possuem a mínima bagagem teórica e pensam que um romance é um conto ampliado, ou que novela é o que passa na televisão no horário nobre. Há uma grande incidência de adolescentes neste escalão e que não tem o hábito de leitura, ou habituados a ler gêneros e autores bastante específicos, redigindo de maneira bastante parasitária.
Frequentemente, demora anos até que eles se libertem do fantasma da influência e descubram suas próprias vozes, isto se não desistirem da escrita antes disto.
A base da hierarquia, os não-escritores
Por fim, deparamo-nos com o quinto escalão, que são aqueles escritores que ainda não escreveram nada. Por mais paradoxal que isto possa parecer, quase todas as pessoas acreditam que existe um escritor dentro de si, ou como muito se repete, "a minha vida daria um livro".
Via de regra, a vida de praticamente todo o mundo daria um livro, tedioso, mas daria!
São os procrastinadores, os que pensam que, quando se aposentarem, então terão tempo o suficiente para viverem o sonho da escrita. Alguns acreditam que conceber frases bonitas ou haikais mal engendrados já é o bastante. Outros começam, começam, começam a escrever suas obras-primas, mas simplesmente são incapazes de concluí-las.
Talvez até tenham boas ideias ou dominem as regras gramaticais e ortográficas, mas isto não os torna escritores.
A escrita é o que torna alguém escritor, e também a publicação em papel ou digital, e também o reconhecimento dos pares e dos leitores. Tudo está atrelado.
Conclusão
Como qualquer hierarquia, ninguém começa pelo topo.
Leia qualquer biografia de grandes escritores e notará a recorrência. Quase todos começam a escrever duvidando do próprio talento; muitos unem-se a outros escritores desconhecidos, com quem aprendem e se aperfeiçoam, além de criar um círculo de influência; a maioria publica suas primeiras obras independentemente e obtém resultados quase nulos; então, conseguem atrair a atenção de algum editor com visão e, durante décadas, amargam um fracasso após o outro, este é o percurso do crescimento pessoal e do refinamento das técnicas literárias; enfim, produzem uma grande obra, que é o chamariz para seus trabalhos pretéritos e que consagra sua carreira, comumente este é o início do declínio na produção, da autorreferenciação, mas com um público já estabelecido, isto deixa de ter relevância.
Quando se atinge o topo do hierarquia, tornando-se uma das "vacas sagradas", quase tudo é permitido.
A transição de um escalão ao outro é praticamente imperceptível e indolor. Os únicos marcos realmente identificáveis são a publicação através de uma grande editora e a venda de mais de cem mil exemplares, o primeiro de que você se tornou um dos "famosos anônimos", o outro que você finalmente está no topo da pirâmide.
Mais do que isto, somente a imortalidade literária, a inserção na História da Literatura, mas isto é tão raro e para tão poucos, que está fora do alcance da vasta maioria dos escritores que já passou pela face da Terra.
Contente-se se você conseguiu vender alguns milhares de livros; isto deveria ser o bastante, é muito mais sucesso do que a maior parte dos escritores obterá.
2 comments:
Também estou no terceiro escalão, almejando subir pelo menos mais um degrau.
Kkkk.Li esse post ao lado do meu filho (teu chara Henri) E nós rimos muito..Sou o anônimo otimista.A risada é ate forçada, fiquei até meio triste. Comrcei a denominar o meu ofício: Artesão-(arte de escrever), pq muitas mrsrd uso lápis. O único momento que me senti escritor, foi qdo uma prof.de inglês do meu pequeno perguntou o que EU Fazia, ele respondeu:
-Writer!
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