Thursday, February 28, 2013

Não, obrigado!, de e. e. cummings


Depois de fracassar quatorze vezes, Cummings desistiu e recorreu à sua mãe. Ela lhe deu 300 dólares, com os quais ele convenceu o impressor Samuel Jacobs a publicar o volume em sua própria gráfica, a Golden Eagle Press. O título foi mudado de 70 poemas para Não obrigado (No thanks), em alusão às educadas recusas das editoras. Como golpe de misericórdia, Cummings incluiu na página de dedicatória do livro um poema concreto, organizando as quatorze editoras na forma de uma urna funerária:

Não
Obrigado
para
Farrar & Rinchart
Simon & Schuster
Coward-McCann
Limited Editions
Hancourt, Brace
Random House
Equinox Press
Smith & Haas
Viking Press
Knopf
Dutton
Harper's
Scribner's
Covici-Friede

***
Edward Estlin Cummings, usualmente abreviado como e. e. cummings, em minúsculas, como o poeta assinava e publicava, (Cambridge, Massachusetts, 14 de outubro de 1894 — North Conway, Nova Hampshire, 3 de setembro de 1962) foi poeta, pintor, ensaísta e dramaturgo americano. Tendo sido, principalmente, poeta, é considerado por Augusto de Campos um dos principais inovadores da linguagem da poesia e da literatura no século XX. (Wikipédia)

Thursday, February 21, 2013

Nunca ganhei um concurso literário


Nunca ganhei um concurso literário, mas também nunca fui um concurseiro fervoroso.

Talvez no começo da minha carreira de escritor, quando eu ainda acreditava em duendes e Papai Noel, arrisquei-me mais, enviando contos para algumas dúzias de concursos.
Um deles apareceu numa antologia, custando-me 50 reais para incluí-lo lá. Outro deles ficou em sexto lugar num concurso do Paraná. Mas ganhar mesmo, nunca.

Perder nestes concursos literários vagabundos, que pagam pouco ou nada, nunca me irritou muito. O que me incomodava para valer era perder nos grandes, naqueles prêmios apetitosos valendo alguns milhares de reais.
Lembro-me como se fosse hoje quando participei pela primeira e única vez do Concurso Cruz e Souza (então, pensava que se chamava Souza Cruz, sem entender bem a relação entre uma fábrica de cigarros e o mundo literário). Enviei uma antologia de contos e aguardei ansioso pelo resultado, com premiação de 60 mil reais.
Na época, não tinha muito senso crítico para avaliar meu próprio trabalho, assim julgava como ótimos aqueles contos péssimos.
Revoltei-me ao descobrir o nome do ganhador: Miguel Sanchez Neto, um autor já estabelecido.

Foi o primeiro momento que constatei que, nestes prêmios grandes, participam de escritor mendigo a best-seller. E, geralmente, são os figurões que levam a bolada.

Mais recentemente, fui um das centenas de escritores que enviaram obras para o concurso "Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros", promovido pela revista britânica Granta. Eles escolheriam os 20 melhores autores e, mesmo sabendo que não sou uns dos 20 melhores, talvez nem um dos 300 melhores (mas possivelmente entre os 3 mil melhores), lancei a sorte com um trecho de um romance experimental.
A minha expectativa era a de que, nesta seleção, houvesse algum tipo de chacoalhão no establishment, uma renovação no cenário, a descoberta de alguns grandes talentos ocultos, tudo que o mundo da literatura brasileira sempre anseia.
Mas não! Sempre o óbvio, sempre esta insuportável obviedade.

Ontem, saiu o resultado do concurso Benvirá, da editora Saraiva, com prêmio de 30 mil reais e publicação do livro.
Ano passado, este mesmo concurso descobriu um promissor autor estreante e, provavelmente, vários estreantes viram aí a oportunidade. 30 mil reais não é pouca grana, ainda mais para um escritor. Se um autor ganhar 3 reais por cada exemplar, ele precisa vender 10 mil livros para angariar este montante.
10 mil livros é uma vendagem excelente mesmo para vários autores conhecidos, ainda mais para um estreante.
Só que, neste ano, o establishment venceu uma vez mais, optando por um veterano.

Quando você descobre o número de obras que este concurso recebeu, 1500 originais, a primeira coisa que se pensa é: "quem é o filho da puta que consegue ler mil e quinhentos originais?"

Eu não consigo. Num ano bom, leio uns 30 ou 40 livros, mas, no geral, se houver lido uns 12 já estou no lucro.
Então surge a desconfiança. Algum jurado conseguiu ler e analisar com atenção cada um destes quase 2 mil manuscritos? E mesmo se descartássemos aquelas obras realmente mal escritas, sobrando, digamos, umas 200, ainda assim, quem conseguiria lê-las todas?

O problema dos concursos literários é que não eles têm transparência alguma. Quem determina quais são os 20 ou 30 melhores livros dentre 2 mil? Quais são os critérios? O que eles estão procurando?

Ninguém sabe, e ninguém jamais saberá, pelo menos não deste lado dos escritores.

Ainda estou aguardando o resultado de alguns concursos grandes este ano, certo que também não ganharei. Agora, se ocorrer a improbabilidade matemática de eu levar algum destes prêmios, vocês serão os primeiros a saber.
Contudo, talvez tenhamos de esperar mais umas duas ou três décadas para isto, pois concursos literários parecem ter uma estranha atração por veteranos.

Saturday, February 16, 2013

Tenho de fazer faculdade de Letras para ser escritor?


Se você sonha em tornar-se um escritor e está em idade de fazer vestibular, talvez esteja naquele dilema: se eu cursar Letras, isto me ajudará a ser um escritor melhor?

Bastante populares nos EUA, os Cursos de Escrita Criativa destinam-se especificamente para a produção literária e envolvem o estudo de técnicas e gêneros literários, construção de personagens e enredo, como funciona o mercado, muitos trabalhos de escrita e também a leitura de clássicos da Literatura.
Muitas vezes, para a conclusão do curso, o aluno deve apresentar um livro concluído, seja romance, de contos ou de poesia. Caso deseje prosseguir no meio acadêmico, existem mestrados e doutorados em Creative Writing, geralmente envolvendo também a escrita de obras integrais, bem como uma breve dissertação sobre elas.
Todavia, no Brasil, existem pouquíssimos destes cursos voltados para formar escritores.

Portanto, não confunda uma faculdade de Letras com uma de Escrita Criativa. A primeira formará um professor de Português ou Literatura, enquanto a outra fornecerá ferramentas para a consolidação de uma carreira literária.

Qual é a estrutura do Curso de Letras?

Se você analisar a grade de disciplinas de um curso de licenciatura em Letras - Português de qualquer universidade brasileira, você logo perceberá que a ênfase é sobre o estudo das obras da Literatura em Português, Linguística e Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa, ou seja, como dito anteriormente, é uma formação voltada para quem deseja se tornar professor de Português ou Literatura, ou talvez um crítico literário.

Num curso de Letras, você aprenderá como ler, interpretar e analisar clássicos da Literatura e, eventualmente, algumas obras mais modernas.
As universidades brasileiras foram influenciadas profundamente por correntes francesas, isto significa que há uma tendência a um viés estruturalista na leitura destas obras, ou seja, uma análise da composição interna da obra literária e como ela se relaciona à produção de sua própria época, o que se entende como uma análise sincrônica, tal como vemos em Roland Barthes, Greimas e Todorov, em oposição a uma análise diacrônica, isto é, que relaciona as obras literárias ao longo de seu percurso histórico, dialogando ou contrapondo-se à tradição ou à própria sociedade que permitiu o surgimento delas, como vemos em Bakhtin e Lukács.
De qualquer maneira, a aproximação às obras literárias dependerá exclusivamente da formação e orientação dos professores e também de sua própria inclinação de pesquisa.

Isto pode me ajudar a escrever melhor?

Um curso de Letras, e a Universidade em geral, tem efeitos muito diferentes em cada aluno. Por isto, é impossível prever como a formação universitária afetará sua escrita literária.

O que vejo frequentemente é que o curso de Letras costuma ser muito mais nocivo do que benigno para a escrita, por várias razões:

1 - a formação universitária é restritiva por sua própria natureza, coagindo os alunos à especialização, ao domínio de um único tópico, obra ou assunto, ao "recorte".

2 - a crítica acadêmica possui um método muito mecânico, e por vezes estéril, para destrinchar as obras literárias. Se o escritor incorporar este método na composição ou avaliação de sua própria produção, pode-se sentir constrangido em sua liberdade criativa.

3 - a academia trabalha, geralmente, com o cânone literário, isto é, com aqueles livros consagrados pelo tempo. Todo o esforço de conhecer e compreender a contemporaneidade, quais são as tendências atuais, as temáticas, as inovações, dependerá exclusivamente do escritor. Frequentemente, os cursos de Letras não estão preparados para compreender o hoje.

4 - o jargão e a terminologia acadêmica, bem como a produção de trabalhos acadêmicos, seguem parâmetros bastante específicos e que não dão margem para liberdade estilística. Isto pode ser frustrante para um escritor literário.

Posso dizer que conheci muitas pessoas que entraram num curso de Letras crendo que isto as tornaria escritores melhores, e não apenas perderam o prazer na escrita literária quanto na própria leitura.
Mas isto está longe de ser uma regra, o que funciona para alguns, não funciona para outros.

O que estudar, então?

Veja bem, nada o impede de cursar Letras e aprender muito com isto, de maneira que sua escrita se aperfeiçoe neste processo. Há alguns casos de grandes escritores que cursaram, total ou parcialmente, Letras.
James Joyce é um dos célebres autores formados em Letras, enquanto Fernando Pessoa é o exemplo clássico de um escritor que desistiu deste curso.

No entanto, ao verificarmos as biografias de vários grandes autores, constataremos que a formação universitária não possui nenhuma relação com a qualidade de escrita.
Pushkin era médico, Kafka era advogado, Camus era formado em Filosofia, Guimarães Rosa era médico e diplomata.

Ernest Hemmingway (à esq.) durante a Segunda
Guerra Mundial
Por outro lado, a listagem de grandes autores sem nenhum tipo de formação universitária é imensa.
Hemmingway, Bukowski, Cortázar, Proust ou Henry Miller jamais concluíram ou cursaram uma faculdade.
Já Borges, Mark Twain, Saramago, Bernard Shaw e Machado de Assis praticamente não tiveram educação formal alguma, e isto não os impediu de incluírem seus nomes nas galerias da História, obviamente por esforço próprio para se aperfeiçoarem.

Inclusive, penso que uma formação, universitária ou da vida, que não tenha relação direta com Letras poderia contribuir muito mais para um escritor, como experiência, do que restringir-se ao mundo autorreferencial da Literatura.
Colecionar histórias, observar as pessoas, conviver com povos e culturas diferentes ampliarão o seu repertório de narrativas possíveis, permitindo-lhe uma penetração mais profunda na alma do ser humano.

Como na inesquecível recomendação de Hemmingway: "para poder escrever sobre a vida, primeiro você deve vivê-la".

Sunday, February 03, 2013

Os 7 piores finais possíveis para uma história


Você começou a escrever sua história, desenvolveu-a, criou seus personagens, as reviravoltas e tudo o mais.

Agora, você chegou, enfim, ao momento decisivo: daquele desfecho inesquecível.

Alguns teóricos americanos de roteiros afirmam que os dois momentos mais importantes de uma narrativa são o início e o final.
O começo porque será quando você convencerá os demais a continuarem acompanhando sua história.
O desfecho porque será a impressão definitiva que as pessoas levarão da sua trama.

Assim como ocorre com os inícios, muitos autores acabam recorrendo ao óbvio, em parte pelo medo de arriscar, mas também por acabar imitando tantas outras histórias que já viram por aí.

Abaixo, você encontrará vários tipos de finais recorrentes, que vemos nos livros, no cinema, nas novelas, até cansarmos. Evite-os, se puder, ou renove-os, se considerar necessário, mas, por favor, fuja dos clichês, pois nem você, nem seus leitores ganham com isto.

1 - Felicidade eterna


Mocorongo e Tansinha se abraçaram e se beijaram com a luz do sol poente abençoando o amor deles. Haviam passado por muitos desafios e dificuldades, mas agora estavam confiantes que nada jamais os separaria. O laço que os unia era maior do que tudo.
FIM

Esta é uma das heranças dos contos populares adaptados pela Disney.
Após muitas desventuras e perigos, o mocinho ou a mocinha conseguem superar todos os obstáculos, vencer os inimigos e, no final, tudo se resolve, com a promessa de serem "felizes para sempre".

Isto não quer dizer que uma trama não possa ser concluída num tom alegre, que eleve seus leitores. Inclusive, este tipo de final otimisma costuma ser um dos favoritos, pois, pelo menos, nos dá alguma esperança de felicidade neste mundo tão maluco.

O equívoco, ao meu ver, é a ilusão de que, com a solução dos problemas propostos naquela história particular, todos os problemas futuros também estariam resolvidos.
Felicidade é uma coisa, "felizes para sempre" é outra bem diferente.

2 - tudo não passou de um sonho/delírio


Zé-Ninguém despertou assustado, todo suado e trêmulo. Aquela série inacreditável de eventos havia sido apenas um terrível pesadelo, apesar de ter sido aparentemente tão real. Ele se beliscou, para constatar se realmente havia despertado.
Então, sorriu, levantou-se, vestiu os chinelos e foi até o armário para se trocar. Já amanhecia e ele precisava ir ao trabalho.
Um pesadelo, somente um pesadelo, cuja lembrança ele carregaria consigo durante muito tempo.
FIM

Este recurso, além de ser completamente amadorísco, é também muito irritante.
Concluir uma história com o personagem despertando de um sonho ou recuperando-se de delírio demonstra que o autor perdeu as rédeas do enredo em algum momento, permitindo absurdos tão absurdos que, no final, a única alternativa que resta é recorrer ao sonho, onde tudo é possível.

Se você gosta de tramas absurdas ou surreais, o melhor que pode fazer é levá-la até as últimas consequências, sem escorar-se numa técnica flácida e sem graça.
Fazer seu personagem acordar no final de um livro é quase tão insosso quanto fazê-lo despertar na primeira página, na verdade, é até muito pior, pois você conduz um leitor por páginas e mais páginas, convencendo-o a suspender a descrença, ou seja, levando-o a acreditar no mundo que você está criando, para, depois, jogar nele um balde de água fria.

Seja honesto com seu leitor.

3 - Múltiplas personalidades


O psiquiatra surgiu com uma pasta debaixo do braço, sentou-se diante do delegado e afirmou: 
– Sei que você adoraria culpar o Jeca por todos estes crimes, porém, o verdadeiro culpado é o Tatu. 
– E quem é Tatu? 
– Um desdobramento da personalidade de Jeca, sobre o qual ele não tem controle. Quando Tatu assume o domínio do consciente, ele é capaz de realizar as maiores atrocidades concebíveis. Tatu é o assassino! 
Jeca e Tatu, estas duas facetas de um mesmo homem, passariam o resto de seus dias num hospital psiquiátrico, envoltos num diálogo inaudível e secreto.
FIM

Há muito tempo, autores medíocres têm usado o transtorno de múltiplas personalidades (ou transtorno disassociativo de identidade) para explicar atos inexplicáveis de seus personagens.
No entanto, bons autores e cineastas também já usaram esta justificativa, de maneira até convincente. Consigo me lembrar de alguns casos, como "O Clube da Luta" de Chuck Palahniuk, "Psicose" de Alfred Hitchcock e "O Médico e o Monstro" de Robert Louis Stevenson.

Apesar de alguns exemplos clássicos, enredos com desfecho envolvendo este transtorno são, geralmente, deprimentes de tão ruins. É uma variação dos finais de sonho/delírio, pois demonstra que o autor não teve muita habilidade para conduzir os rumos da trama.

4 - O protagonista se suicida

Não haveria futuro para Borra-Botas... Sua vida não tinha sentido, ninguém o amava, ele odiava seu trabalho.
Fitou o rio escuro lá embaixo, enquanto os carros passavam atrás dele, iluminando a ponte com seus faróis.
Precipitou-se e, como um pedra, desapareceu no torvelinho das correntes.
Não faria falta a ninguém. A ninguém.
FIM

Este é o extremo oposto do final "felizes para sempre". Geralmente, o desfecho do suicida já indica uma história bastante depressiva, daquelas que nos obriga a digerirmos todas as angústias, enfermidades e traumas de infância do personagem.
Excetuando os casos do suicídio heróico, quando o personagem se sacrifica pelo demais, num último grande ato de bravura, que, convenhamos, também é um baita lugar-comum.
Não existe herói mais insuportável do que aquele que se mata para salvar os outros!

5 - O personagem morre de maneira inesperada e abrupta

O sinal de pedestres se abriu e Azarado começou a atravessar a rua. Foi estraçalhado por um caminhão sem freios, que pôs fim a seus sonhos e ambições.
FIM

Este final, no cinema, significaria que acabou o dinheiro. A produção simplesmente não tinha mais como arcar com os gastos e fez qualquer final para terminar a história.

Na Literatura, pode ser apenas o desleixo do escritor mesmo.
Na vida real, situações sem sentido como esta ocorrem todos os dias. Alguém está tomando um café na cozinha de sua casa, escorrega, bate a cabeça na quina da mesa e morre. Inclusive, estúpidos acidentes domésticos são umas das maiores causas de morte no mundo.
Todavia, a ficção é um mundo à parte, regida por regras próprias e que exige uma certa coerência, o que se denomina de verossimilhança interna.
Alguns teóricos mais radicais afirmam que qualquer cena, diálogo ou personagem devem mover a trama adiante, devem possuir um sentido, devem ter uma razão de ser.
Matar um personagem sem nenhuma causa aparente até pode ser realista, mas, para a ficção, cria um constrangimento no leitor por sua falta de propósito.

Se pensarmos em alguns clássicos da literatura, veremos como a morte do protagonista ou de algum personagem importante pode ser a decorrência lógica da trama, como o assassinato de Josef K. em "O Processo", a morte de Heitor em "Ilíada", ou a de Thomas em "Os Buddenbrooks" representando a decadência final de uma família de burgueses alemães.

Se for para matar algum personagem, que seja de maneira consciente e com alguma finalidade no enredo.

6 - Então veio Deus e resolveu todas as pendengas

(Imagem: William Blake)

O Bonzão havia caído nas garras de seu maior inimigo. Agora seria a morte certa, pois a lança do vilão estava a ponto de ser cravada na garganta do guerreiro.
Então, ouviu-se um som de trombetas e a cavalaria surgiu, com gárgulas terríveis pelos ares e serpentes que brotavam da terra e que, em um só bote, engoliram o vilão.

Vez ou outra, a história fica descontrolada e o autor tenta retomar o poder a todo o custo, recorrendo a soluções tão inacreditáveis que quebram a magia do enredo.
Os gregos – ah, os sábios gregos! – tinham um nome para isto: deus ex machina, isto é, o deus fora da máquina.
Esta é a hora que a mão do escritor pesa demais e ele tenta mudar todas as regras de maneira inesperada.

Lembra-se de quando falamos que um enredo ficcional precisa ter coerência, ter lógica?
É aí que o deus ex machina aparece para estragar tudo. E isto pode significar várias coisas: a chegada de um irmão-gêmeo ou de um personagem surpresa no final, alguma coincidência muito bizarra em favor do protagonista, algum milagre sem sentido, catástrofes naturais sem explicação, ou simplesmente criaturas sobrenaturais que surgem do nada.

O deus ex machina pode se manifestar em vários momentos do enredo, geralmente através de situações impossíveis que comprometem a verossimilhança interna da narrativa, mas um recurso deste no final do livro é imperdoável.

7 - Um bela lição de moral


Lambisgóia havia aprendido que, nesta vida, não devemos maltratar os animais nem os demais seres vivos, pois todos possuem a mesma essência cósmica das estrelas.
FIM

Este é outro resquício dos contos populares, que possuíam uma forte tendência pedagógica, ensinando através de exemplos. "Chapeuzinho Vermelho", "João e Maria", "A Branca de Neve", entre outros, nada mais são que fábulas sobre o bom comportamento, alertando as crianças sobre os perigos de se desobedecer os pais e os riscos pelo mundo afora, numa clara distinção entre bem e mal.

A não ser que você esteja escrevendo livros infantis, não há necessidade alguma de deixar clara a moral de sua história. Obviamente que sua obra terá um conteúdo ideológico, alguma tese que você estará defendendo, mas isto pode estar (e é melhor que esteja) diluído nas ações e falas de seus personagens.

Você não deve pensar que seus leitores são bestas ignorantes que precisam de tudo mastigado. Você pode criar tramas com sutilezas e refinamento, sem a necessidade de concluir seu livro explicando o que você queria dizer.

Conclusão

Assim como quando falamos dos piores começos, também é possível escolher qualquer um destes piores finais e torná-los bons.
Mesmo com o mais perigoso deles, o deus ex machina; consigo me lembrar do final de "Cem Anos de Solidão", com um evento tão surpreendente e incrível, porém ainda assim coerente no interior da proposta de García Márquez.

Uma vez mais, a capacidade de renovar, reinventar ou surpreender mesmo com os finais mais clichês dependerá da habilidade de cada escritor, no entanto, o que justificaria escrevermos as mesmas histórias, com os mesmos desenvolvimentos e os mesmos finais sempre?

Talvez um dos maiores méritos da Literatura seja esta possibilidade inesgotável de surpreender, apresentando-nos mundos extraordinários e, ainda assim, convencer-nos que tudo aquilo ali, que se transcorre em páginas e mais páginas, poderia ser tão real quanto o mundo concreto em que vivemos, dentro de suas próprias regras ficcionais.
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