Saturday, January 28, 2012

O que ninguém lhe dirá numa oficina literária - parte 2 (A Publicação)





Leia a primeira parte: A Criação


Cada dia mais veremos somente o nascimento de grandes obras, ao invés de grandes autores
O desenvolvimento da escrita é um percurso longo, geralmente de várias décadas. No entanto, numa época de imediatismo, quando tudo é muito rápido e instantâneo, ninguém mais tem tempo para aguardar o amadurecimento de um talento literário.
Carreiras duradouras serão incomuns, e escritores com apenas uma ou duas obras de sucesso serão cada vez mais frequentes.
Enfim, o autor cederá espaço para a obra, que deverá sustentar-se por si própria.


Acostume-se a ser recusado. Você ouvirá muito mais "não" do que "sim" nesta carreira
Se você for uma pessoa normal, já deveria ter se acostumado à recusa. Todos nós já ouvimos "não" de nossos pais, daquela paixão que nos rejeitou, foi reprovado na escola, no vestibular ou no concurso público.
Ouvir "não" faz parte da nossa natureza humana e isto não é diferente no mundo literário.
Provavelmente, você ouvirá vários "nãos" antes de ouvir o primeiro "sim", isto se chegar a ouvi-lo um dia.
A maioria dos escritores só encontrarão as portas fechadas. E haverá apenas três alternativas: desistir, continuar tentando, ou seguir seu próprio caminho sem se importar muito com isto.


Ser publicado é mais uma questão de quem você é e de quem você conhece do que como você escreve
Esqueça todo o romantismo de um editor encontrando seu manuscrito em meio a milhares de outros, apaixonando-se por sua escrita e publicando seu livro.
Assim como em qualquer negócio ou empresa, os editores preferem lidar com quem eles já conhecem, ou com pessoas indicadas por gente de confiança.
Ter um livro publicado não tem nada a ver com qualidade literária. Se você for alguém famoso com milhões de fãs, ou alguém com as costas muito quentes, certamente passará à frente de qualquer gênio literário anônimo.


Não existem olheiros. Se você não correr atrás das editoras, ninguém correrá atrás de você
Com tamanha oferta, com tanta gente escrevendo bem por aí, ninguém virá atrás de você suplicando para publicar suas obras. Não existe isto, apesar de um dia já ter existido.
Hoje, todo o esforço de contatar as editoras, criar uma rede de relações, estabelecer sua reputação e tornar-se atraente para publicação depende exclusivamente de você.
Os editores não precisam do seu livro, eles necessitam de apenas três ou quatro autores best-sellers na casa que os carreguem nas costas, o restante é apenas para fazer volume.


Livro é produto. Tem custos e precisa (pelo menos hipoteticamente) dar lucro
A publicação é um investimento. A editora é uma empresa que investe tempo e dinheiro num livro visando vendê-lo e lucrar com isto.
Ninguém está interessado se aquela obra é o próximo grande clássico da Literatura Universal, ou se é apenas um passatempo de final de semana, desde que venda bastante.
Se um editor não vir o potencial de pelo menos pagar o investimento feito, isto é, vender uns 200 exemplares, ele não publicará seu livro.


Se você deseja estabilidade, tente concursos públicos. Pois ser escritor é viver numa montanha-russa
Geralmente, ser escritor não é uma carreira. Você não conseguirá pagar as contas e, provavelmente, nem um almoço com o que ganhará de direitos autorais.
Se você quer uma vida confortável, sem preocupações com o dia de amanhã, faça um concurso público. Literatura dificilmente lhe dará estabilidade financeira ou emocional.


Em nossos tempos, o sucesso tarda mais para ocorrer, e esvai-se muito mais rapidamente
Hoje, você precisa investir muito mais do seu tempo em sua carreira e os resultados serão mais fugidios.
Com tamanha oferta de títulos e autores talentosos no mercado, considere-se um felizardo se sua obra conseguir um espaço na imprensa e atraia a atenção do público por mais de um mês, ou até menos.
Há muito para se ver e se consumir, ninguém mais tem tempo ou interesse para dedicar a atenção para um único livro/autor.
Você estará disputando espaço com milhares de outros livros e, logo depois da publicação do seu, a avalanche continuará, soterrando a sua obra.
Amanhã, você já terá sido esquecido.

Monday, January 23, 2012

Um Escritor no século XXI, entre a cruz e a espada


Eu acredito que todas as pessoas possuem algum tipo de talento. Em maior ou menor grau, todos nós sabemos fazer alguma coisa, ou várias coisas, bem.

Alguns sabem desenhar, outros dançar, outros cozinhar, outros cantar, falar bem, tocar instrumentos, jogar futebol, nadar, escrever, e assim por diante. Isto não quer dizer que sejamos os melhores perfazendo estas atividades, nem que nos profissionalizaremos nelas, pois talento não é vocação.
Gostar de fazer algo não quer dizer que estejamos dispostos a viver daquilo, pelo contrário, muitas vezes, preferimos fazer o que gostamos apenas como um hobby, pois trabalho cansa, exaure, tem contratempos e aborrecimentos e, às vezes, até deixamos de gostar daquilo justamente por ser um trabalho.

O ser humano é assim, um poço de contradições.

Historicamente, a Arte era um passatempo, produzida em momentos de ócio. Sugerem que as primeiras obras de arte, feitas por homens pré-históricos em paredes de cavernas, faziam parte do ritual de iniciação à idade adulta, quando os jovens se retiravam para o isolamento e tinham visões extáticas, retratando-as em arte. Talvez disto que derive a concepção que criar é obra de inspiração, de um estágio para além do humano, quando temos acesso aos deuses, ou a algum influxo divino.

Arte como profissão é resultado do Renascimento, graças ao mecenato de aristocratas europeus e que permitiram o florescimento de alguns dos maiores gênios da humanidade. Qualquer um que tenha tido a oportunidade de viver exclusivamente de sua arte, de poder dedicar seu dia inteiro apenas à criação, já deve ter descoberto como isto faz uma visível diferença qualitativa. Não ter de dividir sua atenção e preocupações com outras cotidianas, como insuportáveis colegas de trabalho ou monótonas tarefas burocráticas, é um peso a menos nas costas de um artista.
A criação exige tempo e dedicação; exige cuidado.

No entanto, a compreensão da Arte como indústria é extremamente recente, fruto da Revolução Industrial e da ascensão da classe burguesa. Ser patrocinado por um aristocrata para criar é bastante diferente do que ter de conceber produtos para o consumo das massas. Um Da Vinci poderia trabalhar sob encomenda enquanto realizava vários outros estudos e projetos paralelos às custas de seus mecenas, enquanto um artista da era industrial precisa ter em vista a comerciabilidade de sua arte, ou viver à margem do mercado, produzindo nas sombras.
Mesmo assim, para aqueles nos lugar certo e na hora certa, a inserção neste mundo era muito menos dolorosa. Num período em que Arte era um deleite das elites, como foi até boa parte do século XX, a concorrência para inserir-se neste universo era muito menor e, uma vez dentro, não era difícil consolidar uma carreira que duraria décadas.

Enfim chegamos ao século XXI, o palco de um das maiores revoluções culturais e intelectuais desde a invenção da imprensa por Gutemberg há quase seiscentos anos. Nunca antes se viu tantos pretensos artistas, músicos, cineastas, escritores, atores e tudo o mais que se possa nomear.
Todos os nossos pequenos talentos, que anteriormente relegaríamos apenas ao nosso convívio doméstico, à pianola no canto da sala, ao violãozinho com uma meio dúzia de amigos, aos livros e mais livros escondidos nas gavetas, às fotografias amarelecidas em álbuns que ninguém via, tudo isto e muito mais reclamou seu lugar ao sol. Tudo aquilo que teríamos vergonha de mostrar aos outros, incertos de nosso talento artístico, são postos à prova no fogo da exposição.

Antes, uma carreira era feita de inúmeros fracassos, muitos que jamais seriam vistos pelos demais, tijolos a tijolos, até o eventual sucesso.
Hoje, todos os nossos fracassos estão por aí, disputando espaço com os raríssimos sucessos, com as raríssimas obras extraordinárias, que geralmente são sufocadas por esta avalanche cultural.

Estamos presenciando a morte do artista profissional, diante de uma indústria cultural que tem se debatido agonizante por um último alento. Este é o fim do escritor profissional; somos todos diletantes, uma vez mais.

O jovem pré-histórico se recolhia ao isolamento em seu rito de passagem e criava. Nós, artistas do século XXI, realizamos o caminho oposto, somos forçados para fora de nosso isolamento criativo, obrigados a interagir em tempo real com o nosso público.

Quanto do nosso esforço, que poderia se destinar à criação, não se esvai nesta interação infinda? Quanto tempo realmente temos para criar?

O tempo de maturação e aperfeiçoamento se foi, nosso lema hoje é output, quanto mais produzimos, maior é a visibilidade, quanto maior a visibilidade, maior tem de ser a produção, num inesgotável e banal ciclo de autorrepetição.

Entusiasma-me o que o futuro pode trazer, pois dependo disto. Também sou um escritor da era digital, que conquisto meus leitores dia após dia através desta interação constante.
No entanto, também tenho medo. Sei que veremos cada vez menos grandes artistas, restando apenas algumas grandes obras. Muitas carreiras jamais se consolidarão, a maioria de nós jamais terá a oportunidade de se profissionalizar, jamais ganhará um centavo com sua escrita.

O sonho de uma carreira dedicada somente a escrever, de ver suas obras nas prateleiras das livrarias, das noites de autógrafos e das primeiras edições raras está morrendo.

Restará apenas uma legião de diletantes com bem pouco para dizer de interessante?

Prefiro pensar que não...

Friday, January 06, 2012

O que ninguém lhe dirá numa oficina literária - parte 1 (A Criação)

Writing


A escrita não tem nada a ver com talento e inspiração. Uma carreira literária se faz de labor e persistência.


É célebre a frase de Thomas Edison que diz que "O gênio é 1% inspiração, 99% transpiração", e não poderia ser mais verdadeira.
A inspiração é a origem da trama, quem são os personagens, o tema de um poema ou a ideia para uma crônica. Todo o resto, a materialidade da escrita, é puro trabalho.
É trabalho a leitura de outros escritores. É trabalho o aprendizado da escrita. É trabalho sentar-se diante da página em branco e enchê-la de palavras na esperança que alguém, em algum lugar do mundo em algum tempo, detenha-se para lê-las.
Após o vislumbre inicial, a grande ideia, nada mais resta senão o intenso trabalho de escrita, reescrita, revisão, reescrita, edição, revisão, reescrita... É um labor interminável, que tomará meses ou anos, às vezes para uma única obra.


É neste ponto que entra a persistência, pois os resultados da escrita são lentos e geralmente insatisfatórios.
Levará anos para se obter alguma espécie de reconhecimento, e muitos mais anos para ganhar alguns trocados com o que se escreve. O tempo e esforço investido será muito maior do que qualquer retorno possível. As horas gastas trabalhando sobre o texto se depararão com críticas ácidas e, na maioria das situações, com indiferença.
Muitas vezes, aquele texto brilhante do qual você tanto tem orgulho não será lido por ninguém. Então, você, muito teimoso, continuará escrevendo, pois é o seu trabalho e o que lhe dá felicidade.


Escrever bem é facil. Criar uma boa história é fácil. O difícil é escrever bem uma boa história.


Não existe segredo algum para escrever. Existem normas ortográficas e gramaticais, basta um pouco de estudo para dominá-las quase completamente.
Já as histórias estão por aí, ao nosso redor, ocorrendo no mundo inteiro o tempo todo. Leia os jornais e a quantidade de desgraças e histórias interessantes a cada dia. Veja os grandes livros da História e perceba quantas histórias boas já foram escritas. Relembre sua própria vida, o que você viveu e ouviu, e perceberá que muito já aconteceu.
O problema começa quando se tem de juntar uma boa história com uma boa escrita. Uma narrativa eficiente é um equilíbrio entre o que é contado e como isto é contado. Idealmente, o estilo e as palavras não deveriam ofuscar o que está acontecendo na história.
Uma escrita muito rebuscada pode distrair o leitor. Uma escrita muito simplória pode afastar o leitor.
Uma história desinteressante é do tipo que dá sono. Uma história abarrotada de reviravoltas pode soar inverossímil.
Onde está o equilíbrio entre estilo e enredo?
Isto é o que todos os escritores do mundo estão tentando descobrir.


Ser escritor é tentar convencer os demais que suas obras são originais e criativas, mesmo que não sejam.


Pense numa história... Imagine um personagem... Conceba uma ambientação...


Agora, tenha certeza que alguém, em algum lugar do planeta, em algum momento da história da humanidade, já escreveu esta mesma história, com este mesmo personagem nesta mesma ambientação. E pior! Provavelmente melhor do que você.
Desanimador, não?
Primeiro, porque o repertório de histórias e enredo é limitado. Segundo, porque todo o mundo pensa que existe um escritor dentro de si. Por fim, somos humanos, e as histórias que contamos, via de regra, se espelham no mundo em que vivemos, que é o mesmo de outras bilhões de pessoas.


Então, a sua tarefa de escritor, além de escrever sua obra da melhor maneira possível, é também de convencer os demais de que ninguém mais poderia tê-la escrita. E isto não é fácil!


Romance é romance, conto é conto, poesia é poesia, blog é blog. Se você é bom escrevendo um, não quer dizer que você também será bom escrevendo os outros.


Romance, conto e poesia são gêneros literários. Jornais, livros, revistas, TV, rádio e blogs são meios de comunicação.
Gêneros literários podem estar presentes nos mais diversos meios de comunicação. No entanto, os meios de comunicação também possuem linguagens específicas. Ser um bom jornalista não significa que o sujeito será um bom romancista, do mesmo modo que ser um blogueiro de sucesso não o tornará um bom contista ou poeta. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.


E o mesmo vale no interior dos próprios gêneros literários. Ser um contista não o tornará um bom romancista, são estruturas literárias diferentes com exigências distintas. Entre prosa e poesia há um imenso abismo, que a maioria dos escritores não consegue transpor com competência.
Isto não quer dizer que você não deva se arriscar, mas esteja preparado. Ser bom em um gênero, ou em uma mídia, não quer dizer que você terá competência nos demais.


Você aprenderá muito mais com as críticas do que com os elogios.


Todo jovem escritor precisa de elogios como uma flor necessita de sol e água. No começo, qualquer estímulo, por mais parcial e vago que seja, já é um enorme incentivo para escrevermos as próximas linhas.
No entanto, elogios não tornarão sua escrita melhor. Elogios lhe darão a ilusão que tudo está ótimo e que não há mais necessidade de se aperfeiçoar.


A escrita é uma estrada sem fim, você nunca terá descanso e nunca chegará ao destino. E você só saberá se pegou a rota errada quando alguém lhe enfiar o dedo na cara e for sincero com você.


Algumas críticas serão puramente destrutivas, geralmente de pessoas que tem inveja de você. Todavia, haverá aquelas críticas tão pertinentes, que poderão transformar sua carreira. Algumas críticas atingem tanto o nervo que, todas as vezes que você sentar-se para escrever, elas estarão na sua mente, protegendo-o de certos equívocos, de clichês ou de atalhos equivocados.


Ter um bom crítico por perto é a melhor companhia de um escritor.


Escolha entre ser lido ou ser admirado. Obras de vanguarda, densas, inovadoras e rebuscadas até podem chegar a ser admiradas, mas quase ninguém as lerá. O que os leitores gostam são de histórias com começo, meio e fim, personagens planos, nada mais que um entretenimento para ler no avião ou na privada.


Todos nós já quisemos revolucionar a Literatura, ser considerados gênios ou trazer a paz ao mundo através de nossos livros. Você pode tentar, mas é quase certeza que isto não ocorrerá.


E todos nós temos um modernista dentro da gente, aquele escritor que não está nem aí para os leitores, que deseja escrever romances sem parágrafos, sem pontuação, com páginas de cabeça para baixo, narrativas não-lineares, sem personagens, ou com milhares de personagens, com páginas em branco, sem enredo, e assim por diante.
Escreva, se você gosta disto, se lhe dá prazer! É o tipo de livros que você lê, ou só está fazendo isto para impressionar os outros, mostrar como você é brilhante ou genial?
Se for para escrever uma obra que ninguém lerá, que seja, pelo menos, pelos motivos certos...


Mas lembre-se que os leitores são pessoas normais, que assistem novela das oito, gostam dos filmes de Spielberg, ouvem forró universitário e quase nunca vão a museus. Aliás, muitos dos leitores nem gostam muito de ler...
A maioria deles deseja apenas uma história com começo, meio e fim, com personagens simples e com motivações claras. "De que adianta ler um livro se eu não posso contar a história para alguém depois?", muitos devem pensar.
Quanto mais complexa e alternativa for sua escrita, menor será o seu público.


Você terá de escolher: quer ser lido ou admirado?
São raríssimos os casos de escritores lidos por públicos imensos e admirados pela crítica. Ou você vende muito, ou é lido nas universidades. Nem sempre se pode ter tudo na vida.


Leia a segunda parte: A Publicação
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