Tuesday, January 29, 2013

Ler me tornará um escritor melhor?


Acho que muitos esperam uma resposta óbvia, como se eu houvesse acabado de fazer uma pergunta capciosa.

Todavia, o que parece ser senso comum, que todo escritor precisa ler muito, ao observarmos friamente, não é tão evidente assim.

Portanto, a resposta para a indagação "ler me tornará um escritor melhor?" é dúbia.

Sim... e não.

Ler ajuda a escrever?


As quatro competências da comunicação - fala, compreensão, escrita e leitura - são relativamente independentes, apesar de estarem interrelacionadas.

Só para contextualizarmos, é completamente plausível pensarmos em um sujeito que compreenda a linguagem falada, mas que não consiga comunicar-se bem oralmente, ou que seja capaz de ler livros, mas que não consiga escrever uma única palavra.

Qualquer um que já tenha aprendido uma língua instrumental, tal qual ensinada em várias universidades, possui um grau de competência de leitura de uma língua estrangeira, mesmo que não seja capaz de compreendê-la oralmente, de falar ou escrever neste idioma.
Neste caso, temos alguém que domina uma das competências, mas não as demais, ou seja, ser capaz de ler não contribui, de maneira alguma, na habilidade de escrita.

Ler não o ajudará a escrever melhor.

Escrever é que o ajudará a escrever melhor.

A relação entre leitura e escrita


Isto quer dizer que não preciso ler nada para me tornar um bom escritor?

Não exatamente.

Apesar de esta ser uma situação hipoteticamente plausível, na maior parte dos casos alguém se envereda pelo campo da escrita literária porque já gosta de ler.

Escrevo porque adoro ler, e penso que falo pela maioria dos autores.

A leitura não o ensinará a escrever, porém contribuirá em sua escrita de inúmeras maneiras:

1 - enriquecendo seu vocabulário
Na fala cotidiana, utilizamos um repertório muito limitado de palavras e expressões.
Por outro lado, a literatura não é uma mera reprodução da fala, mas um universo linguístico muito mais vasto, no qual podemos expressar ideias, situações, diálogos de uma maneira que não encontramos na vida real.
A melhor maneira para aprender novas palavras e, principalmente, seu uso é através da leitura, bem como da consulta de seu significado num dicionário.

2 - incorporação de enredos
Existe um rol muito limitado de histórias a serem contadas. Vingança, traição, amor, desespero, sobrevivência, viagem, etc. estão presentes na Literatura desde seus primórdios, inclusive, até numa era pré-escritura, quando estas histórias eram narradas oralmente.
Através da leitura de histórias de gêneros variados você assimilará estes diferentes tipos de enredos, compreendendo como eles se desenvolvem.

3 - descobrindo estilos e técnicas
Cada grande autor possui um estilo particular que o distingue dos demais escritores de seu tempo. Frequentemente, o desenvolvimento de um estilo é um processo consciente do autor, que refina seus temas e sua linguagem obra após a outra.
Além disto, existem várias técnicas literárias que contribuem para se atingir certos fins.
Como descrever bem uma cena? Como produzir um bom diálogo? Como desenvolver um personagem cativante?
Estas técnicas e várias outras podem ser aprendidas através da leitura das obras de grandes autores.

O Fantasma da Influência


Por outro lado, a leitura de certos autores pode ter um efeito paralisante em alguns escritores.
Diante de algumas obras aparentemente perfeitas, um escritor iniciante pode se questionar:

O que tenho de relevante para dizer? Jamais conseguirei escrever assim!

Já me senti desta maneira... Várias vezes! Alguns autores são tão estupidamente bons que nós, como escritores, queremos nos encolher num canto e chorar.
Se eu tivesse de reconhecer alguns fantasmas deste tipo, poderia enumerar, sem dificuldade, alguns escritores: Dostoievsky, Kafka, Borges, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Nietzsche...
Alguns livros de certos autores possuem um efeito muito destrutivo no meu processo criativo, a ponto de ficar dias sem vontade sequer de voltar a escrever.
Senti-me assim depois de ler "Trópico de Câncer" de Henry Miller, por exemplo.

No entanto, há aqueles autores que servem como uma brisa de ar fresco, revelando-nos novas possibilidades criativas.
Enquanto lia "Molloy" de Samuel Beckett, tudo em que eu pensava era: "preciso escrever. Preciso escrever!", pois a prosa deste autor era tão solta e liberadora que a cada frase eu tinha novas ideias.
Outros escritores que surtiram em mim efeito semelhante foram James Joyce, Cortázar, Italo Calvino, García Márquez, Bukowski, Thomas Mann e Guimarães Rosa.

Isto não significa que estes mesmos escritores o influenciarão da mesma maneira. Contudo, você só descobrirá quais serão seus fantasmas e seus gênios inspiradores ao lê-los, ao embrenhar-se nos mais diversos tipos de leituras, não apenas naquelas que você gosta ou admira.
Comumente, correr riscos e tentar ler aquilo que você não está habituado pode surtir grandes efeitos positivos.

Conclusão

Repito: ler não o tornará um escritor melhor. Escrever sim.

Todavia, a leitura e a escrita estão profundamente entranhadas. Mesmo se você for um leitor ávido, se não possuir disciplina para escrever diariamente, você dificilmente se tornará um escritor melhor.

A leitura é uma etapa fundamental no processo de aprendizado da escrita, disto não temos dúvida. No entanto, a partir do momento em que você decide se tornar um autor, ler apenas não basta. É preciso ler bem.
Como escritor, você aprenderá a criar personagens, a realizar descrições, a narrar, a fazer com que seus personagens dialogue.
Mas como um leitor, você pode utilizar seu conhecimento para identificar as soluções utilizadas pelos outros autores.

Como Dostoiesvksy estabelece um ritmo narrativo através dos diálogos? Como Milan Kundera utiliza a Filosofia para compôr seus personagens? Como Dickens apresenta e constrói seus protagonistas? Como Joyce desconstrói a linguagem para seus propósitos estéticos?

Estas e várias outras indagações podem - e devem - ser feitas durante suas leituras.

Agora, se você não tem prazer lendo, eu recomendaria que você nem tentasse a carreira literária. Para mim, isto não faz sentido.

Se você não gosta de ler os livros dos outros, também não pode esperar que os outros queiram ler os seus.

Friday, January 18, 2013

Erotismo, para além do sexo


O ser humano sempre tentou se distanciar dos demais animais. Aristóteles afirmava que “o homem é um animal dotado de fala”, mas recentemente se descobriu que várias outras espécies de animais possuem comunicação, às vezes bastante complexas; Marx encontra o cerne da humanidade em seu caráter social, mesmo que também haja intricadas relações sociais entre outros animais; outros intelectuais buscam o “ser humano” na crença em uma divindade, ou na Economia, ou nas Artes — George Bataille, em sua obra “Erotismo”, afirma categoricamente que o homem é um “animal erótico”.

Provavelmente, nenhum destes fatores individuais serve para nos distinguir das demais espécies; talvez tenhamos de pensá-las em conjunto, sendo o homem um animal que, em seu desenvolvimento, agregou uma série de valores e características e, por causa delas, distanciou-se de sua natureza instintiva, a ponto de renegá-la.

Mas nosso objeto de investigação será esta última asserção sobre o erotismo. De fato, o sexo, a cópula, o acasalamento por si não é um ato erótico, é uma prática de reprodução. Apesar de sua relação com o ato sexual, o erotismo e sexo não são sinônimos.

Entende-se o erotismo como uma representação estética do sexo.


Desde muito cedo em nossa História, o ser humano representa o corpo e as funções sexuais; as formas grotescas, exageradas, com que o corpo é recriado através de esculturas ou pinturas pré-históricas, ou durante a Antiguidade, parecem pretender estimular o receptor e excitá-lo, muitas são símbolos de fertilidade, mas várias tendem a apresentar o corpo humano e o sexo como objetos de desejo.

O erotismo, ao contrário do ato sexual, não visa estimular apenas os sentidos, mas principalmente a imaginação. O sexo é um ato físico (e por vezes mecânico) que culmina no gozo e relaxamento; o erotismo é uma prática simbólica, cujo prazer deriva da preparação, do adiamento, da incompletude, do irrealizável e indizível. A excitação proveniente do erótico começa antes do sexo, ou paralelamente, pois prescinde dele, e se estende para depois. Seu objetivo é o prolongamento do estímulo, ao invés da satisfação dum clímax.

Erotismo e tabu

É fundamental compreendermos que erotismo não existe sem tabus.

Os tabus são interdições sociais de atos, palavras, objetos, ou assuntos considerados ofensivos numa comunidade.


O primeiro a trabalhar exaustivamente o tema foi Sigmund Freud (1856-1939); segundo ele, as origens dos tabus são desconhecidas e transcendem o âmbito das religiões, são provenientes, possivelmente, de sociedades pré-religiosas.

O incesto é identificado como um dos tabus universais, ou seja, no cerne das interdições sociais, a primeira delas relaciona-se ao sexo. Apesar de as razões por detrás da proibição do incesto serem bastante pragmáticas, estimular a exogamia (Claude Lévi-Strauss), o que permite um sistema de trocas entre famílias e incentiva uma maior harmonia social, deste primeiro tabu sexual derivaria uma série de interdições: nudez, falar sobre sexo, restrições sexuais, repúdio aos órgãos sexuais, entre inúmeras outras.

Em parte, o apelo do erotismo reside nesta proibição, neste constrangimento em torno da sexualidade, duma prática condenada ao ambiente privado e regida por normas de conduta aceitáveis.

Pornografia e erotismo, ou a historicidade do erotismo

Um dos primeiros problemas que surge, ao se discutir o erotismo, é a eventual distinção entre “erótico” e “pornográfico”.

Via de regra, define-se erótico como aquela representação sutil, ou que subentende o sexo, enquanto que o pornográfico seria uma reprodução crua, ou até exagerada, do coito.

Certamente que nenhuma resposta definitiva pode ser dada sobre o assunto, pelo fato de que o limite entre um e outro situa-se num ponto-cego, num campo bastante discutível.

Na verdade, erotismo e pornografia dependem de três fatores principais: 1 – o fator histórico; 2 – o fator social, e 3 – o fator subjetivo.

Acredito que o fator histórico seja o preponderante na hora de traçarmos este horizonte.


Assim como em outros gêneros, tais quais o terror e o humor, o erótico depende muito do contexto histórico no qual está inserido. Em épocas de maior licenciosidade, como em Roma antiga ou durante os movimentos de liberação sexual da década de 70, erotismo e pornografia tenderam a se aproximar. Por outro lado, a disseminação do Cristianismo, a partir do século I d.C., reforçou um conjunto de condenações morais em torno da sexualidade.

O fator social também está intimamente vinculado ao assunto, pois tanto as classes superiores quanto as mais baixas tendem a ser mais libertinas (pelo que indicam as pesquisas de Alfred Kinsey), seja porque acreditam estar acima das normas seguidas pelos demais, seja pelo desconhecimento ou repúdio a elas. Os intelectuais iluministas atacaram ferozmente, por exemplo, a hipocrisia do clero europeu, que apregoava normas morais, mas que na prática as violavam, ou a aristocracia corrompida e devassa. Deste modo, a compreensão do que é “pornográfico” ou “erótico” também depende do nível social, da formação religiosa (há religiões mais tolerantes ao sexo do que outras), do país de origem e da formação educacional.

Enfim, o fator subjetivo, que provém diretamente dos dois primeiros fatores, é aquele pertinente ao foro íntimo de cada indivíduo, que julga, de acordo com sua própria experiência e vivência, os limites da moralidade.

Deste modo, temos um espectro de interpretações que nos impede de afirmarmos, categoricamente, onde começa e acaba o “erótico”. Enquanto autores como Marquês de Sade, D. H. Lawrence, Nabokov ou Henry Miller foram considerados pornográficos por seus contemporâneos — por vezes até sofrendo sanções, como aprisionamento ou censura —, e em nossa época a literatura deles é erótica (mesmo que possa ser considerada pornográfica por alguns leitores), não temos garantia alguma de que aquilo por nós considerado pornográfico hoje será classificado, no futuro, como erótico.

Arte e erotismo

Nossa primeira conceituação de erotismo estabeleceu um vínculo entre estesia e sexualidade.
Apesar de o erotismo possui várias formas de manifestação, seja cotidianamente, enquanto elemento das práticas sexuais dos indivíduos, ou seja de modos mais extraordinários, como dos êxtases místicos de religiosos (associação feita por Bataille), o meio mais corriqueiro ainda costuma ser através da Arte.

O erotismo está presente no cinema, nas artes plásticas, na fotografia, na dança, na música, na televisão e na literatura. Estamos em constante contato com o erotismo, sendo as artes visuais as principais detentoras deste filão. Cenas eróticas chocam, ao mesmo tempo em que atraem. Anúncios publicitários tendem a associar seus produtos à sexualidade; cenas eróticas na TV aumentam a audiência; na salinha escura do cinema, a cena erótica causa incômodo, todos seguram a respiração, na tentativa de disfarçar a excitação. A imagem possui um poder difícil de ser recriado em outros formatos. A imagem é instantânea, é através da visão que temos o conhecimento imediato do mundo.

No entanto, foi a Literatura que produziu os melhores e mais duradouros resultados.

Um texto erótico não fornece, pela própria natureza da leitura, seus segredos de uma só vez. O leitor precisa explorá-lo linha após linha, palavra por palavra. Esta delimitação permite o autor controlar a excitabilidade do que diz, confere-lhe o poder de ditar o ritmo, de estabelecer como e quando deflagrará o estímulo, a cena erótica.

Alguns preferem uma escrita direta, utilizando um jargão mais vulgar, outros optam pela sutileza, por um léxico eufemístico. A qualidade não reside nestes pólos, mas sim como o autor se articula através deles.
Mas talvez a grande importância do erotismo resida naquilo a que ele se contrapõe: o erótico é a contraparte da normatização imposta a nós pelo trabalho e pela rotina, é uma de nossas válvulas escape.

O erotismo é um momento de libertação; é aquele instante no qual as amarras dos tabus, da moralidade, do permitido, do convencional se afrouxam. Uma vida de puro erotismo seria insustentável, mas uma sem erotismo algum seria insuportável.

Artigo publicado na Revista SAMIZDAT

Tuesday, January 15, 2013

Os 8 piores começos possíveis para uma história


Os americanos acreditam que as 5 primeiras páginas de um livro são fundamentais para conquistarem o leitor e empurrá-lo adiante na leitura.

Não sei até que ponto eles têm razão neste raciocínio, mas um livro com começo monótono geralmente prenuncia um livro com desenvolvimento e desfechos monótonos.
Pelo menos, se a história possuir um início forte, mesmo que perca um pouco o fôlego no meio, ainda assim nos sentiremos tentados a dar-lhe uma segunda chance.

Por outro lado, existem algumas espécies de começos recorrentes, que vemos vez ou outra por aí, principalmente em obras de autores de primeira viagem. Quase sempre, tais começos são equivocados, remetendo-nos a obras de clássicos, de épocas com exigências narrativas distintas das nossas, ou também inspiradas em filmes, com um ritmo também muito diferente da ficção escrita.

Abaixo, seguem 8 começos terríveis para uma história. Evite-os, sempre que puder.

1 - O protagonista (ou qualquer personagem) acorda

O despertador tocou e fulaninho acordou assustado, limpando as remelas e tateando à procura pelo desgraçado do rádio-relógio.

Por favor, eu lhe suplico, jamais comece uma história com um personagem despertando. É tedioso e nem um pouco criativo.
Comumente, estes são inícios que se atém ao pé-da-letra ao paradigma narrativo da Jornada do Herói, quando o enredo principia revelando o cotidiano dos personagens, para depois haver uma primeira reviravolta.
Não há nada interessante em ver alguém acordando e indo escovar os dentes. A não ser que este personagem desperte e descubra que se converteu num inseto repugnante, como em "A Metamorfose" de Kafka, porque aí você já lançou o leitor no abismo do estranhamento, sem nada convencional vindo pela frente.

2 - Descrições geográficas


O casebre se situava no topo de uma bela colina verdejante, vislumbrando o vale florido e um sinuoso riacho que recortava todo o panorama como uma serpente traiçoeira.

Esta é uma estratégia tipicamente novecentista, descrever minuciosamente tudo que possa ajudar o leitor a visualizar melhor a cena.
Iniciar uma história com uma descrição geográfica possuía na literatura do século XIX o mesmo efeito que aquelas cenas de abertura de um filme, quando a câmera sobrevoa o mar, ou uma paisagem estonteante, estabelecendo o cenário no qual a trama se desenrolará.
Todavia, numa história contemporânea, este recurso anuncia que o autor tem uma verve descritiva entranhada e que esta não será a primeira nem a única longa e aborrecida descrição do livro.

3 - Informações metereológicas


Chovia. Violentamente. E o vento açoitava sem clemência a copa das árvores. Há três dias que os habitantes de onde judas perdeu as botas não viam a luz do Sol. Era sempre assim quando o outono chegava, trazendo estas tormentas terríveis e vendavais que destelhavam os galpões.

Novamente uma outra técnica novecentista. Para a literatura deste período, as descrições possuíam uma dupla finalidade, além da óbvia função de tornar uma cena vívida, elas também contribuíam para estabelecer uma relação de causa e efeito: regiões chuvosas são tristes e terras ensolaradas são alegres.

Não é à toa que muitos enterros em ficção ocorrem em dias chuvosos, como se o "mundo chorasse a morte do personagem".

4 - Esmiuçando características de personagens


Beltrano era esguio e sombrio. Tão magro que suas costelas pareciam até que rasgariam a pele de seu tórax. Os olhos fundos nas órbitas e o cabelo comprido e liso, tal qual um metaleiro em fim de carreira. Inclusive, sempre vestia roupas pretas e camisetas de banda. Era doido por Iron Maiden e, sozinho em seu quarto, ele fingia tocar guitarra com o som no máximo, como diante de uma plateia imaginária.

Apresentar seu personagem desta maneira é ruim por duas razões principais: você joga de cara para o leitor uma série de características do personagem que, a princípio, nada dizem de relevante, e também porque você está replicando a segunda finalidade das descrições do século XIX: provar que seu personagem tem tais características porque possui certa personalidade.
A aparência física, como ele se veste e age, seriam reflexos diretos do que ele sente ou pensa. Deste modo, há uma inclinação a reforçar estereóticos, como punks agressivos, gays afetados, norte-americanos imperialistas, e assim por diante.
As pessoas, e por conseguinte os personagens também, são muito mais complexas do que uma série de características enumeradas, como se vistas de fora.
É muito mais interessante desenvolver e mostrar ao seu leitor um personagem através de suas falas e ações do que simplesmente vendo-o e descrevendo-o superficialmente.

5 - As razões para esta história ter sido escrita


Ponderei muito antes de encerrar-me neste quarto silencioso e deitar as primeiras linhas sobre esta folha em branco. Tenho muito para contar, histórias inacreditáveis que vi e vivi e que, agora, relatarei.

O leitor não é imbecil. Se ele comprou e resolveu ler um livro é porque ele sabe que se trata de um livro. O narrador/autor não precisa explicar aquilo que é óbvio.

Também não há necessidade de tentar convencer o leitor prometendo uma história extraordinária. A história deve ser extraordinária por si própria, não por sua promessa, e o leitor deve prosseguir na leitura pelo próprio desenvolvimento da trama, não pela expectativa que algo incrível ocorrerá em algum momento na narrativa.
Principalmente se nada ocorrer...

6 - Árvores genealógicas


Sicrano era o terceiro filho de Zé-Ninguém e Maria-vai-com-as-outras. Esta era uma nobre linhagem de carpinteiros. O mais antigo antepassado conhecido de Sicrano havia entalhado uma das traves da Capela Sistina, o bisavô de Sicrano havia sido um famoso carpinteiro na Itália, antes de emigrar para a América; o avô havia sido carpinteiro, o pai era carpinteiro e Sicrano também seria carpinteiro um dia, honrando o sangue que corria nas veias.

Esta é uma maldição bíblica, passada de geração para geração. Existem várias obras medievais que, logo no primeiro capítulo, iniciam-se com longas árvores genealógicas, particularmente de reconhecidas figuras históricas.
García Márquez brinca com isto em "Cem Anos de Solidão", mas, geralmente, o resultado é pífio. Por isto, evite as genealogias.

7 - O personagem nasce


Nasci numa quinta-feira de manhã. Papai estava no escritório, por isto, quem teve de vir acudir minha mãe em trabalho de parto foi um vizinho, que a levou, dirigindo feito louco pela autoestrada, até o hospital mais próximo. Como toda criança, eu tinha cara de joelho, e chorava dia e noite.

Existe uma quantidade considerável de histórias que narram a vida de seus personagens do dia em que nasceram até o dia de suas mortes. Isto não é um problema per se, porém pode complicar bastante o trabalho do escritor se a trama acabar sendo superficial demais.
Dickens é um grande autor que produziu alguns romances deste estilo, mas seus personagens são tão verossímeis e complexos, que a trajetória de suas existências nos absorve e faz com que nos importemos com eles.
Porém, se seus personagens não tiverem este vigor dickseniano, o melhor mesmo é seguir o conselho de Aristóletes na "Poética", e escrever histórias circunscritas num curto intervalo de tempo, pelo menos até você ter o domínio técnico para controlar uma narrativa que se alongue por décadas ou até por séculos.

8 - O personagem morre e, surpresa, flashback!


Morri com um tiro na nuca num estúpico beco escuro. Mas que diabos eu fazia naquela merda de beco àquela hora da madrugada? Ah, sim! Agora eu me lembro...

Este é um recurso bastante hollywoodiano e, digamos assim, mais moderno. Não é das piores técnicas possíveis, mas se torna ruim pelo abuso.
O ponto negativo é que você já sabe que o personagem vai morrer. Não há muita esperança que ele se salve no decorrer da história, a não ser que:
a - ele ressuscite;
b - ele não tenha morrido de verdade (péssima alternativa!)
c - ele seja um fantasma lembrando a própria história, como em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis.

E muito cuidado com os flashbacks, este ir e voltar pode confundir o leitor se você não deixar muito claro em que tempo estamos da narrativa.

Domando o touro pelos chifres


É claro que você pode começar suas histórias como bem entender, inclusive usando as técnicas mais desgastadas do mundo.
O crucial é ter consciência de sua escrita e das técnicas narrativas que você escolheu para desenvolver seu enredo. É possível escolher qualquer um destes 8 piores começos e transformá-los num ótimo começo para sua história, mas isto dependerá de sua habilidade para renová-los e também para prosseguir desenvolvendo a trama de maneira convincente.
O recomendável é fugir de certos padrões e estabelecer a pegada do enredo logo nas primeiras linhas. Se possível, opte alguma cena impressionante, comovente ou com um diálogo interessante. O leitor é uma criatura arredia e que precisa ser domada pelos chifres.

E também não adianta nada lançar um começo estupendo e a história se perder no meio de caminho, tornando-se flácida e sem graça.

O começo é crucial, mas o restante da história é que a sustentará.

Wednesday, January 09, 2013

O Canto do Cisne dos editores - entrevista de André Schiffrin para o "Roda Viva"


Há anos que escrevo sobre o futuro do livro, sobre a literatura digital e autopublicação sob o ponto de vista de um autor que teve de descobrir os obstáculos e as soluções por conta própria.

O mundo da literatura e da publicação de livros está mudando (aliás, já mudou muito), mas é somente ao se assistir uma entrevista como esta, com o editor franco-americano André Schiffrin para compreender as proporções destas transformações, e como elas pegaram desprevenidos várias importantes figuras da velha guarda editorial.

É incrível perceber o pessimismo de Schiffrin sobre as possibilidades dos livros digitais e da autopublicação. Ater-se a velhos modelos pode até ser a solução para alguns, mas para a maioria dos editores e autores desta nova geração, voltar os olhos para o passado, com um tolo saudosismo, não contribuirá de maneira alguma para compreender nossos desafios.

Tudo mudou, e agora, o que fazemos?
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