Sunday, March 09, 2014

Qual é o direito do leitor de descer o cacete num livro?


Possivelmente, um dos meus livros de ficção mais lidos é também o mais pirateado, ou melhor, é uns dos mais lidos justamente porque é pirateado.
Inclusive, é também um dos meus piores livros e, por esta razão, um dos mais criticados pelos leitores.
Durante meses, desde que o arquivo surgiu em praticamente todos os blogs brasileiros que distribuem livros piratas, tenho acompanhado a reação dos leitores no skoob (www.skoob.com.br).
Até a data de hoje, 22 pessoas leram, 1 está lendo, 2 abandonaram e 14 ainda vão ler.
Não me lembro de ter vendido tantos exemplares deste livro e, para piorar, estes são somente os leitores registrados no site e que informaram seus hábitos de leituras.
Você pode facilmente multiplicar o número de downloads piratas por 10 ou 20 vezes. Talvez até por muito mais.

Mas o meu problema nem é este, posto que por alguns anos distribuí alguns dos meus livros de graça. Na época, eram bem poucos os que se interessavam em lê-los. "Se é de graça, então não deve valer nada", podia até ouvir o pensamento de muitos destes leitores.
Agora que é pago (e pirateado), o que escrevo talvez valha alguma coisa...

A minha questão neste momento, e imagino que deva ser genuína, é até que ponto o leitor tem direito de descer o cacete em um livro?

Sou bastante tolerante com a crítica, inclusive por anos organizei/participei de oficinas literárias com outros autores onde cada um lia e comentava as obras alheias. E não pense que estou falando de afagos e elogios, mas de críticas severas, a ponto de fazer com que alguns chorassem quietinho num canto (é o que penso, pelo menos).
Criei algumas inimizades nestas oficinas, mas nunca me ofendi com nenhuma das críticas, nem mesmo com as pessoais.

Entendo que o leitor tem um papel preponderante em relação à escrita. Um livro sem leitores é um livro morto, sem propósito, sem função. É fundamental que alguém apanhe aquela obra, mergulhe em seu universo e traga à vida seus personagens.
Somente isto justifica a existência da Literatura. Trata-se de um triângulo necessário entre autor-obra-leitor.
Nem todos os escritores se sentem confortáveis ao escutar o que pensam os leitores. Para eles, a escrita é uma via de mão única: eles produzem para o mundo, mas não se importam sobre como o mundo interpretará seu trabalho. Qualquer desvio na interpertação daquilo que ele tencionava basta para deixar este autor de mau humor, como se os leitores fossem bestas incapazes de compreender qualquer coisa.

Do mesmo modo que o autor tem plena liberdade para escrever o que lhe vier à mente, o leitor também tem bastante liberdade para interpretar aquelas palavras no livro, de preferência resguardando-se a certos limites da trama, porém, limites que são bastante subjetivos.
Estamos no interior do universo da interpretação e, quando escrevo "casa", posso ter imaginado uma casinha simples, com um portãozinho pequeno e uma roseira no quintal, enquanto que, na concepção do leitor, esta mesma palavra pode trazer uma série completamente diferente de imagens e impressões.
Cada palavra, frase, parágrafo e página de um livro visa delimitar uma experiência narrativa, tornando claros para os leitores pensamentos, descrições, diálogos e personagens. Alguns autores tendem (intencionalmente ou não) a ser mais ambíguos do que outros, a jogar com os sentidos e a explorar as entrelinhas. Outros querem ser transparentes do começo ao fim, sem deixar margem para dúvida.

De qualquer modo, o leitor, em seu horizonte interpretativo, tem toda a liberdade de ler e entender um livro de acordo com suas próprias experiências e navegar através da narrativa com os instrumentos teóricos ou práticos que possui. Ele também tem a liberdade de gostar ou não do que leu segundo tais parâmetros.

Por outro lado, caso o autor venha a ter contato com esta interpretação dos leitores, ele também é livre para considerá-la equivocada, ou insuficiente, de acordo com a sua proposta de escrita, ou de assimilar a crítica e utilizá-la como uma referência para textos futuros.

O fato é que vivemos numa era opinativa, quando qualquer um se sente apto a emitir considerações sobre qualquer assunto. Portanto, não é qualquer crítica que terá embasamento, nem que deva ser levada seriamente.
Ao invés de se ofender com qualquer comentário negativo, o autor tem a opção de pôr-se no lugar do leitor e fazer um esforço para entender em que momento a expectativa dele sobre o livro se frustrou.

No entanto, por mais que a crítica negativa não me incomode (prefiro uma crítica negativa do que a indiferença), confesso que me desanima um pouco receber comentários, positivos ou negativos, de leitores que baixaram um exemplar pirata.
Apesar de saber que a maioria dos leitores não ergue questões morais sobre isto, não consigo evitar de sentir como se parte do meu trabalho houvesse sido roubada, e que o criminoso ainda se gabasse disto na minha frente.
Raríssimas vezes recebi qualquer comentário sobre meus livros gratuitos.
De graça não tem graça...

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