Wednesday, July 25, 2012

Então, este é o dia do escritor?


Despertei hoje recebendo parabéns pelo "dia do escritor".
Nem sabia que existia, tanto que cheguei a pensar que fosse como o "dia do amigo", que ocorre umas 50 vezes por ano. Alguém espalha por aí é que dia de alguma coisa, e todos repetem irrefletidamente como na brincadeira do telefone sem fio.

É uma data universal ou apenas brasileira? Então corri para checar a informação e descobri que o 25 de julho é celebrado desde a década de 60, quando a data foi instaurada por Jorge Amado e João Peregrino Junior como o "dia nacional do escritor".
Na Argentina, celebra-se esta profissão em 13 de junho, data em que nasceu Leopoldo Lugones. Já nos países de língua inglesa, a data é comemorada em 3 de março, segundo estipulada pela Pen International.
Isto é, se fossemos pesquisar os dias do escritor ao redor do globo, seria mais ou menos como o "dia do amigo", e passaríamos festejando metade do ano.

E temos alguma coisa para comemorar?

Está mais fácil pesquisar e escrever. Ninguém precisa mais se enterrar em bibliotecas para encontrar alguma informação obscura sobre qualquer assunto que seja.
Ninguém precisa também passar horas e horas datilografando páginas e mais páginas, para depois efetuar revisões e ter de datilografar novamente todo o livro com as correções.

Sem dúvida, ficou muito mais fácil publicar livros, entenda-se, independentemente. Qualquer um pode escrever um livro, mandar imprimi-lo sob demanda e final da história.

Também ficou muito mais fácil encontrar leitores e divulgar suas obras. Com a internet, com alcance virtualmente ilimitado para todo o planeta, um autor dedicado pode criar do dia para a noite uma legião de leitores para seus textos, inclusive tornando-se até mais conhecido do que muito escritor publicado por grandes editoras, mas que não realizaram divulgação alguma.

E o que ainda há para melhorar?

Mesmo que publicar esteja mais simples, conseguir uma editora comercial está cada vez mais difícil. A concorrência entre os novos autores é cada vez mais acirrada, enquanto que a abertura das editoras para novos nomes é cada vez menor.
Isto é um sinal dos tempos, pois as editoras estão perdendo gradativamente o controle sobre o que merece ser publicado, a crise digital está começando a afetá-las, e o foco está se alterando para a autopublicação, que promete engolir boa parte do mercado tradicional de livros.

Mesmo que encontrar leitores e ser reconhecido como escritor esteja mais fácil, vender livros está muito mais difícil.
Atrair milhares de leitores para um blog é uma coisa, vender milhares de livros é uma situação completamente diferente, e muitos se decepcionam quando tentam realizar esta transição entre conteúdo livre e gratuito para um livro restrito e pago. Ser lido não é sinônimo de ganhar dinheiro com isto.

Além disto, o fenômeno recente é a difusão absoluta da crença que qualquer um pode ser escritor. No Brasil, somos mais de 200 milhões de escritores potenciais (mesmo analfabetos acreditam que podem escrever um livro, um dia), enquanto somos apenas uns 20 ou 30 milhões de leitores, ou seja, é muito complicado para que a quantidade absurda de obras literárias produzidas consiga algum tipo de vazão; particularmente se considerarmos que uma grande parcela do público-leitor nem gosta muito de ler, só compra livros e lê por obrigação escolar, um hábito que rapidamente desaparece assim que termina a coação.

E a festa?

Escrever não é uma profissão no Brasil, talvez jamais se torne. Existe sim uma porção de autores que ganham trocados, e raríssimos espécimes que enriquecem, mas a maioria não vê nem nunca viu a cor do dinheiro.
Escrever é diletantismo, é passatempo, e a falta de seriedade de muitos candidatos a escritores é a prova mais evidente disto. Quase nenhum deles considera - ou se considera é por pura ingenuidade - viver uma carreira como escritor. Escrever é hobby, uma atividade extra que fazemos depois do expediente, enquanto a esposa e o bebê dormem, quando nos resta um tempinho vago.

Há muito o que se comemorar, não nego.
Somos livres de quaisquer amarras, podemos escrever e publicar o que bem desejarmos; não há mais censura, nem restrições.

Mas temos muito o que lamentar, devemos reconhecer.
A escrita é menosprezada e o trabalho do escritor é achincalhado.
Se você tem talento e obtém sucesso, sempre haverá um pirata rondando pronto para roubar seu trabalho e distribuí-lo na rede.
Os leitores dão pouca importância para seus livros.
As editoras o ignoram.
E talvez você tenha até vergonha de se assumir como escritor, pois é uma carreira tão efêmera e abstrata que, para muitos, pode soar como um nada.

Celebremos, pois, a escrita! O belo ofício de deitar palavras numa folha em branco, compartilhando de nossas alegrias e angústias, que há milhares de ano é uma ferramenta incrível de comunicação entre as pessoas. A origem de toda a Literatura.
Nós, escritores, somos meros intermediários, estamos aqui apenas para servir a escrita, para dar-lhe forma.
Somos somente os mensageiros, pois a beleza está em outro lugar, num santuário intocado que apenas vislumbramos neste ato de entrega que é a escrita.

Sunday, July 08, 2012

O mito do bestseller brasileiro


Não ousarei generalizar e afirmar que todos os escritores sonham em se tornarem bestsellers, venderem milhões de exemplares, ficarem famosos e ricos, pois sempre existem as ovelhas negras...

Mesmo assim, acredito que internamente todos almejam a aprovação e o reconhecimento dos leitores, a apreciação de suas obras e, neste ponto, vender bem é uma prova disto: de que há gente que gostou do seu trabalho, indicou aos outros, que por sua vez indicaram aos outros, num círculo virtuoso.

O que é um bestseller?

As definições do que é um bestseller, isto é, de um autor que pertença ao rol dos mais vendidos, variam geograficamente. Em alguns países, é preciso vender muito mais livros do que em outros.

Basicamente, qualquer listagem dos mais vendidos parte de uma premissa básica: a compilação dos dados de vendas entre várias livrarias espalhadas pelo país, e isto vale para o Brasil, para os EUA, ou para a Suíça.

Um livro mais vendido não é aquele que vendeu 1 milhão de cópias somente na amazon.com, mas sim aquele que vendeu bastante na somatória de todas as livrarias pesquisadas.

Nos EUA e Canadá, vender 5 mil exemplares por semana pode ser o bastante para catapultá-lo ao status de bestseller, enquanto que, no Reino Unido, esta margem varia de 4 mil a 25 mil exemplares por semana.

E no Brasil?

Não é tão fácil determinar estes dados para o Brasil, primeiro porque há um certo hermetismo por parte das editoras quanto aos dados das vendagens, como se elas estivessem lidando com documentos ultrassecretos da CIA, depois, porque as tiragens e as vendagens médias de livros de ficção chegam a ser ridículas para um país enorme como o nosso, com mais de 200 milhões de habitantes.

Atualmente, a tiragem inicial média de um livro por uma grande editora é em torno de 3 mil exemplares, sem garantia alguma que será vendida a quantidade mínima de livros para se pagar o investimento.

Segundo os dados da Publishnews, um livro que venda 600 exemplares por semana já poderia se enquadrar como um bestseller. Além disto, uma rápida olhada nas listagems de mais vendidos em ficção basta para percebermos que a maioria dos sucessos é de obras de autores estrangeiros, constando apenas 1 ou 2 autores nacionais.

Para todos os fins, podemos dizer que uns mil livros vendidos por semana é o suficiente para considerar uma obra como um bestseller, enquanto que 5 mil por semana já estaria quase no topo desta listagem.

Quem são os bestsellers brasileiros?


É impossível falarmos de mais vendidos no Brasil e não mencionarmos o nosso maior fenômeno editorial dos últimos anos: Paulo Coelho.

Somando as estatísticas de todas suas obras, Paulo Coelho já vendeu mais de 100 milhões de livros em todo o mundo, quase o dobro do segundo colocado, Jorge Amado, com 55 milhões de livros vendidos.

Depois destes dois óbvios primeiros lugares, não há nenhuma informação conclusiva sobre quem ocuparia o terceiro posto entre os bestsellers brasileiros, mas nomes frequentes são Jô Soares, André Vianco e Augusto Cury, este último que transita, às vezes, entre auto-ajuda e ficção.

A verdade é que Literatura nunca foi um grande negócio entre os brasileiros, ou melhor, a Literatura nacional nunca foi um bom negócio, pois bestsellers estrangeiros geralmente causam mais furor em terras tupiniquins, como a histeria que pudemos presenciar em torno dos últimos volumes de Harry Potter ou da série "Crepúsculo".

Via de regra, um bestseller internacional fará muito mais sucesso e venderá muito mais livros no Brasil do que um bestseller nacional.

Bestseller e longseller, qual é a diferença?

Quando falamos em bestsellers, estamos nos referindo a um grande volume de livros vendidos num curto espaço de tempo.
No entanto, isto não quer dizer que um autor não possa vender muitos livros num longo intervalo de tempo, e isto é conhecido como longseller.

Quando se trata de Literatura, o Brasil possui muito mais longsellers do que bestsellers.
Muitos autores, e seus respectivos livros, podem demorar décadas até emplacarem o primeiro bestseller, se é que um dia conseguem esta proeza. Vários deles possuem vendagens relativamente pequenas, mas constantes, durante anos e anos.
Frequentemente, o segredo por detrás de um longseller são as compras governamentais, ou que os livros sejam adotados por escolas, universidades ou para vestibulares.
Alguns longsellers brasileiros são: Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Clarice Lispector, Érico Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro, entre incontáveis outros nomes conhecidos, que às vezes até podem dar as caras nas listagens de mais vendidos, principalmente se ganharem algum prêmio importante ou se adaptarem algum livro deles para uma novela ou minissérie da Globo.
Mas a longevidade de suas obras não depende necessariamente de algum escândalo ou de um tema da moda, mas da qualidade da escrita e de muitos anos dedicados à carreira literária.

Os bestsellers nascem e morrem com uma rapidez incrível, os longsellers vieram para ficar (ou não).

Quem quer ser um bestseller?

Repito, Literatura nacional quase nunca é um bom negócio. Estima-se que aproximadamente 70% do que se publica em ficção no Brasil sejam traduções de obras estrangeiras. Nos EUA, apenas 3% dos livros publicados são traduções, a maioria das obras é de autores americanos, ou, pelo menos, de autores de língua inglesa.

Estamos diante de um mercado que não valoriza a prata da casa, que não dá a mínima para a produção literária nacional e que está interessado em obter o máximo de lucro no menor tempo possível.

Bem, ninguém disse que as editoras eram instituições filantrópicas! São empresas que oferecem produtos para atender à demanda de seus clientes.

São as editoras que tem aversão aos autores nacionais, ou são os brasileiros que não compram livros de escritores brasileiros?

Não há uma fórmula para o sucesso, assim como não há uma fórmula para conseguir publicar seu primeiro livro.
Cair nas graças do público e tornar-se um bestseller, ainda mais se você escrever ficção, é uma loteria: a cada milhões de apostadores, somente alguns tem o bilhete premiado.

Agora, para converter-se num longseller, é necessário muitíssima paciência e trabalho. Talvez demore anos para você começar a ver resultados, é preciso cativar leitor por leitor, mas, quem sabe um dia, sua carreira se estabilizará e perceberá que, de grãozinho em grãozinho, você realizou o seu sonho.

Pode não ser a trajetória mais gloriosa, mas será suada e honrada. Então, você se orgulhará de suas pequenas conquistas.

Fontes:
Publishnews
http://www.publishnews.com.br/telas/mais-vendidos/Default.aspx?cat=9
http://www.publishnews.com.br/telas/noticias/detalhes.aspx?id=67243

Gazeta do Povo
http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=971058

Wikipedia: Bestseller
http://en.wikipedia.org/wiki/Bestseller

Sunday, July 01, 2012

Quer ser escritor? Então aprenda a escrever! - Dominando frases, parágrafos, ortografia, pontuação, verbos, adjetivos e advérbios


Juro que nunca deixo de me surpreender quando conheço algum pretendente a escritor que não sabe escrever.

Ninguém é obrigado a saber tudo, a conhecer perfeitamente todas as regras gramaticais e ortográficas, e até os grandes escritores ficam em dúvida, de vez em quando, como é a escrita correta de uma palavra ou outra. Além disto, existem erros de digitação ou de revisão, pois, como já diz o ditado, "errar é humano".
No entanto, geralmente é muito fácil perceber quando se trata de um deslize, ou quando se trata de desconhecimento mesmo das normas da Língua Portuguesa.

Não pretendo dar uma aula de português, pois para isto existem dezenas de gramáticas e referências na internet, capazes de sanar todas suas dúvidas. A minha intenção é ser muito mais prático, indicando-lhe alguns aspectos que você deveria prestar atenção durante a escrita.

Frases e parágrafos, ou como organizar seus pensamentos

A frase é a unidade mínima de expressão de uma ideia, que pode ser composta de uma única palavra, ou de várias, como:

"Vá!", ou

"João havia se perdido na mata, sem ter a mínima noção de como faria para retornar à trilha".

Nestas duas frases acima, temos a expressão de ideias completas. No primeiro caso, uma ordem foi dada por alguém para outra pessoa (ou animal) para que ela vá a algum lugar, no segundo, uma ideia mais complexa e elaborada.

É possível compor frases imensas, às vezes com várias linhas, e o grau de complexidade das frases dependerá de sua intenção enquanto escritor, mas também do domínio que você tiver do idioma e para quem se destinam seus textos.

Já os parágrafos podem ser compostos de uma ou mais frases, com uma ideia completa e, comumente, bem desenvolvida.
Na escrita literária, podem haver parágrafos bastante breves, especialmente em diálogos, ou parágrafos imensos, ainda mais em obras modernistas, às vezes com livros inteiros escritos num único parágrafo.

A extensão e sofisticação das frases e parágrafos podem ditar o ritmo de uma narrativa, tornando a leitura da história mais ligeira ou mais cerebral.

A não ser que você deseje se expressar obscura e confusamente, a meta de quase todos os escritores é que o leitor o compreenda da melhor maneira possível, evitando mal-compreendidos, ou, caso queira criar ambiguidade, fazendo-o propositalmente.

Ortografia, ou a escrita correta das palavras

A ortografia é uma convenção que determina qual é a escrita correta das palavras. Nem sempre houve um consenso quanto à ortografia e, até recentemente, as escritas no Brasil e em Portugal possuíam sutis particularidades.

Algumas palavras são difíceis mesmo de serem escritas, pois o português é uma língua difícil e com várias exceções ("exceção" é uma destas palavas que sempre causam confusão).

Existem várias palavras homófonas, isto é que, que possuem a mesma pronúncia, mas que podem ser escritas de maneiras diferentes, como:
"concerto" (Um concerto de Mozart), ou "conserto" (mandei meu carro para o conserto), ou
- "sessão" (de cinema, de teatro, de tortura...), "seção" (uma parte ou divisão, "seção de achados e perdidos") e cessão (ato de ceder, como "cessão de direitos autorais").


Também há palavras homógrafas, isto é, com a escrita igual, mas com sentidos diferentes, como:
- "pelo" (preposição, "ele ia pelo caminho"), ou "pelo" (substantivo, "o pelo do cavalo era branco"), ou
- "manga" (fruta), ou "manga" (da camisa ou da blusa).


Em se tratando de ortografia, as duas melhores recomendações para um escritor são:
1 - ler muito, pois através da leitura você enriquecerá seu vocabulário, aprenderá palavras novas e identificará as formas corretas delas e
2 - ter sempre um dicionário por perto, mesmo que você tenha de passar, a princípio, boa parte do seu tempo procurando as palavras para aprender a escrita correta delas. Um dicionário é um grande aliado de um autor.

Pontuação, ou determinando o ritmo da leitura


Pontuar bem é um dos maiores desafios para um escritor, seja ele um iniciante ou veterano. A utilização adequada das vírgulas, pontos, dois pontos e todos os demais sinais de pontuação são cruciais para determinar o ritmo da leitura. Veja dois exemplos abaixo:

1 - "Mas o canalha não era nenhum bundão. Ele começou a se debater, acertou uma cabeçada na minha boca e, muito mais jovem e forte do que eu, se libertou. Com o jogo invertido, ele me esmurrou, pisoteou-me e cuspiu na minha cara, encurralando-me cada vez mais no beco.
Juro que tive medo daquele homem, nariz ensanguentado e ódio no olhar. Roleta sacou uma faca, vinha em minha direção. Eu, no chão, me arrastava para trás, para fugir daquele assassino." (trecho de Roleta-Russa em O Covil dos Inocentes)

2 - "Por quantas pessoas não passamos pelas ruas sem nos darmos conta? Eu já havia estado naquele mercado uma dúzia de vezes apenas no último mês e não a havia visto antes. Será que havia sido recém-contratada ou eu simplesmente havia ignorado a mulher com colete vermelho, cabelos louros presos num rabo de cavalo e aquelas rugas ao redor de seus olhos azuis. Todos os dias, resvalamos em milhares de indivíduos, todos muito ocupados em seus afazeres, concentrados, rumo a algum lugar, indigentes, desocupados, idosos, crianças, gente que vem e que vai. Talvez até passemos por pessoas que já foram importantes em nossas vidas, mas estamos tão entretidos brincando de viver que nem desperdiçamos nossa atenção." (trecho de Margot Adormecida)

Nestes dois parágrafos, temos ritmos de escrita e de leituras completamente diferentes.
No primeiro, um romance policial, as frase são mais breves e dinâmicas, ainda mais nas cenas de ação; no segundo, as frases são mais longas e que exigem uma concentração maior do leitor. São propostas diversas para estilos literários distintos.
Isto não quer dizer que todo livro de ação deva ser escrito com frases custas, repletos de pontos-finais, ou que todo romance mais intelectual deva ter frases longas e rebuscadas, pois tudo dependerá da sua intenção.
O importante é compreender que a pontuação terá um papel fundamental no ritmo de sua narrativa.

Escrever como se fala, ou escrever da maneira correta?

Este é um debate cabeludo que sempre atrai defensores acalorados em ambas as frentes.

Imagino que você já deve ter percebido que não falamos exatamente como pregam as gramáticas, muita gente "vai no banheiro", "assiste um filme no cinema" e fizeram alguma coisa interessante "há muitos anos atrás".
A língua falada se transforma muito mais rapidamente do que a linguagem literária, palavras nascem e morrem, gírias são criadas ou caem em desuso, simplificamos e abreviamos, tudo para facilitarmos a comunicação.
No ato da escrita, existem duas vertentes principais:

1 - aqueles que gostam de escrever como falamos, com todos os erros gramaticais implicados nesta escolha, como em:


"Zé Carlos engatilhou a espingarda, abriu uma fresta na porta e espiou.
— O bicho ‘tá lá fora, Maria! — ele tremia.
— Deixa, Zé. Aqui dentro ele não faz nada... — Maria, incerta." (trecho de O Bicho Roncador)

2 - aqueles que gostam de uma escrita literária artificial, como em:

"Fui iludido. Não há hostes celestiais para me receber no paraíso; não há som de trombetas. Não há nada. Um vazio me invade; um vazio mais forte que o amor. Estamos perto do fim. Acredito que, se alguém um dia se lembrar de mim, ele possa aprender uma lição: toda profecia, cedo ou tarde, se realiza." (trecho de O Rei dos Judeus)

Em essência, nenhuma das duas está certa ou errada. Pense na Literatura como um universo regido por leis próprias, onde você, o escritor, é o Deus supremo e absoluto, que cria tudo de acordo com sua vontade.
Uma escrita mais próxima da linguagem falada pode, por um lado, criar uma identificação maior com o leitor, no entanto, por outro, pode também causar certo estranhamento. Leia os contos ou romances de Guimarães Rosa, com diálogos extraídos da linguagem única do sertão, e perceba quão realistas e, ao mesmo tempo, literários eles são. Já uma escrita mais rebuscada e arcaica também pode soar estranha, pois ninguém fala assim na vida real.
Para mim, o ideal é caminhar no meio termo, tentando equilibrar estes dois extremos.

Verbos, ou o poder da ação

A melhor maneira para expressar bem uma ação é escolhendo o verbo apropriado para isto. Esta não é uma tarefa muito simples, confesso, pois ao tentarmos ser muito inventivos, podemos recair na cafonice.

Para diálogos, existem uma porção de verbos dicendi, ou seja, verbos declarativos, como: disse, falou, respondeu, replicou, interveio, perguntou, questionou, redarguiu, indagou, comentou, admoestou, e assim por diante. Apesar de a lista ser longa, o recomendável é não abusar demais.

Leia o exemplo abaixo e me diga o que pensa:

— Maria, aonde você pensa que vai? — indagou Pedro.
— Isto não lhe interessa! — retrucou ela.
— Mas eu sou seu marido. Você me deve satisfações! — replicou Pedro.
— Marido, sim... Meu dono, não! — redarguiu Maria.
— Não me desrespeite, mulher — admoestou-a o esposo.


Os verbos dicendi, nesta situação acima, mais atrapalham do que colaboram para a dinâmica do diálogo. Na minha opinião, seria melhor restringir-se somente a "disse", "perguntou" e "respondeu", ou, o que seria ainda melhor, sem nenhum verbo declarativo, como abaixo:

— Maria, aonde você pensa que vai? — indagou Pedro.
— Isto não lhe interessa!
— Mas eu sou seu marido. Você me deve satisfações!
— Marido, sim... Meu dono, não!
— Não me desrespeite, mulher.

Você conseguiu entender bem o diálogo sem os verbos? Perceba que mantivemos o primeiro verbo para identificarmos o nome do marido, pois talvez fosse uma informação importante no contexto, caso a discussão prosseguisse.

No entanto, em narração, um verbo bem escolhido é o segredo do poder de uma oração.

Por exemplo:

"Um terrível acidente. Ele passou por cima do colega com o rolo compressor."

O verbo "passou" é extremamente ameno, retirando boa parte do impacto da cena. Releia agora este trecho com outro verbo:

"Um terrível acidente. Ele esmagou o colega com o rolo compressor."

Esmagar é muito mais gráfico e chocante, ainda poderíamos ter escolhido "triturar", "esmigalhar" ou até "pulverizar", que já seria um pouco exagerado, a meu ver.

A escolha dos verbos deve ser consciente, mas com parcimônia. Quando o esforço é demasiado, é fácil exagerar e perder a mão. Novamente, o equilíbrio é o melhor caminho.

O Perigo dos Adjetivos e Advérbios

Adjetivos são as qualidades dos substantivos, por exemplo: feio, gordo, magro, alto, baixo, triste, escuro, liso, opaco, raso, e assim por diante.
Advérbios são palavras que modificam os substantivos, os verbos ou os adjetivos, como rapidamente, felizmente, depressa, realmente, aqui, ali, depois, quase, sim, não, muito, entre tantos outros.

O uso excessivo de adjetivos e advérbios num texto é tentador, que seduz facilmente os escritores iniciantes e muitos veteranos.

Leia o exemplo abaixo:

"O opulento e poderoso senhor de engenho oprimia demasiadamente os enfraquecidos escravos negros, que se recolhiam macambúzios à obscura senzala após um duro e longo dia de labor."

São tantas informações, tantos adjetivos e advérbios numa única frase, que quase queremos desmaiar após lê-la.
Escrever bem não é a mesma coisa que escrever muito, ou escrever longas e complicadas frases.

Escrever bem é expressar bem uma ideia. Às vezes, precisaremos de várias frases e parágrafos para isto, mas, em outros casos, basta uma única palavra.

Conclusão

A escrita é um exercício.

Quanto mais praticarmos, maior será o domínio sobre ela, mais cômodos ficaremos e melhor a compreenderemos.

Ter dúvidas, questionamentos ou errar não são motivos para vergonha. Deveria ter vergonha aquele escritor que não reconhece que a escrita é um aprendizado perpétuo, que depende de tentativa e erro, da leitura de outros autores e da revisão constante de seus próprios trabalhos.

Escrever é refinar-se, trabalhar conscientemente com as palavras, escolhendo-as como quem seleciona pedras preciosas para serem lapidadas. É um labor demorado, mas recompensador para aquele autor dedicado.

Talvez demore anos até que você comece a ficar satisfeito com suas obras, no entanto, estudar, ler e escrever muito e sempre são essenciais.

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