Tuesday, January 15, 2013

Os 8 piores começos possíveis para uma história


Os americanos acreditam que as 5 primeiras páginas de um livro são fundamentais para conquistarem o leitor e empurrá-lo adiante na leitura.

Não sei até que ponto eles têm razão neste raciocínio, mas um livro com começo monótono geralmente prenuncia um livro com desenvolvimento e desfechos monótonos.
Pelo menos, se a história possuir um início forte, mesmo que perca um pouco o fôlego no meio, ainda assim nos sentiremos tentados a dar-lhe uma segunda chance.

Por outro lado, existem algumas espécies de começos recorrentes, que vemos vez ou outra por aí, principalmente em obras de autores de primeira viagem. Quase sempre, tais começos são equivocados, remetendo-nos a obras de clássicos, de épocas com exigências narrativas distintas das nossas, ou também inspiradas em filmes, com um ritmo também muito diferente da ficção escrita.

Abaixo, seguem 8 começos terríveis para uma história. Evite-os, sempre que puder.

1 - O protagonista (ou qualquer personagem) acorda

O despertador tocou e fulaninho acordou assustado, limpando as remelas e tateando à procura pelo desgraçado do rádio-relógio.

Por favor, eu lhe suplico, jamais comece uma história com um personagem despertando. É tedioso e nem um pouco criativo.
Comumente, estes são inícios que se atém ao pé-da-letra ao paradigma narrativo da Jornada do Herói, quando o enredo principia revelando o cotidiano dos personagens, para depois haver uma primeira reviravolta.
Não há nada interessante em ver alguém acordando e indo escovar os dentes. A não ser que este personagem desperte e descubra que se converteu num inseto repugnante, como em "A Metamorfose" de Kafka, porque aí você já lançou o leitor no abismo do estranhamento, sem nada convencional vindo pela frente.

2 - Descrições geográficas


O casebre se situava no topo de uma bela colina verdejante, vislumbrando o vale florido e um sinuoso riacho que recortava todo o panorama como uma serpente traiçoeira.

Esta é uma estratégia tipicamente novecentista, descrever minuciosamente tudo que possa ajudar o leitor a visualizar melhor a cena.
Iniciar uma história com uma descrição geográfica possuía na literatura do século XIX o mesmo efeito que aquelas cenas de abertura de um filme, quando a câmera sobrevoa o mar, ou uma paisagem estonteante, estabelecendo o cenário no qual a trama se desenrolará.
Todavia, numa história contemporânea, este recurso anuncia que o autor tem uma verve descritiva entranhada e que esta não será a primeira nem a única longa e aborrecida descrição do livro.

3 - Informações metereológicas


Chovia. Violentamente. E o vento açoitava sem clemência a copa das árvores. Há três dias que os habitantes de onde judas perdeu as botas não viam a luz do Sol. Era sempre assim quando o outono chegava, trazendo estas tormentas terríveis e vendavais que destelhavam os galpões.

Novamente uma outra técnica novecentista. Para a literatura deste período, as descrições possuíam uma dupla finalidade, além da óbvia função de tornar uma cena vívida, elas também contribuíam para estabelecer uma relação de causa e efeito: regiões chuvosas são tristes e terras ensolaradas são alegres.

Não é à toa que muitos enterros em ficção ocorrem em dias chuvosos, como se o "mundo chorasse a morte do personagem".

4 - Esmiuçando características de personagens


Beltrano era esguio e sombrio. Tão magro que suas costelas pareciam até que rasgariam a pele de seu tórax. Os olhos fundos nas órbitas e o cabelo comprido e liso, tal qual um metaleiro em fim de carreira. Inclusive, sempre vestia roupas pretas e camisetas de banda. Era doido por Iron Maiden e, sozinho em seu quarto, ele fingia tocar guitarra com o som no máximo, como diante de uma plateia imaginária.

Apresentar seu personagem desta maneira é ruim por duas razões principais: você joga de cara para o leitor uma série de características do personagem que, a princípio, nada dizem de relevante, e também porque você está replicando a segunda finalidade das descrições do século XIX: provar que seu personagem tem tais características porque possui certa personalidade.
A aparência física, como ele se veste e age, seriam reflexos diretos do que ele sente ou pensa. Deste modo, há uma inclinação a reforçar estereóticos, como punks agressivos, gays afetados, norte-americanos imperialistas, e assim por diante.
As pessoas, e por conseguinte os personagens também, são muito mais complexas do que uma série de características enumeradas, como se vistas de fora.
É muito mais interessante desenvolver e mostrar ao seu leitor um personagem através de suas falas e ações do que simplesmente vendo-o e descrevendo-o superficialmente.

5 - As razões para esta história ter sido escrita


Ponderei muito antes de encerrar-me neste quarto silencioso e deitar as primeiras linhas sobre esta folha em branco. Tenho muito para contar, histórias inacreditáveis que vi e vivi e que, agora, relatarei.

O leitor não é imbecil. Se ele comprou e resolveu ler um livro é porque ele sabe que se trata de um livro. O narrador/autor não precisa explicar aquilo que é óbvio.

Também não há necessidade de tentar convencer o leitor prometendo uma história extraordinária. A história deve ser extraordinária por si própria, não por sua promessa, e o leitor deve prosseguir na leitura pelo próprio desenvolvimento da trama, não pela expectativa que algo incrível ocorrerá em algum momento na narrativa.
Principalmente se nada ocorrer...

6 - Árvores genealógicas


Sicrano era o terceiro filho de Zé-Ninguém e Maria-vai-com-as-outras. Esta era uma nobre linhagem de carpinteiros. O mais antigo antepassado conhecido de Sicrano havia entalhado uma das traves da Capela Sistina, o bisavô de Sicrano havia sido um famoso carpinteiro na Itália, antes de emigrar para a América; o avô havia sido carpinteiro, o pai era carpinteiro e Sicrano também seria carpinteiro um dia, honrando o sangue que corria nas veias.

Esta é uma maldição bíblica, passada de geração para geração. Existem várias obras medievais que, logo no primeiro capítulo, iniciam-se com longas árvores genealógicas, particularmente de reconhecidas figuras históricas.
García Márquez brinca com isto em "Cem Anos de Solidão", mas, geralmente, o resultado é pífio. Por isto, evite as genealogias.

7 - O personagem nasce


Nasci numa quinta-feira de manhã. Papai estava no escritório, por isto, quem teve de vir acudir minha mãe em trabalho de parto foi um vizinho, que a levou, dirigindo feito louco pela autoestrada, até o hospital mais próximo. Como toda criança, eu tinha cara de joelho, e chorava dia e noite.

Existe uma quantidade considerável de histórias que narram a vida de seus personagens do dia em que nasceram até o dia de suas mortes. Isto não é um problema per se, porém pode complicar bastante o trabalho do escritor se a trama acabar sendo superficial demais.
Dickens é um grande autor que produziu alguns romances deste estilo, mas seus personagens são tão verossímeis e complexos, que a trajetória de suas existências nos absorve e faz com que nos importemos com eles.
Porém, se seus personagens não tiverem este vigor dickseniano, o melhor mesmo é seguir o conselho de Aristóletes na "Poética", e escrever histórias circunscritas num curto intervalo de tempo, pelo menos até você ter o domínio técnico para controlar uma narrativa que se alongue por décadas ou até por séculos.

8 - O personagem morre e, surpresa, flashback!


Morri com um tiro na nuca num estúpico beco escuro. Mas que diabos eu fazia naquela merda de beco àquela hora da madrugada? Ah, sim! Agora eu me lembro...

Este é um recurso bastante hollywoodiano e, digamos assim, mais moderno. Não é das piores técnicas possíveis, mas se torna ruim pelo abuso.
O ponto negativo é que você já sabe que o personagem vai morrer. Não há muita esperança que ele se salve no decorrer da história, a não ser que:
a - ele ressuscite;
b - ele não tenha morrido de verdade (péssima alternativa!)
c - ele seja um fantasma lembrando a própria história, como em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis.

E muito cuidado com os flashbacks, este ir e voltar pode confundir o leitor se você não deixar muito claro em que tempo estamos da narrativa.

Domando o touro pelos chifres


É claro que você pode começar suas histórias como bem entender, inclusive usando as técnicas mais desgastadas do mundo.
O crucial é ter consciência de sua escrita e das técnicas narrativas que você escolheu para desenvolver seu enredo. É possível escolher qualquer um destes 8 piores começos e transformá-los num ótimo começo para sua história, mas isto dependerá de sua habilidade para renová-los e também para prosseguir desenvolvendo a trama de maneira convincente.
O recomendável é fugir de certos padrões e estabelecer a pegada do enredo logo nas primeiras linhas. Se possível, opte alguma cena impressionante, comovente ou com um diálogo interessante. O leitor é uma criatura arredia e que precisa ser domada pelos chifres.

E também não adianta nada lançar um começo estupendo e a história se perder no meio de caminho, tornando-se flácida e sem graça.

O começo é crucial, mas o restante da história é que a sustentará.

6 comments:

Nay said...

Que dicas mais limitadoras. Seria mais fácil ter resumido um post em: Não escreva.

Acredito que a narrativa deve se desenvolver conforme o autor deseja e o estilo a qual sua escrita segue, não necessariamente seguir uma linha, um método, regras e etc, afinal é literatura não roteiro.

Henry Bugalho said...

Se você houvesse lido o artigo até o final, talvez houvesse entendido a mensagem.

Por outro lado, talvez você seja daquelas escritoras que possuem incontáveis histórias com estes começos fracos, e tenha se doído por isto.

Vai saber...

Estas dicas do que evitar não são limitadoras.
Limitados são muitos escritores que não percebem que estão repetindo, até os leitores vomitarem, fórmulas batidas e ainda pensam que estão inventando a roda. E depois não entendem porque não são lidos.

Abraços.

Anonymous said...

Gostei destas dicas, apesar que me arrisco a dizer que possa existir outros inícios que se tornam clichês, mas concerteza estas são uma forma péssima de começar uma história..principalmente por incluir descrições desnecessárias ao leitor, pois estas mesmas podem surgir desmembradas durante a história pretendida. Penso que quanto mais original e criativo for o começo, melhor será o resultado.

João Paulo Hergesel said...

Faltaram os outros dois inícios clássicos:

1. Era uma vez... / Reza a lenda... / Conta o folclore...

2. Quando eu era criança...

E como disse a N. (eni), "a narrativa deve se desenvolver conforme o autor deseja e o estilo a qual sua escrita segue"; isso, com certeza! No entanto, na estilística, há as figuras (favoráveis) e há os vícios (que devem ser evitados). O que este artigo apresenta são os famosos clichês, ou seja, o que prejudica o estilo, que desvia das leis da estética textual.

Henry Bugalho said...

Bem lembrado, João Paulo!

Quando pensei na proposta deste artigo, alguns dias atrás, ocorreu-me o "era uma vez", mas na escrita acabei me esquecendo. Talvez seja um dos inícios mais desgastados de todos, principalmente por causa dos contos populares.

Obrigado pela contribuição.

anonimo said...

Boas dicas, gostei.

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