Monday, June 22, 2009

Tamanho não é .DOC


Acabou de ir ao ar o livro de microcontos escritos pelos membros da comunidade "Escritores - Teoria Literária". Os microcontos foram publicados no twitter entre os meses de maio e junho.

Autores:
Erik Kurkowski Weber
Fabio Cunha P. Coelho
Henry Alfred Bugalho
Rafael T. Okada
Wilson Gorj

scribd - http://www.scribd.com/doc/16678651/tamanhodocumento

calámeo - http://en.calameo.com/read/0000022388dabc23135eb

recanto das letras - http://recantodasletras.uol.com.br/e-livros/1662440

Publicado por: Oficina Editora

E em julho haverá uma segunda rodada de microcontos!

Friday, June 19, 2009

Fluxo de consciência, a literatura dentro da mente

Os mistérios da mente e dos pensamentos sempre despertaram a atenção dos sábios e filósofos, desde a Antiguidade grega e das primeiras investigações teóricas sobre o Homem e o Universo; no entanto, apenas durante os séculos XIX e XX que a ciência se debruçaria, primeiro cautelosamente, depois com um fervor extraordinário, sobre as questões da Psicologia. É neste momento, na virada do século, que pesquisadores basilares como Wilhelm Wundt, William James, C. G. Jung e, principalmente, Sigmund Freud consolidaram suas carreiras e apontaram os rumos desta nova ciência que se engendrava.

A Psicologia e suas ramificações influenciaram vários estratos da sociedade e da cultura, e encontraram um solo bastante fértil na Literatura. Imediatamente, os autores deste período de ebulição científica trouxeram para dentro de suas obras conceitos psicológicos e inverteram o eixo que predominava anteriormente, de eventos externos estimulando os personagens à ação para motivações internas compelindo-os a uma tomada de atitude.

Raskolnikov e sua intensa vida mental são um grande exemplo desta apropriação; Dostoievski utiliza com maestria o conhecimento científico de seu tempo para desenvolver um personagem psicologicamente complexo e intrigante, divido entre a certeza de sua superioridade intelectual e moral e o jugo da medíocre vida comunal.

Dostoievski foi, aliás, um dos primeiros autores a utilizar, ainda embrionariamente, o que ficaria conhecido como “fluxo de consciência”.

As características do fluxo de consciência

O conceito de “fluxo de consciência” foi cunhado por William James e se referia ao turbilhão de pensamentos na mente consciente, isto é, toda a gama de impressões, sensações, raciocínios que se desenrolam em nível superficial.

A definição básica de William James é a seguinte:

O primeiro e mais importante fato concreto que cada um afirmará pertencer a sua experiência interior é o fato de que a consciência, de algum modo, flui. “Estados mentais” sucedem-se uns aos outros nela. Se pudéssemos dizer “pensa-se”, do mesmo modo que “chove” ou “venta”, estaríamos afirmando o fato da maneira mais simples e com o mínimo de presunção. Como não podemos, devemos simplesmente dizer que o pensamento flui. (JAMES, William. The Stream of Consciousness. 1892)

E William James ainda enumera quatro características deste fluxo mental: 1 – cada estado tende a ser parte duma consciência pessoal; 2 – dentro de cada consciência pessoal os estados estão sempre mudando; 3 – cada consciência individual é sensivelmente contínua e 4 – é interessada em algumas partes de seu objeto em detrimento de outras, e acolhe ou rejeita – escolhe-os, numa palavra – o tempo todo.

A grosso modo, o que se propõe é que a consciência está em constante mutação, ininterruptamente, concentrado-se sobre determinadas impressões e sensações, enquanto ignorando outras.

A primeira aplicação óbvia na Literatura é através dum narrador em primeira pessoa, que expõe seus pensamentos e vivências numa sequência contínua e abrupta, alternando seu foco de acordo com a corrente mental.

A revolução joyceana

Poucos autores enfeixaram tanto as propriedades do mundo moderno quanto James Joyce. Este autor irlandês, que viveu grande parte de sua vida no exílio, introduziu na Literatura um novo universo de possibilidades estéticas, temáticas e linguísticas, digerindo a tradição e abrindo as portas para toda uma geração futura, que encontraria em Joyce a inspiração para inovar.

E o grande diferencial de Joyce foi justamente a apropriação do “fluxo de consciência” como técnica narrativa, que também ficaria conhecido como “monólogo interior”, quando os pensamentos do personagem são apresentados, de maneira ilógica, ao contrário do solilóquio, quando um personagem expõe oral e logicamente suas reflexões.

Na antologia de contos “Dublinenses”, James Joyce realizou os primeiros experimentos com esta forma, mas ainda com timidez.
Mas foi em seu primeiro romance, “Retrato do artista quando jovem”, que narra a juventude de Stephen Dedalus e seu processo de ruptura com a Igreja Católica e com o provincianismo dublinense, que Joyce realmente desenvolveu a sua técnica de “fluxo de consciência”, cujo ápice se deu no romance “Ulisses”, publicado em 1922.

Numa espécie de releitura do enredo da “Odisseia” de Homero, “Ulisses” é a história do anti-herói Leopold Bloom, que vaga pelas ruas de Dublin atormentado pela suspeita de que sua esposa o trai, mas sem coragem para tomar atitude. Nesta obra, James Joyce apela para vários recursos narrativos, desde o monólogo interior, passando por um narrador onisciente em terceira pessoa, até a estrutura dramatúrgica. O autor transita por estes vários registros estilísticos, eliminando os limites do gênero romanesco, e também une a fala da rua e dos bares ao mais sofisticado discurso teórico.

“Ulisses” tenta abarcar a totalidade do mundo através da linguagem, e isto passa necessariamente pela dissecação da mente dos personagens. Três momentos antológicos do romance são também três grandes monólogos interiores, ou “fluxos de consciência”: o primeiro deles ocorre no terceiro capítulo e se passa na mente de Stephen Dedalus (o mesmo personagem de “Retrato do artista quando jovem”); o segundo deles no quarto capítulo, no qual Leopold Bloom é mostrado em sua vida cotidiana, despertando e saindo para comprar o café-da-manhã; e o terceiro deles é o gigantesco monólogo interior, sem sinais de pontuação e com pouquíssimos parágrafos, que encerra o livro e se trata dos pensamentos da esposa de Leopold, Molly Bloom.

O biógrafo Richard Ellmann, em seu livro “James Joyce”, afirma que o desenvolvimento da técnica joyceana de “fluxo de consciência” ocorreu acidentalmente. Joyce era professor de inglês em Triste, na Itália, e um de seus alunos, o também escritor Italo Svevo, tinha dificuldade para pontuar suas redações em inglês, escrevendo assim um texto contínuo. Joyce teria achado engraçada esta peculiaridade, mas logo percebeu as implicações literárias duma estrutura como esta, adotando-a em sua escrita quase imediatamente.

Outros fluxos de consciência

Paralela e simultaneamente a Joyce, vários outros autores também mergulhavam neste turbilhão interior das psiques de seus personagens, fossem eles influenciados pelos trabalhos de Freud, Jung ou Henri Bergson.

Na França, o grande expoente foi Marcel Proust e sua monumental obra “Em Busca do Tempo Perdido”, dispersa em vários volumes e relatando, de maneira bastante pessoal e autobiográfica, as rememorações do narrador, Marcel, desde a infância até a idade adulta.
Na Inglaterra, Virginia Woolf experimentava novas formas narrativas através de enredos cotidianos ambientados nos círculos da alta classe média britânica. Enquanto que, nos EUA, o fluxo de consciência apareceria nos trabalhos de Faulkner e T. S. Eliot.

O impacto desta técnica narrativa foi avassalador. Ela se disseminou entre os autores das gerações seguintes, perpassando todo o movimento modernista da década de 20 e chegando até os nossos dias, acolhida pelos arautos da pós-modernidade.

A lista de autores que namoraram “o fluxo de consciência” é imensa: Albert Camus, Hermann Hesse, Salinger, Samuel Beckett (herdeiro direto de Joyce), William Burroughs e vários outros autores da geração beatnik, Milan Kundera, Julio Cortázar e alguns outros escritores do Boom latino-americano.

O Brasil também possui os seus representantes, como Clarice Lispector, Paulo Leminski, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, para citarmos alguns, dentre inúmeros autores contemporâneos, que se munem deste mergulho ao íntimo do ser humano para expressarem o assombro dum sujeito cindido, desorientado, esmagado pela rapidez da era digital.

Para saber mais:

- ELLMANN, Richard, James Joyce. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1989.
- JAMES, William, The Stream of Consciousness. 1892. http://psychclassics.yorku.ca/James/jimmy11.htm
- JOYCE, James, Dubliners. New York: Dover Thrifts Editions, 1991.
Portrait of the artist as a young man. New York: Penguin Books, 1982.
Ulysses. New York: Random House, 1946.
- Wikipédia: stream of consciousness - http://en.wikipedia.org/wiki/Stream_of_consciousness_(narrative_mode)

(Publicado originalmente na Revista SAMIZDAT)
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