Sunday, July 26, 2009

O Homem Pós-Histórico



O mundo, tal qual conhecemos, não mais existe.
Há apenas um ­homem diante de uma assombrosa descoberta, ­enveredando-se na intrigante busca pelo conhecimento. Um sujeito ­solitário, desenraigado e oprimido por sua condição humana: este é o ­Homem Pós-Histórico.

(...) Sem dificuldades, ele deduz que coisas inanimadas não lhe podem dizer como se chamam, então, ele seria obrigado a dar-lhe nomes convenientes. Dá um nome às pedras, mas são tantas espalhadas pelo caminho que ele percebe que não pode dar nome diferente a cada uma delas, precisava de um título genérico, que servisse para designar todas, independentemente do formato, posição espacial e tamanho. Estabelece a primeira regra de aposição de nomes: para objetos, ele pode conceber um nome coletivo, como para pedras, árvores, montes, rios, flores, nuvens, animais, etc. Porém, ele não pode chamar a Mulher de qualquer coisa, pois ela é especial, individual, ela tem de ter um nome só dela, pelo qual nenhuma outra mulher no mundo, caso haja outra, possa ser chamada. (...)

Ficha Técnica:

Autor:
Henry Alfred Bugalho

Ano:
2009
Edição:
1
Número de páginas:
113

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Sunday, July 19, 2009

O bicentenário de Edgar Allan Poe, a vida e a criação de um mito literário


A vida do escritor


Há exatos duzentos anos, em 1809, nascia, na cidade de Boston, Edgar Poe. Filho de David Poe, Jr. e Elizabeth Arnold Hopkins Poe, ambos atores, Edgar perdeu os pais ainda muito criança; David Poe abandonou filhos e esposa em 1810, enquanto que Elizabeth Poe morreu de tuberculose em 1811.

Apesar de nunca ter sido adotado formalmente, Edgar foi acolhido na casa de John Allan, um rico comerciante de Richmond, e passaria a ser conhecido como Edgar Allan Poe.

Ele viajou com a família de John Allan à Inglaterra em 1815, onde morou por cinco anos. De volta aos Estados Unidos, Edgar Allan Poe se inscreveu na Universidade de Virginia em 1826. Envolvido em dívidas de jogos e com pouco apoio financeiro do pai adotivo, Edgar se viu obrigado a abandonar a carreira universitária e se alistou no exército. Nesta época, já se interessava pela Literatura e, em 1827, lançou sua primeira coletânea de poemas — “Tamerlane e outros poemas” —, que teve repercussão praticamente nula.

Após servir por dois anos, Edgar conseguiu a dispensa com o auxílio de John Allan, caso prometesse se matricular na Academia Militar de West Point. Neste meio tempo, em 1829, ele se mudou para Baltimore e foi acolhido na casa de uma tia e da prima, Virginia Clemm, com quem se casaria alguns anos depois. Foi nesta época que publicou seu segundo livro de poemas.

Em 1830, matriculou-se em West Point, mas foi expulso de lá um ano depois, voluntariamente forçando a corte marcial por mau comportamento. Também havia sido deserdado pelo pai adotivo, por pressões da mais recente esposa dele.

Foi para Nova York, onde lançou um terceiro livro de poemas, financiado com a contribuição de seus colegas de West Point, mas logo retornou a Baltimore, para a casa da tia, por causa de seu irmão, seriamente doente devido a problemas relacionados a alcoolismo.

Ao morrer o irmão, Edgar Allan Poe tentou se dedicar exclusivamente à carreira literária, tornado-se o primeiro autor norte-americano a viver apenas da escrita. No entanto, longe de representar fortuna e sucesso, esta escolha significou para Edgar uma vida repleta de dificuldades e privações. Começou a se dedicar também ao gênero da prosa, publicando alguns contos em periódicos da Filadélfia e Baltimore.

Casou-se, em segredo, com Virginia Clemm em 1835; ela tinha apenas 13 anos, mas declarou ter 21.

Publicou o romance “A Narrativa de Arthur Gordon Pym” em 1838, que foi bem recebido pela crítica. Aquela que é provavelmente sua obra em prosa mais importante, “Contos do Grotesco e do Arabesco”, foi publicada em 1839, mas a recepção foi contraditória.

Virginia, sua esposa, apresentou os primeiros sintomas de tuberculose em 1842, e nunca conseguiu se recuperar totalmente. A doença da esposa acentuou os problemas de Edgar com o álcool. Após ter trabalhado em vários jornais, ele retornou a Nova York e se tornou editor do “Broadway Journal” e, posteriormente, proprietário.

Sou poema mais famoso, “O Corvo”, foi publicado em 1845. Apesar da enorme repercussão, Edgar Allan Poe recebeu apenas 9 dólares pela publicação. Seu jornal faliu um ano depois, quando Poe se mudou para um casebre no Bronx, onde Virginia morreria.
Voltou a Richmond e começou um relacionamento com uma paixão da juventude, Sarah Royster.

Edgar Allan Poe morreu em 1849, vagando pelas ruas de Baltimore, delirante. Apesar de seu falecimento estar evidentemente relacionado ao abuso de álcool, as causas ainda são questionadas.

Influência de Poe

A árdua e trágica vida de Poe, que cedo perdeu os pais, viu o irmão e o amor de sua vida morrerem, teve de superar a pobreza e a inclemente crítica de seus contemporâneos, dificilmente poderia prenunciar a relevância futura de suas obras.

Na verdade, imediatamente após seu falecimento, as controvérsias ao redor de sua personalidade e obras já começaram; primeiro com o obituário do reverendo Rufus W. Griswold, assinado com o pseudônimo de “Ludwig”

“Edgar Allan Poe está morto. Morreu em Baltimore anteontem. Este anúncio poderá sobressaltar muitos, mas poucos se lamentarão. O poeta era bem conhecido pessoalmente ou por reputação, em todo o país. Ele tinha leitores na Inglaterra e em vários países da Europa Continental. Mas ele tinha poucos ou nenhum amigos. Os pesares por sua morte poderão ser induzidos principalmente pela consideração que a arte literária perdeu uma de suas mais brilhantes, porém erráticas, estrelas (...)”. Apesar de vários críticos e escritores se erguerem contra as acusações de Griswold, parecia ser um consenso o fato de que Edgar Allan Poe não era uma pessoa de fácil convivência, adepto de polêmicas e que havia criado muitos desafetos no mundo literário.

Estranhamente, o próprio Griswold foi incumbindo de editar e publicar o espólio de Poe, alegando ter sido este o pedido do autor. Não há nenhum documento que comprove esta afirmação, mas muitos teóricos argumentam que a caracterização de Poe feita por Griswold — de um homem diabólico, sem amigos, bêbado, drogado, problemático em sua vida social e pessoal — foi a principal responsável pelo sucesso póstumo do escritor. A aura demoníaca criada em torno de Poe foi o fator de atração do público leitor norte-americano, que se aproximava da obra de Poe com reverência e temor.

Griswold também redigiu a primeira biografia oficial de Edgar Allan Poe, quando da publicação das obras completas dele. Tal biografia é repleta de inverdades e adulterações, e foi repudiada por quem conhecia o autor, mesmo tendo servido de fundamento para boa parte das biografias subsequentes.

A história de Poe é um dos casos nos quais uma campanha difamatória, ao invés de prejudicá-lo, atuou em seu favor.

Todavia, enquanto o debate era acalorado nos EUA, na Europa, graças às traduções feitas por Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe já era acolhido como um autor engenhoso e de grande qualidade. Baudelaire encontrava na obra de Poe muitas de suas próprias características, como o misticismo, o fantástico, o macabro e grotesco, e a busca por respostas filosóficas para questões estéticas e literárias. Foi através das traduções de Baudelaire que a obra de Poe pode ser recebida e influenciar os autores simbolistas e surrealistas.

Na obra “Sobre a Modernidade”, Baudelaire não poupa elogios a Poe, e não hesita em incluí-lo no rol dos grandes artistas da modernidade:

“Lembram-se de um quadro (e um quadro, na verdade!) escrito pelo mais poderoso autor desta época e que se intitula “L’Homme des Foules” (“O Homem das Multidões”)? Atrás das vidraças de um café, um convalescente, contemplando com prazer a multidão, mistura-se mentalmente a todos os pensamentos que se agitam à sua volta. Resgatado há pouco das sombras da morte, ele aspira com deleite todos os indícios e eflúvios da vida; como estava prestes a tudo esquecer, lembra-se e quer ardentemente lembrar-se de tudo. Finalmente, precipita-se no meio da multidão à procura de um desconhecido cuja fisionomia, apenas vislumbrada, fascinou-o num relance. A curiosidade transformou-se numa paixão fatal, irresistível!”
No mundo lusófono, a obra de Poe se refletiria e influenciaria os trabalhos de Machado de Assis, que definitivamente buscou no autor norte-americano sua inspiração para a estruturação e para algumas temáticas de seus contos. Por sua vez, em Portugal, Fernando Pessoa afirmava que Edgar Allan Poe “era uma das figuras literárias mais notáveis da América Inglesa”. Ambos, Machado de Assis e Pessoa, traduziram poemas de Poe para o português.

Enfim, Jorge Luis Borges, um dos autores hispano-americanos mais influentes do século XX, renovou o gênero conto ao ressuscitar questionamentos, técnicas, ambientações, sutilezas já utilizadas ou levadas à perfeição por Poe, como o embuste, o raciocínio lógico, o macabro e fantástico, o enigmático, a criptografia, a antiguidade histórica e povos exóticos ou desaparecidos.

A controversa figura de Edgar Allan Poe, que sofreu para poder viver de sua pena, converteu-se numa das mais ricas fontes de inspiração para a literatura vindoura. E o grande segredo disto residiu, principalmente, na transformação de um atormentado indivíduo real em um personagem bizarro e assustador, que toma vida todas as vezes que um leitor entra em contato com sua obra.

A obra de Poe

Em vida, Edgar Allan Poe era conhecido como um competente, porém cáustico, crítico e ensaísta. Publicou resenhas e críticas literárias em inúmeros periódicos. Participou de polêmicas e embates com grandes autores e ensaístas, atacava ferozmente o “Transcendentalismo” de Emerson e Thoreau. Também viveu para presenciar, alguns anos antes de seu falecimento, o arrebatador sucesso de poemas como “O Corvo” e “Annabel Lee”.
Mas, sem dúvida, a principal contribuição de Poe está na sua obra prosaica, em seus contos e em seu único romance “A Narrativa de Arthur Gordon Pym”.

A obra de Poe tende a gravitar ao redor de alguns temas bastante específicos, como:
- a Morte (“A Queda da Casa de Usher”, “A Máscara da Morte Vermelha”, “O Gato Preto”, “O Enterro Prematuro”, “Os Fatos no Caso do Sr. Valdemar”, “Uma Revelação Mesmérica”, entre outros;

- investigações policiais (“Os Assassinatos da Rua Morgue”, “O Mistério de Marie Rôget”, “O Coração Delator”, “Tu és o Homem”, “A Carta Roubada”)

- eventos marítimos bizarros ou fantásticos (“A Narrativa de Arthur Gordon Pym”, “Mensagem numa Garrafa”, “Descida ao Maelström”)


Além disto, há vários outros textos satíricos, de humor, enigmáticos (como “O Escaravelho de Ouro”) e profundamente metafísicos. Edgar Allan Poe é considerado como um dos precursores da Ficção Científica, por causa de contos como “O Embuste do Balão”, “A Aventura sem par de um tal Hans Pfaall”. Poe é também considerado como o primeiro autor de ficção policial, ao conceber o antológico personagem Auguste Dupin. Tornou-se um ícone da literatura de Terror e Gótica.

Paralelamente aos mestres russos e franceses, como Pushkin, Tchekov e Maupassant, Edgar Allan Poe instaurou as bases do conto moderno, produzindo alguns dos textos mais perfeitos e emblemáticos do gênero.

No campo da poesia, Poe foi considerado como cerebral demais, apesar de ainda ser tomado como um autor do Romantismo. Para o ele, era muito mais importante a forma e a sonoridade dos versos do que o conteúdo, no entanto, isto nunca significou um desequilíbrio entre forma e mensagem na obra poética de Poe.

Pessoalmente, acredito que no corpus literário de Poe existem algumas das mais fundamentais obras-primas da escrita, mas há uma qualidade díspar entre os textos. Quem se aventurar a ler a obra completa do autor se deparará com obras incomparáveis, mas também com outras de difícil acesso, ou até desinteressantes.

Definitivamente, Edgar Allan Poe é leitura obrigatória para qualquer um interessado em Literatura. Uma obrigação repleta de prazeres, surpresas e assombro.

A comemoração do bicentenário de nascimento de Poe

Durante todo o ano de 2009, em várias cidades do leste dos EUA, comemora-se o bicentenário de nascimento e o centésimo sexagésimo aniversário de morte de Edgar Allan Poe. Por todo o lugar que o escritor viveu, estão sendo organizados eventos, como palestras, recitação de poemas e debates em sua homenagem, mas principalmente em Richmond, Boston e Baltimore, cidades nas quais ele passou a maior parte da vida.

Inclusive, em Baltimore, no dia 10 de outubro de 2009, está sendo preparado um funeral em homenagem a Poe, que contará com atores representando os papéis de amigos e rivais do autor.

Nas ligações abaixo, há parte da programação das comemorações do bicentenário de nascimento de Edgar Allan Poe.

Poe Bicentennial - Baltimore - http://www.poebicentennial.com/index.html
Poe Revealed 1809-2009 – Richmond - http://www.poe200th.com/index.php
The New York Times – Edgar Allan Poe at 200 (Slideshow)
http://www.nytimes.com/slideshow/2009/01/16/books/eapoe-SLIDE-SHOW-01-17-2009_index.html

Para saber mais:
- BAUDELAIRE, Charles, Sobre a Modernidade. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1996.
- Baudelaire and the Arts, Translations: Baudelaire, translator of Edgar Allan Poe
http://dl.lib.brown.edu/baudelaire/translations1.html
- The Literature Network – Edgar Allan Poe
http://www.online-literature.com/poe/
- PEEPLES, Scott, The Afterlife of Edgar Allan Poe. Boydell & Brewer, 2007.
http://books.google.com/books?id=NyEumvZL1QMC&printsec=frontcover
- Poe Museum
http://www.poemuseum.org/poes_life/index.html
- Wikipédia – Edgar Allan Poe
http://en.wikipedia.org/wiki/Edgar_Allan_Poe
- Wikipédia – Poe’s obituary
http://en.wikisource.org/wiki/Death_of_Edgar_Allan_Poe
- Wikipédia – Rufus Wilmot Griswold
http://en.wikipedia.org/wiki/Rufus_Wilmot_Griswold
- The works of Edgar Allan Poe, in four volumes. Vol I, with Memoirs by R. W. Griswold. New York: W. J. Widdleton, Publisher, 1865.
http://books.google.com/books?id=Cy4CAAAAQAAJ&printsec=titlepage

(Publicado originalmente na Revista SAMIZDAT)

Saturday, July 18, 2009

Publicação independente ontem e hoje

(Este é o primeiro artigo de uma série sobre publicação independente na era digital)

A legitimação do mercado literário


Todo o mundo, ao começar a escrever seu primeiro livro, tem em mente o esquema clássico de publicação: autor => editora => livraria => leitor.

Quase ninguém questiona este modelo ao tentar ingressar na carreira literária e, para muitos, um autor que não seja publicado por uma editora comercial — ou uma “editora de verdade” — não merece ser lido.

O processo de concluir um livro, enviá-lo para ser avaliado por uma editora, ser aceito, assinar o contrato e chegar às livrarias é a primeira legitimação dum autor, é o primeiro grande funil entre os escritores. Entre os pretendentes a escritores e os poucos que fazem parte do catálogo de uma editora, há um cruel processo de triagem que nem de longe contempla o valor artístico ou o mérito literário dum livro.

O que estes autores, e os leitores também, parecem se esquecer é que as editoras e livrarias são empresas como outras quaisquer. Concordo que no interior dos bens materiais (os livros) estejam contidos valores imateriais (o que está escrito, os ideais, as teses, a concepção de mundo do autor), no entanto, o importante é que este bem material seja vendido; o objetivo principal do mercado editorial é vender livros, gerar lucro.

Por isto, pouco importa o valor literário duma obra, se ela não apresentar perspectivas de lucro.

Podemos dizer, então, que ser publicado por uma editora é, de fato, uma legitimação?

Sim, evidentemente: é a legitimação de que alguém dentro duma editora considerou seu livro vendável.
Nada mais do que isto.

É óbvio que passar por esta etapa inicial conduz a outros patamares de legitimação. A União Brasileira de Escritores – UBE só considera, por exemplo, escritor aquele que possui pelo menos um livro publicado. Neste sentido, escritores talentosíssimos que publicam na internet ou mesmo para si próprios não passam de meros diletantes.

Também é muito improvável que uma publicação de renome, como jornais ou revistas, dedique alguma atenção a autores não publicados. E não podemos nos esquecer dos grandes prêmios literários, que geralmente são concedidos aos melhores livros do ano, ou a autores com algum tempo de estrada e que já possuem vasto currículo literário.

Isto nos leva a concluir que apenas após passar no quesito vendável um livro pode ser considerado literário.

A publicação independente

Apesar do domínio que exerce, a existência do mercado editorial é algo relativamente recente, se analisarmos a História da escrita e da publicação. As primeiras evidências de escrita datam de 3500 antes de Cristo, enquanto que a forma do livro como códice ocorreu por volta do século I a.C.

Durante muito tempo, a escrita e o acesso a pergaminhos, manuscritos ou livros se restringia à classe sacerdotal e a alguns monarcas. O processo de produção de um livro era lento e dispendioso, isto até o advento da imprensa, invenção de Johann Gutenberg, em 1450. Esta foi a grande revolução na escrita e tornou o livro, se não acessível ao público, pelo menos viável comercialmente.

No entanto, apenas no século XIX, auge da era industrial, que a publicação de livros conseguiu reduzir drasticamente os custos de produção e abrir as portas para a cultura de massas.
O controle da cultura deixou as mãos do clero e de patronos aristocratas para pequenos editores ou grandes associações que impulsionaram a publicação de livros rumo ao mercado de consumo.

Então, a figura do autor publicado por uma editora (como Victor Hugo) dividiu espaço, pela primeira vez, com o autor independente, ou seja, aquele que custeia do próprio bolso a publicação de seu livro (como quase todas as obras de Friedrich Nietzsche), e com o autor-editor, aquele escritor que assume também o papel de editor de seus próprios livros e periódicos (como Balzac, Dickens e Edgar Allan Poe).

Estes três modelos ainda vigoram hoje em dia, mas as editoras comerciais acabaram se sobressaindo e obscurecendo os outros dois.

E como se caracteriza o autor independente hoje?

Assim como predominou no século XX, a publicação independente é tida como a via de acesso a uma editora comercial, ou apenas como publicação por vaidade.

No primeiro caso, o autor custeia a primeira tiragem de seu livro, na expectativa de chegar a alguns leitores, mas, principalmente, de atrair a atenção de editores. Este foi o percurso realizado por quase todos os grandes autores contemporâneos, os quais através de pequenas tiragens iniciais provaram a qualidade e a viabilidade comercial de suas obras.

No segundo caso, temos o escritor amador que encontra na publicação independente a possibilidade de suprir o desejo de ver seu livro impresso e vendido (ou distribuído gratuitamente) para amigos e parentes. Não há grandes pretensões comerciais ou literárias, apenas a necessidade de ter em mãos o resultado de meses de trabalho.

Todavia, ainda há um terceiro caso, e que resgata uma das propostas do século XIX, do autor-editor, que encontra na publicação independente uma via alternativa para consolidar sua carreira.

O autor-editor no mundo digital

A informatização se caracteriza como a maior inovação na publicação de livros desde Gutenberg. Nunca antes foi tão fácil, barato e rápido de se produzir e distribuir informação. A internet rompeu todas as barreiras geográficas e materiais do processo de publicação.

Por um lado, tem sido possível armazenar todo o tipo de obras, de todas as épocas, em todos os idiomas. Obras raras existentes apenas em bibliotecas pessoais ou livros pouco conhecidos podem ser encontrados sem dificuldades. O critério mercadológico deixa de predominar, e o valor histórico ou literário volta a ser mais importante. Sítios como os do Projeto Gutenberg (www. gutenberg.org), do Internet Sacred Texts Archive (http://www.sacred-texts.com/), do Perseus Digital Library (http://www.perseus.tufts.edu/hopper/), do Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/), entre vários outros, disponibilizam obras de domínio público, muitas que não são reeditadas há décadas por causa da pouca demanda.

Por outro lado, a internet permitiu, primordialmente através dos blogs, o nascimento e a divulgação de novos escritores, que encontraram na publicação virtual um acesso imediato a seus leitores, pulando o longo e excludente percurso que passa pelas editoras e livrarias. O autor da era digital fala diretamente para seu público e é, deste modo, igualmente autor e editor de seus textos, já que está sob seu poder determinar qual conteúdo será apresentado.

Além disto, a impressão digital tornou possível a publicação de livros em pequenas tiragens, o que facilitou a vida do autor independente na hora de distribuir seus livros em menor escala.
Contudo, mesmo com o surgimento de alguns autores de renome através da publicação e divulgação pela internet, o autor independente ou não publicado ainda é recebido com desconfiança em comparação àqueles publicados por editoras comerciais.

A falsa legitimação de qualidade das editoras ainda continua sendo a principal legitimação literária, mas que talvez esteja em vias de extinção. Mais do que nunca, a internet tem representado uma forte ameaça à onipresente cultura de massas.

(Publicado originalmente na Revista SAMIZDAT)
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