Thursday, April 24, 2014

Pesquisar para um livro - do superficial ao mais profundo


Vários livros prescindem de pesquisa. Se você for escrever uma autobiografia, ou memórias suas de um determinado período, tal como fizeram Proust, Bukowski, Henry Miller ou Hemingway, talvez você só precise recorrer à própria memória, ou a de amigos e parentes.

No entanto, se você pretender escrever qualquer tipo de obra com exija um conhecimento específico, romances históricos ou obras ambientadas em outras cidades ou países, é muito provável que você tenha de fazer pelo menos uma pesquisa superficial.

Pesquisar é uma etapa fascinante da escrita de um livro, quando você descobrirá coisas incríveis que jamais imaginou, mas também pode se tornar um inferno em sua vida, obrigando-o a revisar incontáveis vezes certos trechos ou, às vezes, cortá-los totalmente.

Vejamos agora três tipos básicos de pesquisa.

Informações gerais

Isto é o essencial para você não escrever nenhuma besteira absurda. Por exemplo, você não cometerá a gafe de fazer com que personagens europeus utilizem a moeda euro antes de 1999. Portanto, na França se usaria francos; na Espanha, pesetas; na Itália, a lira; na Alemanha, o marco, e assim por diante.
Mesmo assim, também não seja tão confiante, pois, assim como no Brasil, as moedas ao redor do mundo também mudavam de tempos em tempos. Não se pode esperar que a mesma unidade monetária seja a mesma em 1920 e no século XV.
E isto vale para qualquer outro aspecto superficial de uma história, como capitais de países, idiomas falados, eventos históricos relevantes, nomes próprios comuns da região, etc.

Fracassar numa pesquisa superficial é correr o risco de ser chamado de ignorante por seus leitores, pois é o tipo de conhecimento facilmente identificável, ou que pode ser descoberto através uma simples busca na internet.
Geralmente, não é o tipo de informação que você precise de antemão, mas que pode ser pesquisada até durante a revisão do livro, somente para certificar-se de não ter escrito algo absurdo.

Pesquisa detalhada

Este é o tipo de investigação um pouco mais dedicada, que talvez exija algumas semanas ou meses do escritor. Vale para situações históricas mais específicas, nomes de personalidades políticas, das artes ou das ciências, para vestimentas típicas de regiões ou épocas, costumes e hábitos, práticas religiosas mais exóticas.

Pesquisas desta ordem revelarão aspectos que não são de conhecimento geral e apenas leitores mais atentos ou que se interessam pela área poderão reconhecer como sendo verdadeiros ou falsos.
Via de regra, uma informação equivocada neste tipo de pesquisa não compromete a fruição da obra e a maioria dos leitores não se dará conta.

Além disto, pesquisas detalhadas costumam reunir muitas informações irrelevantes, que o autor não deve incluir na trama, a não ser que ele veja uma função determinada na narrativa. Serve mais para dar um embasamento para o escritor, para que ele visualize melhor as minúcias da história e possa transmitir com maior segurança sua visão para os leitores.

Pesquisa profunda

Frequentemente, as pesquisas profundas estão relacionadas às próprias áreas de conhecimento do escritor, como um médico falando sobre detalhes da profissão, ou um analista de sistemas sobre computadores. Alguns exemplos de escritores especializados são Tom Clancy (sobre armas e exércitos), Bernard Cornwell (sobre guerras medievais), Umberto Eco (sobre Idade Média), Carl Sagan (Astronomia) ou John Grisham (sobre tribunais).

Nestes casos, é muito improvável que qualquer leitor, excetuando também especialistas das áreas, identifiquem ou reconheçam uma informação equivocada, se houver.
Ser um autor-especialista é, frequentemente, uma vantagem quando se trata de promover e divulgar as obras, pois, mais ou menos como ocorre com livros de não-ficção, a credibilidade do autor entra em jogo.

Outra espécie de pesquisa profunda é quando o autor decide escrever com o jargão, expressões e gírias de determinada época histórica. Alguns dicionários, como o Houaiss, apresentam o ano em que determinado verbete passou a ser utilizado, o que é de grande auxílio para este tipo de investigação.

Fontes textuais, orais e fatuais

A princípio, parece que estamos falando simplesmente de consultar livros ou internet, mas uma pesquisa é muito mais abrangente do que isto.
O escritor pode coletar informações através de palestras, vídeos, conversando com experts nas áreas de interesse, como também visitando locais, como países, cidades ou museus, para poder descrevê-los mais fidedignamente.
Todas as experiências poderão contribuir para dar mais cores à narrativa, torná-la mais verossímil e credível.

Ficção versus realidade

A intenção de muitos autores é a de ser o mais fiel possível aos fatos, por uma simples razão: você deseja que o leitor suspenda sua descrença, acolhendo aquela história "como se fosse real".

Preste bem ao "como se fosse real". Via de regra, o leitor de uma obra de ficção, seja conto ou romance, sabe muito bem que aquilo não ocorreu de fato, que é uma história inventada, com personagens que não existiram realmente.
Uma pesquisa serve, em muitas circunstâncias, mais para dar uma segurança ao autor do que para convencer o leitor.
Basta pensarmos em histórias fabulosas, como "O Pequeno Príncipe" ou muito do que se fez durante o realismo mágico latino-americano, para constatarmos que uma narrativa consistente depende mais do próprio universo que ela engendra, do que de elementos externos que correspondam à realidade.
Ficção não necessita ser realista, nem está constrangida à realidade, ela pode deturpar, alterar ou recriar eventos históricos e geográficos, pode criar um universo totalmente novo onde nenhuma das nossas leis naturais sejam válidas.

Quando a pesquisa se torna uma maldição

Existem duas funções para a pesquisa em uma trama: 1 - servir para aprimorá-la, ou 2 - servir como sua diretriz.
Na primeira função, a pesquisa preenche as lacunas, dá um tempero para a história, reforçando-a. Na segunda, você arquiteta a história de acordo com a pesquisa, construindo seus personagens e enredo em torno dela.
Uma pesquisa se torna uma maldição quando começa a criar ramificações e enreda o escritor em todas suas sutilezas, inviabilizando a escrita enquanto não houver sido coletadas todas as informações consideradas fundamentais.
O escritor fica dependente dos resultados de sua pesquisa, incapaz de avançar na escrita da obra enquanto não houver esgotado todas as possibilidades de respostas.
Como isto é irrealizável, pois uma investigação sempre pode encaminhar a indagações adicionais, o escritor precisa definir uma conclusão, para que possa continuar escrevendo.
Lembre-se que, em ficção, você tem a liberdade de criar e fugir um pouco da pesquisa. Não há necessidade de ser totalmente fiel aos fatos.

Conclusão

Perquisar é uma das tarefas de um escritor. Todavia, não precisa tornar-se um pesadelo.

Se for um assunto que você domina, provavelmente já terá uma série de referências para guiá-lo. No entanto, se for um assunto que desconhece, procure as principais referências sobre ele, dê uma lida geral apenas para indicar-lhe um caminho e tente seguir adiante.
Em ficção, os leitores estão geralmente mais interessados em uma boa história com personagens cativantes do que em um tratado sobre temas específicos e complexos.
A pesquisa é um suporte, não deveria ser o mais importante.

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