Saturday, July 30, 2011

Leia a Revista SAMIZDAT

SAMIZDAT 28

Se você era leitor da Revista SAMIZDAT e estava sentido falta de reler os fascículos já publicados, ou se você não ainda não a conhece mas deseja conhecer, as 30 edições da SAMIZDAT ainda estão disponíveis para consulta, apesar de ter ocorrido uma mudança no domínio.

No link abaixo, você poderá conferir o melhor de uma nova geração de escritores brasileiros e portugueses, contos, crônicas, poesias, entrevistas com figurões do cenário literário, artigos sobre teoria literária e muito mais.

http://samizdat.oficinaeditora.com/

Sunday, July 24, 2011

Escritor na Mídia - Pandora

por Naldo Gomes
Henry Alfred Bugalho é graduado em Filosofia com ênfase em estética pela Universidade Federal do Paraná. É especialista em Literatura e História. Autor de quatro romances e de duas coletâneas de contos. É editor da Revista SAMIZDAT e um dos fundadores da Oficina Editora. Autor do livro best-selling “Guia Nova York para mãos de vaca”. Mora, atualmente em Nova York, com sua esposa Denise.
SAMIZDAT (Polonês: Bibula ) era uma prática em tempos da União Soviética destinada a evitar a censura imposta pelos governos dos partidos comunistas nos países do Bloco Oriental. Mediante esta prática, indivíduos e grupos de pessoas copiavam e distribuíam clandestinamente livros e outros bens culturais que haviam sido proibidos pelo governo.
Segundo o site, a escolha do nome é fundamentada na seguinte justificativa: ” ‘Samizdat’ porque a internet é um meio de autopublicação, mas ‘Samizdat’ porque também é um modo de contornar um processo de exclusão e de atingir o objetivo fundamental da escrita: ser lido por alguém”

O projeto existe há três anos e está na 24ª edição. Qual o  segredo para vencer tantos desafios? Confira esta e outras respostas na entrevista com Henry Alfred Bugalho

Naldo Gomes: Você acha que é possível romper com o bloqueio da mídia e da indústria cultural?
Henry Bugalho: A palavra “romper” possui dois sentidos, a meu ver: 1 – de uma criação paralela e independente à indústria cultural e 2 – de um processo de passagem de um estágio “fora da indústria cultural’ para “dentro dela”.
Nestes dois sentidos é possível sim romper, seja para se pôr à margem quanto para se inserir, com o establishment.
A cultura de massas precisa da renovação para se manter, e isto só ocorre quando o que está às escondidas é revelado. Por isto, há algum momento no qual o jovem artista é descoberto e tornado público como a novidade da vez. Só que esta publicidade não é acidental. A indústria cultural, como qualquer outro tipo de negócio capitalista, visa o lucro, portanto, é preciso ter certeza de que esta novidade retornará o investimento feito. Esta é a razão básica do porquê de ser tão difícil para um autor iniciante ser publicado, pois assim como no mercado de trabalho, que requer “formação e experiência” dum jovem recém saído da faculdade, o mercado editorial também requer do autor uma obra comercializável e, mais importante, um público leitor já existente. Não raro, em sites de editoras, há um formulário para o autor iniciante preencher, caso queira enviar um manuscrito para ser avaliado, com o seguinte campo: “quantos exemplares você acredita que seria capaz de vender de seu livro?” Ou seja, não basta escrever bem, é fundamental trazer leitores a tiracolo. Neste sentido, já ser conhecido por um grupo de leitores é uma maneira que o autor possui para conseguir publicar comercialmente seu primeiro livro. Por outro lado, a literatura marginal, underground, contracultural sempre esteve por aí, sendo sistematicamente ignorada pelas editoras e pela mídia. Muitos dos autores que integram este tipo de movimento se vangloriam desta indiferença, aliás, esta chega a ser parte da proposta deles; mas outros simplesmente ingressam neste universo paralelo porque não tiveram a oportunidade ou competência para se inserirem no mercado, e isto inclui grandes autores que só se consagram postumamente ou aqueles outros que publicam tiragens pagas do próprio bolso e que só vendem parcos exemplares para amigos e parentes. Alguns escolhem ser marginais, outros são marginalizados pelo mercado. No entanto, sei que existem casos de autores independentes que vendem relativamente bem e que até sobrevivem com a renda de seus livros, e que ocasionalmente até são descobertos e assimilados, mesmo que tardiamente, pela indústria cultural e vendidos como o “novo”.

N.G.: Sabemos que existe uma equipe multidisciplinar por trás da SAMIZDAT. Há quem estude as humanas, como filosofia, psicologia e o jornalismo. Mas também as exatas, como a matemática, a física e a computação. Como foi possível reunir todas essas “feras”, para falar de literatura, numa revista que não visa o lucro? Como você conseguiu essa façanha? Fale um pouco sobre a SAMIZDAT e sobre a equipe multidisciplinar que atua por trás dela.
H.B.: Acho que estas duas perguntas estão relacionadas, por isto vou respondê-las duma só vez. A Revista SAMIZDAT foi o resultado duma oficina literária que eu organizava. A multidisciplinaridade dos autores que a compõem foi algo natural, jamais planejado ou pretendido, apesar de aceito e estimulado. Esta oficina atraiu, inicialmente, um pequeno grupo de escritores em busca de troca de experiências, com as mais diversas formações; e um escritor foi convidando outro até chegarmos à atual composição da revista. Esta oficina era, a princípio, um grupo quase iniciático, fechado e para poucos leitores (que eram os próprios participantes da oficina). Mas chegou um momento em que propus, por causa da alta qualidade dos textos produzidos, que preparássemos uma revista digital para divulgarmos nossas obras. Não há nenhuma proposta marginal ou contracultural por parte dos autores da Revista SAMIZDAT. Não é nossa intenção revolucionarmos a literatura, ou enfrentarmos o mercado editorial, ou pormos um fim ao copyright, ou qualquer outra defesa ideológica ou política. Cada um dos autores possui uma concepção sobre tais assuntos (alguns até tencionam revolucionar a literatura ou enfrentar o mercado editorial), que podem estar de acordo com minhas concepções ou não. Isto é, no fundo, indiferente. O nosso elo é o fato de sermos autores preocupados com o ofício literário, a maioria não publicada – pelo menos, não comercialmente – e que queremos ser lidos. Disto resultou o nome da revista, SAMIZDAT, que em russo nada mais quer dizer que “autopublicado”. É claro que, ao rastrearmos a origem do nome e seu uso, chegaremos às publicações clandestinas na antiga União Soviética, que era o único meio pelo qual autores perseguidos pelo regime comunista conseguiam ser publicados. Talvez Alexander Soljenítsin seja o maior expoente literário a já ter publicado através das samizdats. Obviamente que SAMIZDAT traz uma carga de revolta e anseio por liberação. Contra um regime opressor é muito fácil de determinar um inimigo e encontrar meios para derrotá-los, mas numa época de suposta liberdade é mais complicado decidirmos contra quem voltaremos nossas armas. Para um autor não publicado, o primeiro grande inimigo é o mercado literário e sua indiferença. Então, a Revista SAMIZDAT surgiu como uma espécie de provocação, duma prova de que fora das grandes livrarias, longe das bienais, sem ganhadores de Jabuti ou Nobel, sem remuneração, é sim possível fazer literatura de qualidade, por vezes até melhor do que está sendo comercializado e ostentado em listas de mais vendidos. A Revista SAMIZDAT é, de fato, um desafio: “procuram bons escritores? Aqui estão! O que pretendem fazer com relação a isto?” E reunir uma equipe competente para isto, para escrever sem lucro, para alguns poucos leitores (se pensarmos proporcionalmente ao gigantesco rol de leitores possíveis), não é algo tão difícil, se considerarmos que quem escreve quer, acima de tudo, ser lido. Ser lido, isto é muito mais importante para mim, enquanto escritor, do que qualquer outra coisa.

N.G.: Como é o processo de produção da SAMIZDAT? É algo puramente artesanal ou existe um “quê” de taylorismo no meio dessa história?
H.B.: O processo de produção da Revista SAMIZDAT é um tanto anárquico. O mundo industrial nos habituou a um sistema hierárquico de gestão, aliás, bem antes disto, na política, no exército, nas empresas, na religião, estamos acostumados a um sistema piramidal, com um líder, governante, chefe, no topo da pirâmide e, através de ramificações e delegação de atividades, chegamos à base desta pirâmide com os trabalhadores braçais, ou algum tipo de classe subordinada. Por isso, é muito insólito para nós compreender uma gestão descentrada, tal qual o próprio funcionamento da internet.
Apesar de eu enfeixar algumas atividades centrais para a produção da revista, como a diagramação, seleção de textos, traduções e gerenciamento do blog, todas as atividades são compartilhadas e as funções são assumidas por quem se sentir apto ou disposto para isto. Por exemplo, ninguém nomeou o Joaquim Bispo para assumir a função de revisor. Foi ele, por decisão própria, quem considerou necessária uma revisão mais acurada dos textos. E o mesmo vale para a organização das entrevistas, para os convites de autores externos, para a seleção de textos em domínio público, e vários outros aspectos da preparação da Samizdat. Isto não que dizer que eu não seja obrigado a dar uns puxões de orelha na equipe, de vez em quando, ao perceber que eles estão deixando a peteca cair.
No entanto, tudo costuma fluir muito naturalmente, sem necessidade de intervenções duma cúpula editorial. Por isto, não há nada de taylorismo no processo, apesar de haver algumas funções delimitadas, mas também não chega a ser um processo artesanal, se pensarmos que tudo é feito virtual e digitalmente.
E a revista funciona quase como uma redação aberta a quem quiser ver ou participar. Discutimos a pauta do mês na comunidade da revista no Orkut, e em cada dia do mês postamos um texto no blog. Este conteúdo é reunido, diagramado e, no primeiro dia do mês seguinte, é publicada a revista digital, que é o trabalho pronto, a revista acabada. Se observarmos o percurso da revista, da primeira edição até hoje, poderemos notar uma evolução, duma primeira edição simples e tosca até uma publicação independente bastante sofisticada.

N.G.: A Revista SAMIZDAT ultrapassou 15 números e isso é uma experiência considerável. Contudo, a SAMIZDAT apresenta-se como uma revista que não visa o lucro, mas o prazer de escrever e de ser lido. Nesse sentido, há uma certa aura única que permeia essa revista eletrônica. Mas o que você pensa sobre reproduzir a Samizdat industrialmente, com o objetivo de vender? Você acha que isso dissolveria essa aura que a cerca atualmente? Seria algo mais ou menos parecido com a experiência do “Shock” teorizada por Walter Benjamin?
H.B.: Em tese, não haveria muita diferença, em termos de conteúdo e proposta, em publicar a SAMIZDAT comercialmente. Mas na prática teríamos de nos deter sobre uma série de problemas, e também haveria uma contradição fundamental: Samizdat é uma autopublicação; mas a partir do momento em que se torna uma publicação industrial, onde está a autopublicação? Onde está o princípio motivador? Onde se encaixa a necessidade de superar o fenômeno excludente do mercado editorial? Enquanto que isto significaria uma alteração do nosso estatuto de escritores e legitimaria mais nossas obras, também significaria uma descaracterização do que significa SAMIZDAT.
Contudo, eu não vejo problemas em se consolidar como escritor comercialmente e continuar tocando a SAMIZDAT nos moldes de hoje.

N.G.: Desde a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt,  ficou evidente que as massas podem ser manipuladas. Há quem diga que no fato de abrirmos a boca ou de lançarmos nossos dedos sobre um teclado de computador já existe uma intenção de manipular. Podemos falar de um possível discurso manipulador nas páginas da SAMIZDAT?
H.B.: Primeiro, não sei se é evidente esta manipulação das massas. O conceito de massas é difuso o bastante para englobar tudo e não englobar nada. Todo mundo faz parte das massas em algum momento, e ninguém individualmente faz parte da massa se questionado sobre o assunto. O que parece ter ocorrido foi o seguinte – durante décadas, o público esteve envolto num perturbador silêncio: como diria Baudrillar, “as sobras das massas silenciosas”. Tudo nos levava a acreditar que de fato que o que denominamos massas estavam acolhendo passivamente tudo que a mídia e a indústria cultural vomitava. Em troca, apenas silêncio e dados estatísticos – IBOPE, exemplares vendidos, discos de ouro ou de platina. A resposta das massas chegava através de cifrões, de salas de cinema ou shows lotados.
Todavia, a internet abalou este eixo e expôs, pela primeira vez, o que as massas estavam pensando. Então, se olharmos com atenção, percebemos que cada indivíduo que supostamente compõe esta massa está refletindo e dialogando com os produtos da indústria cultural a seu modo. Até algo simplório quanto um jogo de futebol é capaz de atiçar os ânimos dum indivíduo, fazê-lo com que se levante da poltrona, grite, xingue o juiz e mande o jogador X chutar para o gol. Isto não é acolher passivamente: isto é um diálogo entre um indivíduo real para um outro fenômeno material – livro, filme, música, esporte, etc, produzido, por sua vez, por outro indivíduo real. A manipulação existe, mas a reação a ela também.
Além disto, a escolha por ser manipulado pode ser tão consciente quanto a sua negação. Considerando isto, a Revista SAMIZDAT pode ser tão manipuladora quanto qualquer outro discurso. Um discurso visa expressar um pensamento, um conceito, uma emoção, e está sempre atrelado a uma carga ideológica. A SAMIZDAT quer sim convencer o leitor de algo: a lê-la.
Mas a ideologia da revista está dispersa em seus diferentes textos, em seus diferentes autores e sobre isto não há controle. Meu papel como editor não é de vetar conteúdos que não estejam de acordo com a proposta editorial da revista, mas apenas me certificar que ela estará pronta no começo de cada mês. E, se pararmos para pensar, esta manipulação também está presente nas Universidades e no discurso acadêmico, no discurso dos pais, das igrejas, dos políticos, dos artistas da elite ou do subúrbio. A partir do momento em que abrimos nossas bocas, nós já estamos tentando moldar a realidade de acordo com as noções que consideramos verdadeiras.

N.G.: Adorno fala sobre o discurso da classe dominante embutido em tudo o que provém da mídia. Você também diz algo parecido em “Por que Samizdat“?”. Então, a SAMIZDAT não é uma espécie de “rouba dos ricos para dar aos pobres?”. Isto é, de alguma forma a SAMIZDAT não está reproduzindo textos e falando sobre grandes autores do passado, autores que fizeram parte da classe dominante?
H.B.: Não sei se eu pensaria em termos tão maniqueístas, como classe dominante ou dominada. Mas acredito que todo discurso seja permeado por uma ou mais ideologias, muitas vezes, até por ideologias conflitantes. Isto é consolidado histórica e socialmente e é inevitável que um segmento da sociedade sempre se sinta excluído do discurso oficial; alguém sempre se sentirá excluído do conjunto. Isto é algo que também ocorre e ocorrerá com a Revista SAMIZDAT. Sempre alguém ficará de fora, seja porque sua obra não seja considerada apropriada para a edição, seja por questões de espaço mesmo. Ou seja, um trabalho contra a exclusão acaba por si só sendo também excludente. Fato inevitável.
A seleção de autores consagrados para a SAMIZDAT acaba sim reproduzindo o cânone, independente de a existência do cânone ser uma decisão política ou não. A sobrevivência de obras e de autores ocorre talvez quase como um processo de seleção natural. Até pode ser que um autor tenha se consagrado por haver puxado o saco das pessoas certas, mas existem inúmeros casos que reforçam a certeza de que muitos dos autores canônicos eram realmente excepcionais e, provavelmente, eram os mais competentes de suas épocas. E assim como na seleção natural, as obras que não se “adaptaram” se extinguiram e, muitas vezes, delas não restou rastro. Não temos como constatar se, por acaso, não havia algum autor melhor do que Pushkin ou Dostoiésvsky na Rússia de suas épocas, pois, se havia, simplesmente se perdeu no tempo. Não podemos reproduzir aquilo a que não se tem acesso e, por isto, a SAMIZDAT, ao apresentar autores canônicos, está sim reiterando o discurso dos vencedores, dos mais adaptáveis, dos que resistiram à prova do tempo. Mas não podemos nos esquecer também que muitos dos autores imortalizados foram rechaçados em suas próprias épocas e produziram um silêncio, como Kafka e Fernando Pessoa. Eles não representavam o discurso dominante, mas acabaram se tornando dominantes ao se consagrarem, e esta é uma marcha que sempre se repete: os iconoclastas de hoje acabam por se tornar os reacionários de amanhã.

N.G.: Para Marcuse, o homem pensa que é livre, mas não é. Essa libertação é impedida por aquilo que ele denomina de “falsas necessidades”, aquelas produzidas pela publicidade. Para Marcuse, a libertação virá pela recusa ao sistema, pelo questionamento da sociedade. O que você pensa sobre liberdade, publicidade, recusa ao sistema? Como recusar esse sistema se nos servimos diariamente dele através de todas as tecnologias que nos fazem quase ubíquos? E a SAMIZDAT nesse contexto?
H.B.: Eu acho que a resposta está embutida na própria pergunta: a sociedade sempre será regida por um sistema, por um conjunto de normas. Se recusarmos o sistema, qual sistema acolheremos? Obviamente que isto não implica na cega aceitação de todo tipo de disparates, apesar de ser isto o que o brasileiro cotidianamente faz: aceita passivamente todo tipo de absurdos sociais como se isto fosse normal.
Acredito que o profundo pessimismo do século XX decorre duma aporia e, talvez, duma certa necessidade de romper com tudo que havia sido feito anteriormente. A era industrial trouxe mudanças tão drásticas e súbitas que as previsões futuras não podiam ser positivas, tudo indicava que caminhávamos para o fundo do poço. Ainda não chegamos no fundo, e talvez nem exista tal fundo, e quem sabe do mesmo modo que o pessimismo do século XX tenha sido exagerado, acredito que o nosso otimismo tecnológico para o século XXI também seja um pouco demasiado.
E também não podemos hipervalorizar ou menosprezar demais a relevância da publicidade. Um produto não se torna melhor ou pior por causa da imagem criada em torno dele, e um produto ruim, em nossa época, facilmente desmorona através do boca a boca. Por outro lado, é como dizem: “a propaganda é a alma do negócio”. Se não há divulgação, ninguém chega a conhecer o que você está fazendo. É importante entender este equilíbrio e utilizá-lo em favor daquilo que possui algum valor. Debater o papel da liberdade (ou até a real existência dela) é algo complexo demais para nos determos neste curto tempo.

N.G.: Existe uma “Agenda Setting” na SAMIZDAT? Isto é, vocês determinam os temas sobre os quais o público discute? Ou existe uma participação do público na construção do conteúdo da revista?
H.B.: Eu possuo um calendário mental daquilo que eu gostaria de ver na SAMIZDAT, mas, tirando isto, nossa pauta é organizada mês a mês, edição a edição. As únicas exceções são as edições especiais, a cada quatro meses, que são definidas com bastante antecedência através de voto aberto a autores e leitores. A participação do leitor é pequena, apesar de que nós gostaríamos que fosse maior.
A opinião sobre o que está agradando ou não seria uma informação muito importante para definirmos os conteúdos futuros, mas também temos nossas estatísticas destes leitores silenciosos e pudemos perceber que as edições especiais, direcionadas para gêneros específicos, como Terror, Erótico, Ficção Científica, fazem bastante sucesso, provavelmente pelo recorte e por saciar públicos negligenciados pelo mercado editorial no Brasil.

N.G.: Que mensagem final você gostaria de deixar para os leitores da SAMIZDAT?
H.B.: A publicação por uma editora comercial é o sonho de quase todos os escritores. É a principal legitimação literária e proporciona a sensação de ter se inserido no esquemão editorial. Este também era um anseio meu, até eu começar a perceber que isto se trata dum grande engodo.
O mercado literário não é legitimação de nada, não é garantia de nada, não torna um escritor melhor ou pior. Por outro lado, na última década, a internet tem revolucionado nossa maneira de ver o mundo, revolucionado a cultura, a política, a economia. Nunca antes o produtor cultural esteve tão perto de seus espectadores. Entre eu e meu leitor há apenas uma tela de computador (é claro que precisamos ignorar a legião de técnicos que torna isto possível).
O que eu escrevo agora chega instantaneamente a quem me lê. No ano de 2008, através de meus inúmeros blogs e textos publicados online, 200 mil pessoas chegaram ao que escrevo. Isto é assustador, é algo que me faz refletir: por que preciso da legitimação duma editora? A Revista Samizdat faz parte deste processo, é uma das etapas da consolidação da internet como também uma forma de legitimação do escritor. Há bons escritores publicados, e há os ruins; há bons escritores na internet, e há os ruins. A internet é apenas um meio de publicação como outro qualquer, mais democrático e, por enquanto, mais livre.
Não sabemos os rumos que a cultura tomará, mas uma coisa é certa: nada mais será como antes. Estamos presenciando uma transição da “cultura de massas”, para aquilo que eu chamaria de “cultura das massas” onde todo mundo é criador e, ao mesmo tempo, consumidor cultural.

*Para  saber mais sobre o trabalho jornalístico de Naldo Gomes, clique aqui.
**A entrevista  foi concedida por e-mail e é parte de um trabalho da disciplina “Teorias da Comunicação” do curso de Jornalismo do Centro Universitário Sant’Anna.

Escritor na Mídia - Contos Fantásticos

Entrevista: Henry Alfred Bugalho
Apresentamos, aos que ainda não tiveram a oportunidade de conhecer, Henry Alfred Bugalho, 28 anos, formado em Filosofia pela UFPR, com ênfase em Estética. Especialista em Literatura e História. Autor de quatro romances e de duas coletâneas de contos. Editor da revista digital SAMIZDAT, pela qual demonstra, nesta entrevista, orgulho e satisfação, e um dos fundadores da Oficina Editora.
É autor, também, do livro best-selling “Guia Nova York para Mãos-de-Vaca”, uma espécie de manual prático, destinado aos turistas desavisados, de como se virar na referida cidade do título sem gastar muito dinheiro e onde o nobre filósofo também mora desde 2006.


Entrevista: Henry Alfred Bugalho

Henry Alfred Bugalho, homem culto e articulado, já disponibilizou alguns contos para publicação aqui mesmo em Contos Fantástico e agora ele nos concede uma entrevista para falar um “pouquinho de um tudo”: livros, projetos seus e de amigos, revistas digitais, as possibilidades da literatura na Internet, a atual condição da literatura fantástica no Brasil, o mercado excludente das grandes editoras... e por aí vai.



Esta entrevista foi concedida em 15/04/2009


Henry, vamos iniciar a nossa entrevista com a pergunta padrão. Quem é Henry Alfred Bugalho?


Esta é uma pergunta profudamente filosófica... (risos)
Acho que todos nós passamos a vida procurando uma resposta para esta questão e, no decorrer de nossa existência, fazemos escolhas que tentam nos encaminhar em direção a uma solução. Não somos uma coleção de nossos gostos, nossas idiossincrasias, nem das nossas conquistas ou derrotas: somos algo para além, algo de indefinido, que não pode ser verbalizado. Bem, uma pergunta filosófica exigia uma resposta filosófica, o que já diz um pouco sobre mim, que me graduei em Filosofia, trabalhei numa videolocadora e numa livraria, e atualmente moro em Nova York, fazendo duas de minhas paixões: escrever e cuidar de cães. 

Em agradecimento a sua disponibilidade e paciência para a nossa entrevista, vamos fazer um “Merchandising” gratuito para você. Como surgiu a idéia e a consequente repercussão do "Guia Nova York para mãos de vaca”.

O blog e, posteriormente, o guia "Nova York para mãos-de-vaca" é meio que uma anomalia no conjunto da minha obra. Foi o meu primeiro trabalho de não-ficção, sem relação alguma com literatura, e visava falar um pouco sobre a cidade e como se virar nela com pouca grana. Foi um trabalho que começou de maneira despretenciosa, através do blog, e que logo escapou de controle. Além disto, foi uma evidência de que, quando o leitor gosta de algo, ele faz questão de compartilhar deste gosto com as outras pessoas. A propaganda boca-a-boca foi fundamental para o sucesso do blog e do guia, e hoje não é incomum, quando encontramos algum brasileiro nas ruas ou no metrô de NY, descobrir que eles já conheciam o trabalho. Isto é algo bastante recompensador. É um projeto que ocupa bastante parte do meu tempo, pois eu e minha esposa sempre tentamos trazer conteúdos novos e conferir as dicas dadas por leitores. E este é um dos segredos da popularidade do maosdevaca.com, pois conquistamos credibilidade ao apresentarmos sempre dicas que foram verificadas por nós.

No Recanto das letras, site muito prestigiados pelos escritores amadores, o seu acervo de contos transita por vários gêneros: Terror, Ficção Científica, Insólitos e outros. Afinal, qual gênero lhe dá mais prazer de escrever?

Na minha opinião, escritor é quem escreve. Apesar de compreender a predileção que certos autores destinam a um gênero, ou a um estilo, eu defendo que o escritor tem de ser capaz de produzir obras de todos os gêneros. E esta foi uma decisão consciente que fiz, quando iniciei a redação do romance "O Covil dos Inocentes", que foi escrito diretamente num blog e dum gênero que eu não dominava (romance policial). Desde então, tento escrever contos dos mais variados gêneros - ficção científica, terror, suspense, policial, histórico, regionalista, etc. -, apenas como um modo para testar meus limites e tentar expandir o meu domínio sobre a escrita. Por durante quase dois anos, organizei uma oficina literária virtual com uma proposta semelhante, a cada 15 dias era proposto um tema e/ou um gênero, e os escritores da oficina tinham de se esforçar para produzir algo. Foi uma experiência bastante interessante e me obrigou a escrever muito nos últimos meses.

Quais são os projetos relacionados a literatura (sites, blogs, livros, e-books) que você está envolvido atualmente?


Os dois projetos que mais consomem o meu tempo são os blogs maosdevaca.com (não-ficção) e a Revista SAMIZDAT (literário). Também estou trabalhando num romance, no qual espero condensar um pouco do que disse acima: o livro terá várias partes interligadas, mas cada uma de um gênero diferente - aventura, romântico, terror... Por fim, há a Oficina Editora (www.oficinaeditora.com), que é uma editora virtual que publica e-books de autores inéditos. O acervo ainda é pequeno, mas é através dela que publico a Revista SAMIZDAT, alguns romances meus para download gratuito, e alguns projetos coletivos com outros autores.

A Revista Samizdat está no seu 15˚ número. Como surgiu a idéia deste periódico digital e quais são os temas que ele aborda?


A Revista SAMIZDAT (http://samizdat.oficinaeditora.com/) surgiu a partir da oficina literária que já mencionei. Tínhamos uma vintena de bons autores, produzindo textos de qualidade, mas encerrados numa espécie de conclave. Então, chegou uma hora que perguntei aos participantes: "E por que não divulgamos este trabalho num e-zine? "Muitos toparam e este foi o nascimento da SAMIZDAT. A princípio, era tudo muito tosco. Eu não tinha noção de diagramação e, ao término de um mês, a edição não era nada mais que um arquivo do Word com capa. Mas, aos poucos, o trabalho foi se aperfeiçoando e hoje é algo sofisticado e que nos envaidece bastante.
A Revista SAMIZDAT é razoavelmente livre nos temas e nos gêneros que publica. Cada autor tem autonomia para selecionar parte do conteúdo, e temos seções para resenhas literárias, contos, teoria literária, poesia, crônica, traduções, autores em língua portuguesa, autores convidados e entrevistas. No entanto, a cada 4 meses, nós preparamos uma edição especial, contemplando um gênero literário. Já publicamos edições especialis de Ficção Científica, Terror, Erótico e, agora em maio, sairá a de Humor.


“Samizdat” é um nome no mínimo estranho, para não dizer anti-comercial. Quem pensou nele e por que?


"Anti-comercial"? Não tinha pensado nisto, mas vem bem a calhar. (risos)
Na verdade, o nome da revista foi decidido através duma votação e SAMIZDAT foi considerado o "menos pior". Coincidentemente, o nome foi proposto por mim após ter lido um texto sobre o autor russo Alexandr Soljenítsin, e como ele, para burlar a repressão do regime comunista na União Soviética, publicava seus livros em publicações clandestinas, chamadas samizdats (que nada mais significa do que "autopublicado", em russo). As samizdats eram distribuídas de mãos em mãos, através de cópias datilografadas, mimiografadas ou manuscritas, e era obrigação do leitor passar as samizdats adiante.
Para mim, este conceito fazia sentido não apenas num país ou numa época repressora, mas também em nossa era digital, dividida em parte por um mercado literário excludente, que trata os autores iniciantes como restolho, em parte pela legião de blogs e autores espalhados pela internet, que também são excludentes, posto que muitos blogs não têm leitor algum. Enfim, a Revista SAMIZDAT representaria um meio de driblar a indiferença da Indústria Cultural e conquistar leitores, cuja missão seria divulgar e passar adiante esta mensagem.

Sei que estarei te colocando numa sinuca de bico, mas a revista “Samizdat” agrega um número expressivo de bons escritores amadores. Quais você considera ( tirando você mesmo ) como nomes que merecem uma chance no mercado editorial brasileiro?

Esta é realmente uma pergunta complicada, principalmente porque há autores de vários estilos, gêneros e propostas literárias na Revista SAMIZDAT. Sem dúvida que tenho minhas predileções, autores com os quais me identifico mais, ou que me dizem mais através do que escrevem. Gosto muito do que o Volmar Camargo Jr. escreve, o José Espírito Santo é dotado duma inventividade extraordinária e a Maristela Deves possui uma escrita que me faz lembrar da minha própria. É claro que há a dupla portuguesa Joaquim Bispo e Maria de Fátima Santos que são hors concour, com uma maestria invejável. Mas eu acredito que qualquer um dos autores da SAMIZDAT tem o potencial e a qualidade para ingressar no mercado, alguns já estão mais bem encaminhados (como a Mariana Valle, já publicada), enquanto outros ainda têm uma longa estrada de desafios pela frente.

Quando eu entrei em contato, via e-mail, você me disse que o projeto que atualmente mais lhe dá satisfação é a publicação da “Samizdat” e que, depois de tanto tempo, você está colhendo frutos de tal empreitada. Em que sentido você coloca a questão?

A Revista SAMIZDAT não visa lucro, então este não é um aspecto que nos importa. Todos publicam espontaneamente e participam na medida de suas capacidades: ninguém ganha nada, nem os autores, nem os revisores, nem quem faz o design da revista (isto é, eu). Este desapego é fundamental, na minha concepção, pois os nossos esforços podem se concentrar no que vamos doar, e não no que vamos receber. Por outro lado, a Revista SAMIZDAT tem conseguido atingir o nosso objetivo inicial - chegar aos leitores. As edições já foram lidas por mais de 10 mil pessoas e o blog já foi acessado por mais de 20 mil leitores. No Brasil, onde vender mil exemplares dum livro é uma vitória, podemos dizer que já obtivemos uma grande conquista ao reunirmos autores de gabarito, numa publicação periódica e, acima de tudo, termos leitores fiéis.

No “Blog do Escritor” você discorre sobre um assunto muito interessante e pertinente a respeito da publicação “on-line” de livros (e-books) digitais por escritores ainda desconhecidos em contraponto ao excludente mercado editorial brasileiro? Você poderia nos falar novamente sobre este assunto aos visitantes do site Contos Fantásticos?

A verdade é que o mercado editorial brasileiro é muito acomodado. Nenhum editor está interessado em procurar por um talento, cultivá-lo e torná-lo um autor de sucesso. O sonho de toda editora brasileira é encontrar um novo Paulo Coelho sem ter de levantar a bunda da cadeira, ou seja, eles querem um autor pronto e, mais do que isto, que seja garantia de sucesso. É o mesmo dilema do mercado de trabalho: "como é que vou conseguir experiência se ninguém me dá uma oportunidade de emprego?
"Os novos autores brasileiros estão lançados no abismo da indiferença, ignorados totalmente pelo mercado que deveria investir neles, e longe da vista dos leitores. O que acontece é que quase todo mundo tem o "complexo do best-seller". Todo autor iniciante acha que venderá milhões, por isto, distribuir gratuitamente suas obras (contos, poemas, romances...) é uma heresia. Eles esperam que uma editora os publique, para então enriquecerem.
Demora um tempo até a ficha cair e se perceber que são poucos os que ficam ricos com literatura e que um autor tem de se dar por satisfeito se chegar a vender 200 exemplares do seu livro. Literatura é um artigo de luxo, e os leitores vão optar por autores consagrados, na hora de comprar um livro, do que por um autor desconhecido. É um círculo vicioso - o que vende mais vende mais porque vende mais. Enquanto isto, os autores estreantes ou desconhecidos se digladiam por migalhas.
No entanto, a internet tem se tornado a porta de entrada para muitos autores inéditos ao universo da literatura. Um blog de sucesso, ou um e-book baixado por milhares de leitores, pode representar justamente aquilo que os editores sempre esperaram: que o próximo autor de sucesso caia no colo deles (e trazendo leitores junto). A internet pode servir de vitrine para o autor que possui talento, disciplina e algo interessante para dizer. Por outro lado, pode também significar a ruína do autor medíocre.
Além disto, acredito que uma revolução ainda está para acontecer quando se trata de remuneração. Estamos acompanhando a agonia da indústria fonográfica e cinematográfica por causa da pirataria digital. Os próximos a sofrer disto serão as editoras (é muito fácil encontrar os livros mais vendidos para download) e será preciso descobrir uma alternativa para enfrentar a pirataria. Duvido que esta solução passe por um endurecimento dos direitos autorais; na minha visão, penso que os autores terão mais liberdade, maior independência, e encontrarão na auto-publicação, ou em edições sob demanda, um caminho para a consolidação de suas carreiras. Esta descentralização (longe dos grandes conglomerados editoriais) me parece ser a nova via da Literatura. 

Alguns blogs e sites como Contos Fantásticos, por exemplo, preferem filtrar os contos que publica enquanto outros deixam qualquer pessoa publicar o que lhes der na veneta. Você acha que tal liberdade ajuda ou atrapalha no processo de atrair “olheiros” das editoras ou, na sua opinião, “caça-talentos” e “olheiros” são figuras que só existem no futebol?

Eu não acredito muito nesta figura do "olheiro". Pelo que sei, já existiram caça-talentos na história da literatura brasileira, mas hoje como a oferta de autores é muito maior do que a demanda, os editores podem fazer vista grossa e aguardar até que os melhores (ou os mais vendáveis) se destaquem. É inegável também que existe muito lixo. A internet é, no fundo, um imenso lixão, no qual, às vezes, se soubermos como procurar, podemos encontrar algumas pérolas. Esta informação desenfreada é um desestímulo quando se trata de procurar conteúdo de qualidade. Contudo, a comunidade virtual possui seus mecanismos para separar o joio do trigo - como o pagerank do Google, ou o technorati - e felizmente, de um modo um tanto misterioso, o que há de bom acaba se sobressaindo, em algum momento.
Neste sentido, o Contos Fantásticos e a própria Revista SAMIZDAT são espécies de triagens, tentando selecionar o que há de bom, ou pelo menos, o que há de legível, em meio a milhões de outros autores e textos de qualidade duvidosa. Podemos estar ignorando algum gênio literário escondido em algum blog às moscas? Sim, mas a internet tem mostrado também que gênios existem às pencas, o que diferencia quem prossegue na carreira literária ou quem afunda não é apenas o talento, mas a capacidade de aguentar os trancos e seguir em frente.

Você mora em Nova York desde 2006. Qual é a diferença mais gritante relativa ao acesso à cultura (livros, teatro e cinema) entre os americanos e os brasileiros?


A primeira coisa que eu percebi é que não existem, em Nova York, tantas livrarias quanto seria de se esperar. Em Curitiba, cidade onde nasci e cresci, era mais fácil de se encontrar uma livraria ou um sebo do que aqui. Por outro lado, a cultura é muito barata e só não tem acesso a ela quem não quer: há cinemas, museus, exposições, shows gratuitos. E mesmo quando é pago, o preço é muito menor do que seria em correspondência ao Brasil. Outro aspecto que pude notar é que há uma segmentação muito nítida e, por isto, é fácil para um artista, mesmo independente, sobreviver com o que faz. Há os fãs de FC, de Terror, de Mangás, de música punk, e eles sustentam o movimento artístico que lhes agradam, comprando livros, indo a shows, ou até mesmo doando dinheiro. É uma outra relação entre produtor e consumidor cultural.
Entretanto, o que vigora nos EUA é um espírito bastante mercenário, tudo é voltado para dinheiro, para captação de verbas, para lucro, para retorno financeiro. E isto está inculcado até em autores iniciantes, que poderiam se dar o luxo de romper um pouco com este ciclo mercadológico e inovarem. A inserção no mercado é muito rápida e natural, portanto os autores americanos não precisam, na maioria das vezes, driblar os obstáculos como nós, brasileiros, precisamos. Ainda não descobri se isto é bom ou ruim. 

Vamos falar um pouco do gênero fantástico na literatura brasileira. Qual a sua opinião sobre isso? Você acha que tantos blogs e sites criados na Internet podem acabar atraindo e sensibilizando as grande editoras para o assunto ou o gênero fantástico está fadado a ficar circunscrito apenas no mundo digital?

Não vejo o gênero fantástico como viável comercialmente no Brasil, ou melhor dizendo, não vejo o gênero fantástico made in Brazil como viável. Sabemos o sucesso que Tolkien, Stephen King, Rowling, C.S. Lewis, ou que filmes americanos do gênero fazem no Brasil. No entanto, são poucos autores brasileiros que conseguem se consolidar no cenário. Fomos habituados desde sempre a consumir tais produções dos americanos e, via de regra, a produção brasileira é um reflexo turvo do que se faz no exterior. Acredito que esta resistência ao que se faz no Brasil é porque ainda não se criou uma identidade do que é o "fantástico" brasileiro. Tenho a sensação que é um tanto deslocado um autor brasileiro falar de fadas, druidas ou bárbaros, mas é aquilo com que fomos alimentados desde a infância. Até os outros países da América Latina, como a Argentina, a Colômbia, a Venezuela conseguiram descobrir seus temas fantásticos, mas o brasileiro padece primeiro deste colonialismo cultural, depois de uma inclinação ao realismo social. É muito díficil romper esta cadeia e temos muito chão ainda a percorrer.

A saudosa revista 'Isaac Asimov Magazine” não vingou, mas, segundo dizem, também não deu prejuizo. Muitos periódicos digitais que vemos tem nela uma referência de dinâmica editorial parecida. Você acha que se uma outra revista, aos moldes da “Issac Asimov Magazine” surgisse nas bancas hoje ela teria sobrevivência mais auspiciosa do que nos anos noventa?

Algo que percebo é que estes grupos - de Ficção Científica, Fantasia e Terror - são bastante unidos e seriam, em tese, capazes de sustentar um esforço prolongado de publicação. Bem, há a Scarium, que já está bastante tempo no mercado. Mas os desafios são muito maiores do que o retorno e imagino que muita gente se encolha diante disto. A verdade é que insistir nestes gêneros é mais uma questão de paixão do que qualquer outra coisa. O Brasil tem todas as condições hipotéticas para promover publicações, revistas ou livros do gênero fantástico, mas na prática tudo é mais complicado. Entre um leitor falar "quando seu livro (ou revista) for publicado, vou comprá-lo", e ele comprá-lo de fato, há um abismo. (risos)

Não sei se você pode me responder esta pergunta, mas vou fazê-la mesmo assim. Como estamos na questão de representatividade no gênero Terror , Ficção Científica e Fantasia em termos de mercado editorial no Brasil?

Há muitos escritores talentosos, muita gente com vontade, porém há uma carência de novos temas, quase tudo acaba recaindo no lugar-comum e nos clichês. Isto é um tanto inevitável, já que a literatura mundial está recheada de clichês, de temas e estruturas que se repetem ad infinitum. Mas esta situação não favorece a inserção de autores inéditos. Precisamos de novidade e originalidade. Enquanto não apresentarmos algo de inovador, permaneceremos à margem do que se faz no resto do mundo. Até onde percebo, os autores de FC são os mais organizados e a Ana Cristina Rodrigues, através do Clube de Leitores de Ficção Científica, tem conseguido agregar autores e leitores. Há também as publicações como a Black Rocket, a Scarium, e a editora "Fábrica dos Sonhos". No gênero do Terror, há a galera da Necrozine e da Tarja Editorial. Existem alguns outros esforços isolados...

Fique a vontade para as suas últimas palavras?



Se alguém conseguiu sobreviver até esta última pergunta, então segue o que penso: estamos diante dum momento único na História. Vez ou outra, há uma ruptura no fluxo histórico e conceitos obsoletos são substituídos por outros. Por isto, temos de estar preparados. A internet é uma ferramenta valiosíssima para os novos autores, nunca antes uma pessoa comum, como eu ou você, teve em seu poder o mecanismo para falar diretamente às outras pessoas. Antes, para atingir as massas, era preciso passar pelo crivo dos grandes aparelhos midiáticos - TV, rádio, cinema. Hoje, qualquer um, desde que tenha algo de interessante para falar, pode chegar a milhões de pessoas através de algo tão simples como um blog. Este é um poder que não pode ser menosprezado. Há alguns anos, para um autor desconhecido, o fato de não conseguir ser publicado por uma editora comercial era o fim da estrada. Hoje, há blogueiros com mais leitores do que best-sellers; tem gente que vive apenas com a renda de seus blogs. Não consigo pensar em maior liberdade literária do que esta: você sendo o autor, o próprio editor e atingindo diretamente seu público-alvo. Não existe época mais propícia para um bom escritor. 

Disponível em Contos Fantásticos

Escritor na Mídia - Comunica Tudo

Henry Alfred Bugalho, 28 anos, é graduado em Filosofia e especialista em Literatura e História, é autor de quatro romances, do best-selling "Guia Nova York para mãos de vaca”. Escritor colaborador em alguns sites, nasceu no Brasil e hoje vive em Nova Iork. Em entrevista fala sobre a Oficina Editora, Samizdat, propriedade intelectual, literatura e outros assuntos.
Marcelo Augusto D’Amico – Primeiramente, é com enorme satisfação que faço esta entrevista. Tenho muitas perguntas, mas selecionarei algumas, caso contrário esta entrevista se tornará um livro (risos). Comecemos pelo "Guia Nova York para mãos de vaca”, com matérias publicadas no Globo, portal Terra, enfim: como foi a repercussão do Guia e como surgiu a idéia do formato em livro?
Henry Alfred Bugalho – Ao contrário dos meus outros livros, o guia de Nova York foi obra do acaso. Eu mantenho blogs desde 2004, mas a maioria sempre permaneceu naquele limbo dos blogs, alguns poucos leitores fiéis e muitos perdidos que chegam lá acidentalmente. Mudei-me para Nova York em 2006 e logo descobrimos, eu e minha esposa, que aquele papo de que Nova York é a cidade mais cara do mundo era um mito. Desta descoberta, surgiu a idéia de criar um blog para contar nossas descobertas sobre esta cidade maluca, voltado para aquele turista que sabe qual é o valor do dinheiro. Então comecei a falar de museus, restaurantes, passeios, lojas, ou qualquer outro assunto que se encaixasse no perfil do viajante econômico, denominado por nós como "mão-de-vaca". Após um ano mantendo o blog, os leitores insistiam para que nós lançássemos um guia, compilando as dicas que já estavam no blog. Quando demos uma olhada no conteúdo que possuíamos, o livro estava praticamente pronto. Só adicionamos mais algumas dicas e mandamos para a gráfica.
No entanto, a primeira grande dúvida nossa foi: tentar publicar por uma editora comercial ou por conta própria?
Entramos em contato com as editoras e algumas demonstraram interesse, no entanto, apenas para testarmos a repercussão, lançamos também uma edição independente e o sucesso foi tão grande e inesperado que desistimos de publicar por uma editora comercial, e isto por duas razões principais: 1 - poderíamos continuar divulgando o material através do blog, sem custo algum para os leitores; e 2 - o nosso lucro é muito maior, enquanto que com uma editora comercial nosso lucro seria de 10% do preço de capa, com a venda dos e-books nosso lucro é de 100%.
Assim, o blog se tornou a vitrine do guia, e quem o adquire sabe muito bem o que está comprando.
Apesar de ter começado como um projeto despretensioso, logo descobrimos que o "Guia Nova York para Mãos-de-Vaca" estava suprindo um nicho quase inexistente no Brasil e isto é, em boa parte, o segredo de sua aceitação.
MAD – Além do Guia, você também participa da revista Samizdat: como surgiu o projeto? E mais, no blog, o texto “Por quê Samizdat?” lembra algo de Foucault e Adorno (autores que estou lendo agora). Existe alguma relação teórica na concepção da revista?
HAB – A Revista SAMIZDAT é a terceira etapa duma idéia que começou numa comunidade do Orkut, a "Escritores - Teoria Literária".
A verdade é uma só: todo escritor quer ser lido. E a internet propiciou a uma legião de autores que jamais seriam lido em outra época a oportunidade de mostrarem seus trabalhos. Antigamente, os textos de autores inéditos iam para o fundo da gaveta e de lá para o lixo; hoje, eles vão para um blog, ou para um site de relacionamentos. Por isto, ficou muito difícil para o leitor separar o joio do trigo; são tantas as opções, que acabam sendo opção nenhuma. Quando criei aquela comunidade do Orkut a intenção era evitar esta mendicância literária - "leiam-me, por favor!" -, lá, só poderia haver debates sobre o fazer literário, sobre como escrever bons textos. No entanto, após algum tempo, percebi que apenas isto não bastava, por isto abri uma segunda comunidade, para realizarmos uma espécie de oficina literária virtual, onde poderíamos escrever e analisar os textos uns dos outros. E o nível foi tão espantoso, com autores tão talentosos e com uma produção tão diversa - pois lá há autores de vários estados brasileiros e de várias cidades portuguesas -, que concluímos que precisávamos expor os resultados para outras pessoas. Foi quando surgiu a SAMIZDAT.
O nome da revista foi selecionado através duma votação. Eu o propus após ter lido uma biografia sobre Alexandr Solzhenitsyn e como ele, durante os tempos da repressão soviética, distribuía seus romances através de publicações clandestinas, conhecidas como samizdats. O princípio era simples, qualquer um que recebesse um samizdat - que poderia ser ficção, crônicas, ou crítica ao governo - deveria fazer uma cópia, ou cópias, e passar adiante. Então as samizdats se proliferavam pelo submundo da USRR, através de cópias datilografadas ou mimiografadas.
A relação que você estabeleceu entre Foucault, Adorno e a SAMIZDAT procede, pois hoje não estamos, pelo menos no Brasil e em Portugal, sob um regime repressor, mas estamos dominados por um processo de exclusão determinado pura e simplesmente pelas leis de mercado.
Vende? Então é publicável.
Só que existe um problema sério neste raciocínio: como saberemos se uma obra literária é vendável se ela não for submetida ao crivo popular?
Então a Indústria Cultural acaba por se auto-alimentar, sempre arriscando em assuntos, gêneros e autores confortáveis, cujo retorno financeiro será certo, vetando assim qualquer renovação.
A proposta da SAMIZDAT é a proposta da própria revolução cultural que tem surgido através da internet: esta renovação das artes tem de vir de fora, tem de surgir pelas mãos de quem está fora do processo. Aquele criador que desde sempre esteve relegado às sombras, agora pode ser visto, conhecido e lido, sem precisar se pautar por princípios mercadológicos. Quem quiser ler, leia, é de graça; e é de altíssima qualidade!
MAD – Um livro podendo ser comprado ou “baixado” gratuitamente na internet, como por exemplo “O Covil dos Inocentes”, faz alguns escritores encararem esta atitude como um “suicídio financeiro” do autor. Esta também é a proposta da “Oficina Editora”. Você acha que um formato pode prejudicar o outro?
HAB – Este é um problema sério e algo que as novas gerações de escritores terão de solucionar.
Tanto "O Covil dos Inocentes" quanto o "Guia Nova York para Mãos-de-Vaca" partem do mesmo fundamento: a cultura deve ser livre. Ambos podem ser lidos gratuitamente em blogs, mas há uma única diferença, o e-book do guia é comercializado, o e-book do romance é baixado gratuitamente.
Isto não é por acaso.
Quando um autor desconhecido escreve um romance, ele está buscando um espaço entre vários outros autores conhecidos e milhares de outros desconhecidos. São muitas obras para poucos leitores, então as editoras fazem uma primeira triagem, as livrarias uma segunda, e, por fim, o leitor é quem decide. Agora, imagine a seguinte cena: numa prateleira há um livro meu, outro do Paulo Coelho e um terceiro de Luís Fernando Veríssimo. O leitor não me conhece, mas conhece muito bem aos outros dois. Qual será a dúvida dele: Paulo Coelho ou Veríssimo? O autor desconhecido está fora do páreo. O leitor tem uma expectativa, e ele escolherá aquele livro que provavelmente a suprirá. Ele não tem como saber se a obra do autor desconhecido é tão boa, ou melhor, quanto as dos outros autores.
Eu até tentei vender "O Covil...", mas só conseguir vender 2 exemplares. Livro custa caro; o leitor não vai se arriscar. No entanto, desde que disponibilizei o e-book para download gratuito, foram baixados quase 300 exemplares num curto espaço de tempo. E teve leitor me contatando para elogiar a obra. Quer dizer, neste caso, "suicídio literário" seria tentar competir em pé de igualdade com quem já é estabelecido.
Já o guia de Nova York, ele é único em língua portuguesa, não há nada parecido com ele no mercado. Logo percebi que eu poderia torná-lo rentável. Além disto, houve uma lógica muito básica nisto tudo: "um indivíduo vem a NY para fazer turismo. Ele vai gastar tranqüilamente 3 ou 4 mil dólares na viagem, que mal vai lhe fazer gastar 12 reais num livro que pode cortar seus gastos pela metade?"
Ou seja, no final das contas, eu vendo o que é vendável, assim posso distribuir gratuitamente o que ainda não é. E mesmo se um dia for, pela minha experiência, livre acesso à informação e à cultura só ajuda na comercialização duma obra.
A Oficina Editora é, de certo modo, uma expressão disto. Os autores que fazem parte dela sabem das dificuldades de se vender um livro, mas também não querem abrir mão de serem lidos. É uma troca: um livro gratuito por um pouco de atenção do leitor. Talvez, este mesmo leitor seja aquele que comprará um livro nosso quando este estiver na livraria. Assim, a dúvida será: o livro do Paulo Coelho, do Veríssimo ou o meu?
MAD – Ainda relacionado ao mundo virtual, existem muitos debates sobre direitos autorais, Creative Commons, propriedade intelectual; principalmente questionamentos sobre dispor uma obra na internet e ficar desprotegido de seus direitos de autor. O que você pensa deste assunto?
HAB – O momento em que estamos é duma crise paradigmática. Em breve, muitos daqueles conceitos que nos eram patentes se tornarão obsoletos. Os direitos autorais, ou melhor, os copyrights, foram criados para proteger o autor, para resguardá-los em seus direitos sobre a obra literária, isto numa época em que o mundo editorial era um "oba-oba". Vale lembrar que o próprio Cervantes foi plagiado. No entanto, os copyrights acabaram se tornando uma arma para excluir uma parcela gigantesca da população de ter acesso à cultura. O que era uma proteção do criador, tornou-se uma maneira de penalizar os leitores e aumentar o lucro das editoras. Tudo passou a ser dinheiro, dinheiro, dinheiro.
Mas a era digital inaugurou uma nova mentalidade.
A primeira grande mudança tem sido a relação entre produtor cultural e receptor. Anteriormente, os limites eram muito distintos. Havia os produtores, no topo duma pirâmide cultural; eles determinavam o conteúdo, o que as pessoas queriam consumir. Agora, qualquer um é um produtor cultural. Fulano vai no youtube e põe um filme caseiro; cicrano vai no blog e posta um conto; beltrano grava um mp3 caseiro e milhões de pessoas ouvem sua música. Está havendo uma democratização da arte, não apenas no sentido de acesso a ela, mas de possibilidade de todos se tornarem também criadores.
A segunda mudança tem a ver com os modos de divulgar o trabalho. Antes, para um autor inédito, a única saída era distribuir o manuscrito entre amigos. Com a internet, qualquer um pode ser visto por milhares de leitores numa questão de segundos. E esta interatividade é crucial em nossos tempos. Os escritores sempre reclamaram que a escrita era um ofício solitário. Hoje, não é mais. O autor que não dialoga com seus leitores, que não respeita seus comentários, que não tentar compreender seus anseios, está fadado.
E a terceira, e talvez a mais importante, está se instaurando uma nova relação entre o autor e sua obra. Os escritores aos poucos estão começando a perceber que não são donos de seus textos, que o que fazem pertence a uma grande trama de outros textos, de outras referências, mais ou menos aquilo que Foucault chamou de "a morte do autor". E esta noção de que "o que é meu, também é de todos" está gerando uma rede de produção coletiva e a Wikipédia talvez seja o maior exemplo disto. São milhares de pessoas colaborando para criar uma gigantesca enciclopédia, e ninguém ganha nada com isto, nem mesmo notoriedade. É um anonimato colaborativo que permite o surgimento de algo grandioso.
Ou seja, nós estamos no olho do furacão. Todas estas mudanças ainda nos causa aporia, enche-nos de questionamentos. Estamos vendo a queda dos velhos paradigmas, mas ainda não podemos vislumbrar quais serão os novos. Certamente que o autor do futuro breve terá de encontrar novas formas de gerar renda, talvez através de anúncios publicitários (que têm migrado da mídia impressa para a internet), ou através de patrocinadores. Mas algo mudará, e seremos talvez menos ambiciosos, mais conscientes da nossa pequena participação numa enorme engrenagem cultural.
A cultura que se originará deste processo estará em oposição à cultura de massas, não será mais algo voltada para todos, mas sim para nichos, para pequenos grupos, para pequenas comunidades. Todos terão de encontrar seus leitores, e todos terão de encontrar também seus autores.
MAD – Costumo abordar com escritores a falta de hábito da leitura nos brasileiros. Você, como morador da “Big Apple”, nota diferença entre Brasil e EUA neste aspecto?

HAB – Eu escrevi um artigo sobre isto, chamado "O Medo do Livro". No Brasil, os programas de alfabetização surgiram simultaneamente ao advento da TV. O brasileiro possui uma TV em casa, mas nunca leu um livro na vida. Estamos diante duma competição desigual. E livro é um artigo de luxo, custa caro, é um entretenimento com prazo de vencimento (o ponto final) e individual. A TV é coletiva e sempre apresenta novidades.
Nos EUA e na Europa, por outro lado, as revoluções tecnológicas na área de cultura ocorreram aos poucos. Primeiro a imprensa, depois o rádio, o cinema, a TV, o videocassete, a internet, e assim por diante. Foram etapas, e quem aderiu a uma não perdeu o hábito da outra. E as empresas investem pesado para não perder seus consumidores. Livro nos EUA é baratíssimo - algo em torno de 10 dólares -, se você comprá-lo num sebo, pode sair por centavos. Eu, em pouco mais de dois anos, tenho mais livros do que nos 26 anos que vivi no Brasil. Aqui, cultura não é inacessível. Você vai num biblioteca pública e pode emprestar até 30 livros duma só vez, e tem uma biblioteca por bairro. Quer dizer, há uma infraestrutura cultural que abarca desde quem tem grana até quem não tem. Isto facilita o acesso.
Além disto, os americanos já compreenderam que você tem de saber qual é o seu leitor, e por isto existem linhas editorais para vários segmentos da sociedade: para negros, para homossexuais, para mulheres, para estrangeiros. Deste modo, a leitura passa a se tornar também um posicionamento ideológico, uma demonstração de identidade.
MAD – Hiperficção: constitui-se de histórias repletas de bifurcações e com várias escolhas de seqüência narrativa. Você já se aventurou por este gênero, e como fica o processo de criação num gênero não linear de história?
HAB – Eu arrisquei neste formato por um breve período, mas o planejamento duma narrativa longa é algo extremamente complexo. E o público é muito limitado. Acaba não valendo muito o esforço, no final das contas.
Cheguei até a escrever um manifesto para defender o formato, mas descobri que eu estava sendo ingênuo, pois acreditava que ninguém mais estava se arriscando em produzir hiperficções. Recentemente, li um livro teórico de Aarseth sobre aquilo que ele batizou de "literatura ergódica", ou seja, aquela literatura que rompe o fluxo tradicional de leitura - e a hiperficção é uma forma de literatura ergódica - e descobri que isto tem sido feito por milhares de anos. O I-Ching é usado como um exemplo, um livro que é consultado através dum oráculo e que não foi feito para ser lido de cabo a rabo.
A internet provou ser um ambiente bastante propício para a criação de hiperficções, pois é um universo tridimensional, ao invés da "bidimensionalidade" do livro físico. Atualmente, estou escrevendo um romance não-linear, mas não ando muito motivado...
MAD – Quais autores ou livros, para você, são essenciais na literatura? Quais obras você considera geniais?
HAB – Esta é uma pergunta muito difícil. Eu posso pensar nos autores que são "essenciais para mim", mas a lista é tão grande que eu nem saberia por onde começar. Mas só para citar alguns: Jorge Luis Borges, Kafka, Dostoievsky, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Pushkin, Balzac... Posso dizer que, na minha vida, existem três abismos literários, que são aquelas obras que mudaram minha concepção de literatura: "Ulisses" de James Joyce, "Ficções" de Jorge Luis Borges e "O Livro do Desassossego" de Fernando Pessoa. Para mim, é muito difícil criar tendo tais sombras sobre mim. É uma luta página após página.
MAD – Por fim, agradeço muito por esta entrevista, e gostaria que deixasse aqui seus principais endereços para quem quiser lhe conhecer mais.
HAB – Só de blogs eu tenho quase uma dúzia (risos). Bem, o trabalho literário que mais me tem dado satisfação é a Revista SAMIZDAT (www.samizdat-pt.blogspot.com). Há o meu blog no qual traduzo algumas dicas para escritores iniciantes e posto ensaios meus, que é o "Blog do Escritor" (www.blogescritor.blogspot.com) e o meu pessoal, com contos, "Miríades" (www.miriades.blogspot.com). Por fim, mas não menos importante, é o meu trabalho mais distante da Literatura e o que mais tem rendido frutos, o "Nova York para Mãos-de-Vaca" (www.maosdevaca.com). Há outros, mas ficam pra próxima...
E eu sou quem agradece pela atenção, Marcelo.

Sunday, July 17, 2011

Escrevendo Ficção com Gotham Writer's Workshop

Depois de alguns anos haver traduzido o curso "Escrevendo Ficção com Gotham Writer's Workshop", eu finalmente criei vergonha na cara e reuni todas as lições do curso num arquivo .PDF.

Quem quiser ler ou reler o curso, poderá fazê-lo através dos seguintes links.

Calaméo


Recanto das Letras
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/3101353

E façam bom proveito!
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