Sunday, March 20, 2011

Literatura em tempos de internet: utopia ou distopia?

As opiniões sobre o futuro da Literatura, e das Artes em geral, na era digital tendem a se polarizar em dois extremos.

Alguns acreditam que o advento e a popularização da internet promoverão um novo apogeu cultural, permitindo que milhares, ou talvez milhões, de novos escritores que estariam anteriormente fadados à marginalidade literária possam florescer e ser reconhecidos. Por outro lado, há uma legião de apocalípticos, que prenunciam o fim da cultura como nós a compreendemos, a total extinção do mercado cultural e a invasão de obras sem nenhum valor, o que inviabilizaria, em meio a esta massiva produção de lixo, a identificação dos verdadeiros talentos artísticos.
Apesar de estes dois pólos apresentarem perspectivas bastante distintas, ambas coincidem num ponto muito importante: nada mais será como antes.

É crucial constatarmos que estamos numa época de profundas transformações, não somente em termos quantitativos, mas principalmente no modo como interpretamos a realidade. A internet não apenas tem alterado nossas relações pessoais e culturais, mas também está modificando nossas estruturas mentais, a maneira como apreendemos o mundo e interagimos com ele. Psicólogos investigam as funções cognitivas das novas gerações, criadas numa época pós-internet, e estão descobrindo que, cada vez mais, habituamo-nos a assimilar informações fragmentárias, e que tem tornado mais árduo o esforço para concentrar-se e aprofundar-se em narrativas longas.
Seria o fim das metanarrativas, como preconizada por Lyotard em “A Condição Pós-Moderna”? Estaríamos presenciando o surgimento de uma geração superficial, acostumada a apenas ler notas de rodapé? Ou este é o sinal de uma nova forma de pensar, nem pior ou melhor do que a anterior, mas que também permitirá novos horizontes científicos, tecnológicos ou culturais?

A Utopia

Para um escritor iniciante, a internet e suas possibilidades foram o maior evento transformador dos últimos séculos. O primeiro passo havia sido, obviamente, o desenvolvimento do computador pessoal, que facilitou incrivelmente a tarefa da escrita, reduzindo o tempo para redação, revisão e publicação.
O número de obras produzidas e publicadas nas últimas três décadas ultrapassa exponencialmente o número de obras publicadas durante todo o século anterior.

Hoje, com a internet, blogs e redes sociais, um autor pode ser lido e reconhecido sem jamais ter passado pelo processo tradicional de publicação, que envolve editoras, distribuidoras e livrarias. Nunca antes foi tão fácil escrever e ser lido. Qualquer indivíduo no mundo pode ter uma ideia original, disponibilizá-la na rede e obter leitores, sem qualquer edição, censura ou obstáculos materiais.

As editoras e livrarias eram um brutal sistema de triagem que relegavam às sombras vários autores muito mais talentosos do que muitos daqueles selecionados para publicação. Nas pilhas de originais recusados das editoras poderiam estar o próximo grande romance da História da Literatura, ou até mesmo o próximo grande best-seller (que é a meta de toda e qualquer editora), que os editores não conseguiriam enxergá-lo a um palmo diante dos olhos. E quanto mais atrasado o mercado literário de um país, mais brutal e arbitrária era esta triagem, e mais talentos morreriam sem ver o simples sonho de publicar um livro realizado.

Ainda hoje, o mercado editorial continua tendo dificuldades para assimilar todos os autores extraordinários que tem se manifestado graças à internet, pelo simples fato de ser impossível abarcá-los todos. Publicar um livro significa investir dinheiro, e quando os recursos de uma editora são escassos, ainda é necessário realizar uma seleção do que merece ou não ser impresso. Mesmo assim, a possibilidade de auto-impressão até permite a subsistência fora do grande mercado de livros, com autores vivendo exclusivamente de suas obras publicadas independentemente.

Esta crise de legitimação, pois as editoras não são mais a palavra final quando se trata de boas publicações, está conduzindo a uma quebradeira das pequenas editoras que não estão conseguindo se adaptar a esta nova realidade, ou à formação de megaconglomerados editoriais. Assim como já ocorreu no mercado fonográfico, as editoras terão de se adaptar para não morrerem. E no rastro desta crise, também aumenta a abertura dos leitores, que não buscam somente em livrarias as obras que suprem suas ânsias ou necessidades, mas que recorrem, às vezes exclusivamente, à internet como fonte de informação ou para comércio.

Gradativamente, a relevância de ter sido ou não publicado por uma grande casa editorial tem se reduzido, isto se é que um dia tenha sido de grande importância para os leitores o autor haver sido publicado pela editora X ou pela Y.
O novo cenário cultural é o mais propício possível para um autor talentoso e que compreenda como utilizar a internet a seu favor para publicação e divulgação de seu trabalho.

A Distopia

Por outro lado, os profetas apocalípticos não estão equivocados quando apontam que, com o aparecimento de um número significantemente superior de novos autores, em consequência também presenciaremos uma onda considerável de obras sem o menor valor de leitura. E não me refiro apenas a valor literário, mas ao mais básico da escrita, como textos sem nenhum tipo de coerência, mal redigidos ou meras cópias insossas e mal feitas de outras obras de sucesso.

Uma profusão incontrolável de novas obras, segundo a segundo, na internet, definitivamente torna a tarefa do leitor em localizar o que busca muito mais complicada. Quando o rol de possibilidades resumia-se a uma centena de títulos, as probabilidades estatísticas de um autor atingir seu público-alvo era muito superior aos nossos dias, quando vários milhões de textos estão disponíveis para consulta. Que consigamos, de um modo ou de outro, encontrarmos o que procuramos na internet é um mistério que se funda, principalmente, numa meritocracia virtual, que através dos próprios usuários da internet determina o que tem relevância ou não. Ainda é uma triagem brutal, mas provavelmente bem menos arbitrária do que a das editoras, pois, ao invés de decisões individuais, somos confrontados pelas decisões coletivas que, no final das contas, é o que realmente imortaliza ou ignora os escritores.
Além disto, com a desintegração do mercado editorial, com a oferta online dos produtos culturais gratuitamente ou através de pirataria digital e com a crescente dificuldade de se capitalizar com obras literárias, presenciamos a morte da profissão do escritor, ou pelo menos de uma grande parte desta profissão.

É fato que, excetuando certos países desenvolvidos como EUA, Reino Unido, França, ou Alemanha, por exemplo, são poucas as nações que possuem um mercado de livros tão aquecido que permita a manutenção de uma classe de escritores profissionais. O Brasil é um destes casos, onde um escritor profissional é uma exceção, ao invés de regra. Para a maioria dos autores brasileiros, a venda de livros é uma renda extra, ou não é renda alguma.

No entanto, a revolução digital está comprometendo até a existência dos poucos autores profissionais, pois quando baixar gratuitamente um livro digital é uma tarefa simples, feita através de uma rápida busca na internet, por que alguém se sujeitaria a pagar 30 ou 40 reais numa livraria?

Por um lado, a internet permite a manifestação de novos autores talentosos, mas, por outro, também está minando o topo desta hierarquia, quando uma parcela crítica dos consumidores deixa de comprar os produtos culturais. Ao contrário de músicos, que ainda podem obter lucros através de shows, tudo que o escritor tem a oferecer são seus livros e textos. Se ele não consegue gerar renda através deles, ele se verá forçado a retornar ao diletantismo, ou terá de encontrar fontes alternativas de lucro.

Conclusão

Eu adoraria ter uma resposta simples para a questão: Literatura em tempo de internet: utopia ou distopia?
Não tenho.

Como autor em início de carreira, obtive e ainda obtenho muito proveito pelo espaço supostamente democrático da internet. Jamais teria conquistado o reconhecimento e a quantidade de leitores que angariei sem passar pela publicação tradicional.
Contudo, também já fui, e sou ocasionalmente, vítima de pirataria e outros problemas ocasionados pela exposição virtual.

Creio que esta seja uma característica de qualquer grande revolução intelectual; ao mesmo tempo em que abre várias possibilidades instigantes para o futuro, ela também apresenta tremendos desafios para aqueles forçados a cavalgá-las.

Paradoxalmente, a internet é simultaneamente uma dádiva e uma maldição para a escrita. Apresenta tantas possibilidades estimulantes, porém também está destruindo toda a estrutura que, desde a invenção da imprensa, foi arquitetada.
A nossa missão, enquanto escritores, é sobrevivermos a este turbilhão, até que a poeira dos escombros se assente e possamos, com a clareza que apenas o tempo proporciona, interpretar este novo mundo.
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