Sunday, August 17, 2014

A Ditadura da Gramática

 
Apesar de ser um artigo sobre a gramática da língua inglesa, o começo é bastante esclarecedor sobre a gramática em geral.

Por Steven Pinker, autor de "The Sense of Style: the Thinking Person's Guide to Writing in the 21st Century" (tradução livre: Henry Bugalho)

"Entre os muitos desafios da escrita está o lidar com as regras do uso correto (...). Supostamente, um escritor tem de escolher entre duas abordagens radicalmente diferentes para estas regras. Os 'prescricionistas' prescrevem como a linguagem deveria ser usada. Eles defendem padrões de excelência e um respeito pelo melhor da nossa civilização e são um baluarte contra o relativismo, o populismo vulgar e a imbecilização da cultura letrada. Descritivistas descrevem como a linguagem é usada de fato. Eles acreditam que as regras do uso correto nada mais são do que um cumprimento secreto da classe dominante, designado para manter as massas em seu lugar. A linguagem é um produto orgânico da criatividade humana, dizem os descritivistas, e as pessoas deveriam ser permitidas a escrever do jeito que elas quiserem.

Esta é uma dicotomia contagiante, mas falsa. Qualquer um que tenha lido um trabalho de um aluno inepto, uma má tradução do Google, ou uma entrevista com George W Bush pode avaliar que os padrões de uso são desejáveis em muitos territórios de comunicação. Eles podem lubrificar a compreensão, reduzir mal-entendidos, fornecer uma plataforma estável para o desenvolvimento de estilo e graciosidade e indicar que um escritor se dedicou ao elaborar um trecho.

Mas isto não quer dizer que cada implicância, que cada elemento de folclore gramatical, ou cada lição que vagamente nos recordamos da aula da nossa professora Carrancuda merece ser mantida. Muitas regras prescritivas se originaram por razões despropositadas e têm sido desprezadas pelos melhores escritores por séculos.

Como você pode distinguir as preocupações legítimas de um escritor cuidadoso de folclore e superstições? Estas são as perguntas a se fazer. (...) Escritores cuidadosos que inadvertidamente ignoraram a regra concordam, quando a violação é indicada, que houve algum erro? A regra tem sido respeitada pelos melhores escritores pretéritos? É respeitada por escritores cuidadosos hoje? Há um consenso entre escritores com discernimento que isto transmite uma interessante distinção semântica? E são violações da regra produtos óbvios de se ouvir mal, de leitura descuidada, ou uma tentativa fajuta de soar pomposo?

Em contrapartida, uma regra deve ser rejeitada se a resposta para qualquer uma das seguintes questões for "sim". A regra é fundada em alguma teoria bizantina, tal como que o inglês (ou o português) deveria imitar o latim, ou que o sentido original da palavra é o único correto? (...) Ela se originou a partir da implicância de um especialista auto-ungido? Tem sido rotinariamente desprezada por grandes escritores? É fundada num diagnóstico incorreto de um problema legítimo, como declarar que uma construção que às vezes é ambígua é sempre não-gramatical? As tentativas para consertar a frase para que ela obedeça a regra apenas faz com que ela fique mais desengonçada e menos compreensível?

Finalmente, a regra putativa confunde gramática com formalidade? Cada escritor domina uma gama de estilos que são apropriados para diferentes épocas e locais. Um estilo formal que seja apropriado para uma inscrição num memorial do genocídio diferirá de um estilo casual apropriado para um e-mail para um amigo íntimo. Usar um estilo informal quando um estilo formal é requisitado resulta numa escrita que parece ser leve, conversasional, casual, irreverente. Usar um estilo formal quando um estilo informal é requisitado resulta numa escrita que pode parecer constipada, pomposa, afetada, soberba. Ambos os tipos de descompasso são erros. Muitos guias prescritivos se esquecem desta distinção e confundem estilo informal com gramática incorreta.

O modo mais fácil para distinguir uma regra legítima de uso de um conto-da-carochinha é incrivelmente simples: pesquise. Consulte um guia moderno de uso ou um dicionário com observações de uso. Muitas pessoas, particularmente as mais obstinadas, têm a impressão que qualquer mito sobre o uso já solto neste mundo por algum purista autoproclamado será endorsado por algum importante dicionário ou manual. Na verdade, estas obras de referência, com sua cuidadosa atenção à História, literatura e uso atual, são as demolidoras mais fervorosas dos absurdos gramaticais. (Isto é menos verdadeiro para guias de estilo escritos por jornais e sociedades profissionais, e manuais escritos por amadores, como críticos e jornalistas, que tendem a reproduzir irrefletidamente o folclore de guias anteriores.)

http://www.theguardian.com/books/2014/aug/15/steven-pinker-10-grammar-rules-break

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