Wednesday, August 19, 2009

Os desafios da autopublicação

(Este é o segundo artigo de uma série sobre publicação independente na era digital. Para ler o primeiro texto: Publicação independente ontem e hoje)

Frustrações iniciais


Assim como a maioria dos escritores, o meu sonho também já foi o de ser publicado comercialmente. Ao concluir o meu segundo romance, “O Rei dos Judeus”, perfiz a via crucis do autor iniciante: imprimi suas 200 páginas, tirei 3 fotocópias, pus num envelope e mandei para quatro editoras.

Três responderam rapidamente, recusando o original. A Cia das Letras, por exemplo, conseguiu a proeza de responder-me em uma semana, ou seja, das 200 páginas, não devem ter lido nem dez. Por sua vez, a Rocco demorou onze meses para enviar uma resposta, igualmente negativa.
As rejeições, que para alguns autores podem chegar às centenas, fazem parte desta etapa inicial de inserção no mercado. Daquele momento em diante, confesso que fiquei um pouco descrente com a possibilidade de ser “descoberto” em meio a outros milhares de autores que, como eu, também enviavam seus livros para serem avaliados. Aliás, até hoje duvido que a leitura de manuscritos seja o principal processo de seleção de novos autores; pode até acontecer, mas as chances devem ser muito pequenas para valer a pena o tempo e o dinheiro investidos.

O que me restava então?

Eu mesmo publicar meus livros. Fiz orçamentos com várias gráficas, mas o custo era surreal. Para uma tiragem de mil exemplares, seria necessário desembolsar três mil reais. Convenhamos que, para um investimento sem perspectivas de retorno, isto é queimar dinheiro.

Seria necessário vender 100 livros a R$ 30 para recuperar o dinheiro gasto. Para um autor iniciante, vender 100 livros é tão insólito quanto vender 100 mil. Se ninguém conhece o seu talento, ninguém se interessará em conhecer; é o ciclo oposto do sucesso, no qual, quem vende mais, vende mais porque vende mais.

Excluídas as duas opções mais óbvias, restou-me dedicar ao que me parecia ser o mais promissor: o blog.


A internet como forma de autopublicação

Publicar significa “tornar público”. Neste sentido, pouca diferença faz em ter um livro publicado, um blog, ou distribuir na esquina os textos impressos em folha sulfite; tudo isto são formas de publicação, de tornar público o seu trabalho literário.
Poucos autores darão valor a outras formas de publicação se desconsiderarem o princípio básico da literatura — ser lida por alguém.

Desde os primórdios da civilização ocidental, o importante para os escritores/narradores era chegar a seu público, estivesse ele num anfiteatro na Grécia Antiga, estivesse ele na sala duma família burguesa, estivesse ele diante da tela dum computador.

A remuneração foi, por muito tempo, um problema periférico. Vários escritores tiveram de dividir seu tempo entre uma outra ocupação e a Literatura; em alguns casos, até conseguiram sobreviver das Letras, mas sob extrema penúria, enquanto alguns poucos, especialmente durante o século XX, chegaram a fazer fortuna com a escrita. No Brasil, o primeiro a autor a viver exclusivamente de direitos autorais foi Érico Veríssimo, isto apenas na década de 1930.

Este fato nunca comprometeu a qualidade da escrita, nunca significou um demérito para os autores — inclusive, alguns dos mais influentes escritores da modernidade não obtinham renda alguma da escrita, tais quais Franz Kafka e Fernando Pessoa —; apenas recentemente que viver da escrita, ou enriquecer através dela, se tornou uma meta, uma proposta de carreira.

A existência do “escritor profissional” é recente, e aparentemente terá vida breve, se depender da internet.

Por isto que o retorno a uma escrita descompromissada, livre da necessidade monetária me atraiu. Através do blog, eu poderia tornar público meus textos — contos, crônicas, críticas cinematográficas —, sem a mínima necessidade de me enquadrar em parâmetros mercadológicos, sem o compromisso de produzir algo vendável.

No entanto, o número de leitores era relativamente pequeno, isto até 2007.


Ficção X não-ficção

Sempre ouvi relatos de que obras de não-ficção costumam fazer mais sucesso do que ficção. As razões para isto me parecem evidentes: vivemos numa era utilitária, tudo precisa ter uma serventia, o conhecimento precisa ser aplicado em alguma função.

A ficção é inútil por sua própria natureza. Por mais que retrate a realidade, ou apresente problemas sociais, ou instigue mudanças, pelo fato de não ser verídica, ela não tem a mesma serventia que uma obra de não-ficção, que visa estar de acordo com a verdade.

Em 2007, criei o blog “Nova York para Mãos-de-Vaca” (http://www.maosdevaca.com), para falar de coisas baratas na cidade. De maneira espontânea e inusitada, o blog se tornou um sucesso e, um ano depois, virou um livro.

Nenhuma outra obra literária minha chegou nem perto da repercussão deste blog, nem antes, e, por enquanto, nem depois.

Foi mais ou menos nesta época que conheci a lulu.com, uma editora sob demanda que caiu como uma luva para minhas necessidades como autor. Nesta editora, bastava você carregar os arquivos com o texto que o seu livro estava publicado. Não há estoques, não há tiragens iniciais, não há gasto algum para o autor. Simplesmente, o leitor acessa o sítio, encomenda o livro, eles imprimem e mandam pelo correio para a casa do comprador. Melhor, impossível!

E o mais surpreendente para mim foi que, apesar de todo o conteúdo do livro estar disponível de graça no blog, em um ano o guia havia vendido mil exemplares, sendo que 70% ou 80% deles haviam sido de exemplares digitais (e-books).

“Se houve tanta procura, não teria sido melhor tê-lo publicado por uma editora comercial?”, você me pergunta.

Talvez, e até houve um editor que se mostrou interessado. Todavia, numa editora comercial, o autor ganha 10% do preço de capa, ou seja, se um livro custa 30 reais, o autor ganha 3 reais, sendo que o restante do valor se esvai na distribuição, para a livraria, em impostos e para a editora.

Já no caso do autor independente, e este é o meu caso, o lucro inteiro é meu, já que fui eu quem preparou a diagramação do livro e sou eu quem negocia, às vezes, com o comprador. O e-book do guia é vendido a 12 reais, ou seja, para ter o mesmo lucro por uma editora comercial, eu precisaria vender 4 mil exemplares, o que é um número considerável.

Por fim, ao estar à frente da publicação, fica a meu critério quando atualizar o livro, quando aumentar ou reduzir o preço, quanto do conteúdo eu posso distribuir gratuitamente, ou seja, tudo relacionado ao meu livro está sob meu poder de decisão.

E este modelo pode ser reproduzido para ficção?

Possivelmente, mesmo que eu ainda não tenho conseguido. Até o momento, na minha experiência pessoal, a repercussão e o sucesso do meu livro de não-ficção em comparação às minhas obras de ficção reproduziu, em menor escala, a dinâmica do mercado editorial.

Quase todos os meus romances estão publicados independentemente, do mesmo modo que o meu guia de viagem, porém as tentativas de torná-los rentáveis não deram certo e, atualmente, todos eles estão disponíveis de graça na internet.

A não-ficção envolve a questão de credibilidade do autor, no entanto, isto não é tão fácil de se estabelecer para a ficção. Para saber se um autor duma obra de referência sabe do que está falando, basta investigar sua formação e de onde ele está falando, mas para se certificar se um autor de ficção possui competência, é preciso ler a obra inteira, às vezes, várias de suas obras, e este é um esforço que poucos leitores estão dispostos a empreender para um autor desconhecido.


As dificuldades (e algumas soluções) da publicação independente

Assim, a publicação independente reflete exatamente o que ocorre na publicação comercial: não-ficção de autores com credibilidade costuma vender muito mais do que ficção; e ficção de autores desconhecidos tende a encalhar nas prateleiras, isto até estes autores atingirem determinado grau de notoriedade.

Perceba que não estamos realizando nenhum juízo de valor, como se publicação comercial fosse melhor do que a independente, ou vice-versa; estamos apenas falando em magnitude. Uma grande editora comercial tem acesso a canais de distribuição que o autor-editor independente não tem, como livrarias, bancas de jornais e revistas, supermercados, etc. Além disto, a mídia costuma acolher com maior descrença obras independentes, principalmente porque por detrás duma editora comercial há uma equipe interessada em promover seus livros, assessores de imprensa e de marketing.

A dificuldade de distribuição é o calcanhar de Aquiles da publicação independente. Se a obra não chega ao leitor/comprador, é muito improvável que consiga atrair atenção para si.
É neste ponto que a internet acaba servindo como a maior aliada do autor autopublicado.

As editoras comerciais utilizam a internet de maneira pouco eficaz, por enquanto. Para estas editoras, a internet possui o papel simples e único de uma livraria virtual. Você, leitor, acessa o catálogo online da editora, procura seu livro de interesse e o compra, repetindo quase o mesmo procedimento que faria numa livraria física.

Mas o autor independente tem de fazer da internet não apenas a sua livraria, mas a sua vitrine. É através dela que ele pode vender seus livros, mas também é através dela que ele estabelecerá sua reputação como escritor e criará vínculos com seus leitores.

O que eu percebo é que ainda há um certo menosprezo quanto a capacidade de um blog cativar leitores, mas já temos alguns exemplos de autores que se lançaram na internet para depois chegarem ao mercado editorial.

Já no meu caso, o grande problema é encontrar o caminho para me estabelecer como autor independente, sem a necessidade de considerar uma editora comercial como Meca literária.

“É possível consolidar uma carreira literária independentemente do mercado?”, é a pergunta que proponho, ainda sem ter muita certeza de qual é a resposta.

(Publicado originalmente na Revista SAMIZDAT)
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