Saturday, February 18, 2012

Sobre a Escrita, por Stephen King



Algum tempo atrás, li "On Writing" de Stephen King e gostei muito. Em suas 300 páginas há valiosas dicas para um pretendente a escritor.

"On Writing" é um livro muito divertido e lúcido, sem grandes reflexões metafísicas sobre o ofício da escrita, com recomendações bastante práticas sobre como produzir um texto melhor.

Traduzi alguns trechos que me chamaram atenção.

***


Quando adolescente, King editou uma edição caseira de um romance inspirado em um conto de Poe e vendeu na escola em que estudava. Segundo ele, este foi o primeiro "best-seller" da carreira dele, pois vendeu todas as 40 cópias. No entanto, a diretora da escola não gostou desta iniciativa e o repreendeu, perguntando: "Por que você escreve este lixo?"


"... eu não tinha uma resposta para ela. Eu estava envergonhado. Passei muitos anos desde então - anos demais, acho - envergonhado daquilo que eu escrevia. Acho que eu tinha quarenta anos quando percebi que quase todo escritor de ficção ou poesia que já publicou uma linha foi acusado por alguém de desperdiçar o talento dado a ele por Deus. Se você escreve (pinta, dança, esculpe, ou canta, suponho), alguém tentará fazê-lo se sentir mal, simples assim". (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 50)



Mais tarde, no último ano do ensino médio, King começou a trabalhar num jornal da escola. O primeiro texto que ele escreveu, para a seção de esportes, foi lido pelo editor, que rabiscou e cortou vários trechos do texto. Então este editor disse para o autor:

"Escreva com a porta fechada, reescreva com a porta aberta. Em outras palavras, sua obra começa a ser escrita apenas para você, mas então ela vai embora. A partir do momento em que você sabe qual é a história e consegue realizá-la bem - quão bem você puder - ela passa a pertencer a qualquer um que queira lê-la. Ou criticá-la." (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 56)

Stephen King enviou, ainda criança e adolescente, inúmeros contos para revistas literárias, principalmente para revistas de Ficção Científica, Terror e Fantasia. As cartas de recusa foram aumentando, até que uma delas enviou uma carta diferente.


"Este é um bom material. Não serve para nós, mas é bom. Você tem talento. Tente novamente".


Depois que ele começou a fazer sucesso, ele releu o mesmo conto que havia sido recusado vários anos antes. Ainda achava que era um bom conto, deu uma burilada no texto e enviou novamente para a mesma revista. Desta segunda vez, o conto foi aceito. Então King conclui:


"Algo que percebi quando você obtém algum sucesso - as revistas tendem a usar menos a frase: 'não serve para nós". (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 41)


King afirma que a fase mais difícil para escrever foi quando ele lecionava inglês numa escola secundarista. Ele chegava tão cansado em casa que mal tinha disposição para escrever e chegou a pensar em desistir da carreira literária. Foi neste momento que o apoio da esposa, Tabitha King, foi crucial para ele persistir.


"Escrever é um trabalho solitário. Ter alguém que acredita em você faz bastante diferença. Eles não precisam fazer discursos. Apenas acreditar já é suficiente". (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 74)


Foi nesta época que ele começou a escrever "Carrie, a Estranha", que seria seu primeiro best-seller. Ele havia escrito algumas páginas, mas o enredo e as personagens não o agradaram. Ele jogou o manuscrito no lixo, mas, ao chegar em casa, encontrou a esposa lendo as folhas amassadas.
Ela insistiu que ele continuasse escrevendo o romance, mas ele tinha muitas dificuldades para desenvolver uma personagem adolescente com problemas de aceitação. Segundo King, o desafio para escrever "Carrie" ensinou várias lições a ele.


"A mais importante (lição) é que a percepção inicial do autor de um personagem, ou de personagens, pode ser tão errônea quanto a do leitor. Num apertado segundo lugar, foi a constatação que interromper um trabalho apenas por ser difícil, seja emocional ou criativamente, é uma má ideia. Às vezes, você tem de ir adiante mesmo que não queira, e às vezes você está realizando um bom trabalho mesmo que tenha a sensação de estar cavando merda." (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 77)


Por vários anos, Stephen King se afundou na bebida e nas drogas. Quando chegou ao fundo do poço, as família dele interveio e ele teve de escolher entre a esposa, filhos e amigos, ou a bebida, a cocaína e remédios.
Ele acreditava que boa parte de sua criatividade derivava de estados alterados de consciência, mas, mesmo assim, ele preferiu abdicar da escrita, se fosse necessário, para não ferir mais aqueles que o amavam. Logo ele descobriu que podia escrever tão bem, ou melhor, sóbrio.


"A ideia que o esforço criativo e substâncias entorpecentes estão vinculadas é um dos maiores mitos intelectuais pop de nossa época. (...) Escritores dependentes químicos são simplesmente dependentes químicos". (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 77)


***


A Caixa de ferramentas do escritor


Na primeira parte de "On Writing", King conta a trajetória dele como escritor. Na segunda parte, ele dá algumas recomendações ao escritor iniciante.
Sinceramente, o relato da própria experiência me soou bem mais autêntico do que as regras genéricas que ele apresenta posteriormente, mesmo assim, vou traduzir alguns trechos.


"As ferramentas básicas vêm primeiro. E a mais básica de todas, o pão da escrita, é o vocabulário. Neste caso, você pode empacotar feliz o que tem sem o mínimo de culpa ou inferioridade. Como a prostituta disse ao marinheiro acanhado: 'Não importa o tamanho, benzinho, mas como você usa'". (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 114)


"Você também precisa da gramática no topo da sua caixa de ferramentas(...)
Ou se absorve os princípios gramaticais da língua nativa através de conversação e leitura, ou não se absorve. (...)
Assim que você começar (a estudar a gramática), descobrirá que você já sabe quase tudo, ou seja, é só uma questão de limpar as teias de aranha." (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 118)


Depois ele enumera alguns elementos de estilística (defendidos à exaustão nos manuais de escrita americanos), como:


- nunca utilizar a "voz passiva", sempre tente encontrar um correspondente em "voz ativa", por exemplo:


Passiva - "O corpo foi carregado da cozinha e posto no sofá da sala".


Ativa - "Freddy e Myra carregaram o corpo para fora da cozinha e puseram-no no sofá da sala".


"(A voz passiva) é fraca, é um rodeio e frequentemente é tortuosa também". (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 123)


- evitar usar advérbios, ou usá-los com extrema cautela.



"Não importa o quanto eu queira encorajar o homem ou a mulher que está tentando escrever seriamente pela primeira vez, não posso mentir e dizer que não há maus escritores. Desculpe-me, mas existem vários maus escritores". (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 141) 

"Estou chegando ao âmago deste livro com duas teses, ambas simples. A primeira é que a boa escrita consiste em dominar o fundamental (vocabulário, gramática, os elementos do estilo) e então preencher o terceiro nível da sua caixa de ferramentas com os instrumentos corretos. A segunda é que, mesmo que seja impossível fazer um escritor competente a partir de um mau escritor, e mesmo que seja igualmente impossível fazer um grande escritor de um bom, é possível, com muito trabalho duro, dedicação e ajuda ocasional, fazer um bom escritor de um meramente competente." (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 142)

"Críticos e eruditos sempre suspeitaram de sucessos populares. Geralmente, as suspeitas deles são justificadas. Em outros casos, tais suspeitas são usadas como uma desculpa para não pensarem." (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 143) 


"Se você quer ser um escritor, você deve fazer duas coisas acima de tudo: ler muito e escrever muito. Até onde eu saiba, não há como evitá-las, não há atalhos". (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 145)


"Quase todo mundo consegue se lembrar quando perdeu a virgindade, e a maioria dos escritores pode se lembrar do primeiro livro que pôs de lado pensando: eu posso fazer melhor do que isto. Diabos, eu faço melhor do que isto! O que poderia ser mais encorajador para o escritor iniciante do que perceber que seu trabalho é inquestionavelmente melhor do que de alguém que realmente foi pago por sua obra?" (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 146)


"É difícil para mim acreditar que pessoas que leem muito pouco (ou nada, em alguns casos) pretendam escrever e esperar que outras pessoas gostem do que eles escevem, mas eu sei que isto existe. (...) Se você não tem tempo para ler, você não tem tempo (ou o instrumental) para escrever. Simples assim." (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 147) 


"Agora vem a grande questão: sobre o que vou escrever? E a igualmente grande resposta: qualquer maldita coisa que você quiser. Qualquer coisa mesmo... desde que você diga a verdade.
(...)
Em termos de gênero, é justo presumir que você provavelmente começará escrevendo aquilo que você gosta de ler(...)
Não há nada errado nisto. O que seria muito errado, acho, é voltar as costas para aquilo que você sabe e gosta (...) para privilegiar aquilo que você acredita que impressionará seus amigos, parentes ou colegas de literatura." (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 158)


"Compradores de livros não são atraídos, nem de longe, pelos méritos literários de um romance; compradores de livros querem uma boa história para carregar com eles no avião, algo que primeiro os fascinarão, então os agarrarão e os manterão virando as páginas. Isto acontece, acho, quando os leitores reconhecem as pessoas num livro, seus comportamentos, o que as cercam e a fala delas. Quando o leitor ouve fortes ecos de sua vida e crenças, ele está mais apto a se interessar pela história." (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 160) 


"Escreva o que você gosta, então insira vida e torne-a única ao mesclar seu próprio conhecimento da vida, amizade, relacionamentos, sexo e trabalho. Especialmente trabalho. Pessoas adoram ler sobre trabalho. Sabe Deus porquê, mas elas adoram.(...) O que você precisa se lembrar é que há uma diferença entre palestrar sobre o que você sabe e usar isto para enriquecer a história. Este último é bom. O primeiro não." (KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 161)


Depois deste ponto, o livro deixa de ser tão interessante, mesmo assim, é muito esclarecedor ver um dos maiores best-sellers do mundo se abrindo desta maneira, e revelando algumas constatações que obteve durante sua carreira literária, com todas as críticas que recebeu por causa da qualidade de sua escrita e pela visibilidade de suas obras.


Quem está exposto, deve estar preparado para as pauladas...

2 comments:

L.S.Silva said...

sempre é ler a respeito da "concepção, gestação, nascimento, primeiros passos e primeira palavra" de um autor conhecido e reconhecido no mundo da escrita.

gostei dessa frase:
"Algo que percebi quando você obtém algum sucesso - as revistas tendem a usar menos a frase: 'não serve para nós' ".(KING, Stephen, On Writing. New York: Scribner, 2000. p. 41)

fêrlyvictoria said...

Otimo post eim me ensinou muito.
Passando,aprovando&seeguindo. Beijiinhos :*
@per_feitosparaoamor
@ferly_victoria
http://reverseobrlife.blogspot.com/

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