Monday, March 30, 2015

Colega escritor, sinto lhe dar estas más notícias


Advertência: este texto brotou das profundezas do desespero e da descrença.


Assim como você, eu também pensava que um dia daria certo. Que se eu tentasse pra valer, que, em algum momento, as coisas tinham de dar certo.

Mas há um grande problema nisto tudo. Somos escritores brasileiros. Não temos direito a ter este tipo de expectativas, pois as coisas não funcionam assim por aí.

Nunca tive muitas ilusões, nunca pensei que seria fácil. Ou melhor, talvez tenha me iludido por um ano, mas depois você logo aprende a baixar suas expectativas, e fazer o que precisa ser feito.
Já escrevi de tudo que você pode imaginar: contos, poemas, crônicas, romances, críticas de cinema, críticas literárias, hiperficção, dicas de viagem, dicas de fotografia, dicas de escrita, reflexões, memórias, microcontos e fragmentos diversos.
Se um dia eu resolvesse contar quantas palavras já escrevi (o que não vou fazer), certamente já passaram de 1 milhão. Não tenho problema algum para me sentar e escrever sobre o que for. Não tenho bloqueio criativo, não me faltam ideias, não me faltam projetos.

Mandei originais para editoras. Foram recusados.
Mandei outros originais para editoras. Foram recusados também.
Foi quando entrei de cara na publicação independente. Primeiro, distribuí de graça e meus livros foram baixados por alguns milhares de leitores.
Não sei se leram. Provavelmente não.

Depois, comecei a vender meus livros. Quase ninguém compra. Devo vender uma centena de romances ao ano, quando muito. É melhor do que nada.

Por outro lado, já vendi dezenas de milhares de guias de viagem. Pensei que, um dia, isto me abriria as portas para as editoras.
Mas também descobri que pouco importa se você vendeu 100 livros ou se vendeu 15 mil.
Na verdade, ainda não sei o que realmente importa.

A última estratégia foi tentar encontrar um agente literário para representar meu trabalho. Encontrei dois. Um no Brasil e outro no exterior.
Pensei: agora vai!
Mas ainda não foi, nem sei se irá.
Até onde eu saiba, dentre as mais de 30 editoras brasileiras que receberam o original, apenas uma demonstrou interesse, mas sem contrato (ainda?).
No exterior, o buraco é mais embaixo.
A pergunta que a minha agente mais recebe é: "O livro é ótimo. Gostaríamos de publicá-lo, mas por que ele ainda não foi publicado no Brasil?"
Não sei o que ela responde, mas certamente o fato de um autor brasileiro que ainda não foi publicado no Brasil é um deal breaker. Deve ter alguma coisa de errado.
Certamente eles não devem entender muito como as coisas funcionam por aí.

Não sei se pretendo escrever mais em português. Acabando os projetos nos quais estou trabalhando, depois só escreverei em inglês.
Começar do zero tudo de novo. Tudo de novo. Do zero. Do nada. Do zero.
Entretanto, a diferença é brutal. O mercado em inglês é muito diferente; é ele que cria as tendências, não é colonizado, não é amador, não é limitado.
Nada garante que esta nova tática funcionará. Nada garante nada.
Mas vou tentar. É o que resta. Tentar em uma língua que não é minha, em países que não são o meu, para um público que não me conhece. Sinto que é o que me resta.

Colega escritor, sinto lhe dar estas más notícias.
Você não será publicado.
No entanto, na remota possibilidade de ser, você não venderá livros.
No entanto, na remota possibilidade de vender, você não ganhará dinheiro com isto.
No entanto, na remota possibilidade de ganhar, seus livros serão pirateados e tudo deverá começar do começo.
Como eu sei isto?
Porque passei por tudo isto, mas também porque é o ciclo natural desta carreira. Já conheci uns mil escritores nestes anos. Não estou brincando nem exagerando. Só eu já publiquei uns 500 na revista que edito.
Dentre todos, conheço uns 4 que conseguiram ser publicados.
Apenas 1 vende alguma coisa, mas para um nicho, e mesmo assim ele não consegue fazer a transição para o mercado que o interessa.
Nenhum deles é famoso ou rico.

E sobre a pirataria?
Até o ano passado, eu ainda conseguia viver com a venda dos meus guias de viagem. Cinco anos escrevendo em tempo integral. Um sonho tornado realidade! Não mais.
Foram pirateados e agora de estou de volta aos freelas.
Tudo o arrasta para baixo. Todos o sabotam. Todos desejam o seu fim.
Esta é a sina da escrita nesta terra má e seca.
Tudo definha. Tudo morre de inanição.

Se você quer o meu conselho, eu lhe digo: a única solução é a publicação independente. Será o único instante em que você sentirá a satisfação de ser um escritor de verdade.
Terá de arregaçar as mangas e fazer tudo por conta própria. E que se fodam as editoras, as seções literárias nos jornais, os holofotes, as listagens de mais vendidos, a imortalidade literária.
Serão você, seu talento, seus livros embaixo do braço e seus poucos e fiéis leitores.
E isto será bom e legal.

Agora, só em inglês. Quem sabe, um dia traduzam meus textos para o português. Ou não. Ou tanto faz.
Good luck and see you around!

15 comments:

Matheus Alves said...

Tenho fucking 16 anos e estou prestes a publicar meu primeiro livro, não é uma grande obra tampouco que eu seja superdotado ou algo do tipo. Não sou muito experiente, mas de uma coisa sei: "pensamos que somos invencíveis porque realmente somos", é uma frase do John Green e acredito nela; no fundo só o que você precisa é recuperar o espírito jovem e não desanimar. Pense bem, são raros os artistas que não passaram por muitas dificuldades na vida, J. K. Rowling, por exemplo, foi recusada por 10 editoras. Se você leu até aqui, não desista: esse é o segredo!

PS.: depoimento de um cara que era desistente e simplesmente decidiu parar.

SSMartinelli said...

Texto sangrento de tantas verdades. Tristeza sombria percorre o mundo editorial aqui no Brasil, somos encarcerados nos best-seller americanos, aliás tirando a mesmice tacanha dos escritores já consagrados e decorados, nada mais alcança a leitura dos supostos editores.

Monotonia angustiante de um país editorial sem qualquer chance!

Anonymous said...

Já lhe ocorreu, mesmo que vagamente, que o que você não escreve possa não ser bom como acha? Não é uma crítica, afinal nunca li o que você escreveu, mas é uma forma diferente de pensar. Afinal, tem gente que publica aqui, que vende aqui e que ganha dinheiro aqui.
A maioria dos escritores tem a pretensão de dizer que o mundo está errado em não publicá-lo, pois ele certamente é a última bolacha do pacote e o que escreve é diferente de tudo que já existe. Não estou dizendo que é o seu caso, porém às vezes a gente pode melhorar apenas olhando para o próprio umbigo ao invés de ficar tentando achar problema no mundo. Ou no Brasil.

Henry Bugalho said...

Fico feliz por você, Matheus, mas imagino que você tem a consciência de que é a exceção da exceção da exceção, não sabe?

De qualquer modo, desejo-lhe muiti sucesso.

Henry Bugalho said...

Esta pode ser uma possibilidade, anônimo. Entretanto, não sei se você entrou em alguma livraria recentemente, mas qualidade não é nenhum requisito para ser publicado, tampouco para vender muito.
Pelo contrário, quanto pior, melhor.

Talvez eu devesse piorar a minha escrita... mas escrever num idioma estrangeiro vai me ajudar bastante a ser simplório.

Henry Bugalho said...

Na semana passada, li que a maioria das editoras está reduzindo seu catálogo de autores nacionais.
Ou seja, mais lixo estrangeiro a caminho.

Marcus Valerio XR said...

Choque de realismo neste texto. Eu posso garantir que já escrevi muitos milhões de palavras. No total, já devo ter escrito o equivalente a uma enciclopédia britânica. A maioria contos e livros de Ficção Científica e Fantástica, Filosofia, e ensaios políticos, sobre ideologias etc.

Mas a minha vantagem é que me desiludi muito cedo. Na verdade, com menos de um anos depois de escrever meu primeiro livro descobri que o destino não seria diferente dos tempos em que tinha banda de rock. Sem contatos privilegiados, sem chance! Simples assim.

Um completo imbecil se for famoso conseguira publicar qualquer lixo e colocá-lo na frente das grandes livrarias, mesmo que seja massacrado pela crítica e caia no esquecimento em menos de um mês, ela terá ganho algum dinheiro. Ou uma pessoa muito rica pode financiar uma poderosa estratégia de marketing.

Mas sem isso, mesmo um gênio tem possibilidade mínimas de ser reconhecido. Também já tive contato com muitos escritores e editoras. Tudo o que o autor diz neste artigo é verdade. Com a única diferença de que não é que seus livros são recusados, e não são sequer lidos! Vão pras pilhas de avaliação a apodrecem lá sem nem serem abertos. Já é uma tremenda sorte se forem devolvidos.

E isso porque nem se tocou no assunto da espetacular grosseria dos departamentos de avaliação de muitas editoras.

Henry Bugalho said...

É bem por aí, Marcus.

Alguns editores que conheço (e que entrevistei), juram de pés juntos que os originais são lidos, ou melhor, as primeiras páginas são lidas.
Se percebem que não tem nada a ver com o perfil da editora, abandonam logo.
Por outro lado, é muito difícil, senão impossível, que um original enviado esponateamente para uma editora seja avaliado seriamente e recomendado para publicação. Acho que, de 1990 para cá, daria para contar nos dedos casos assim.
A maioria vai por recomendação, por algum contato, por alguém influente que mexe os pauzinhos.
Não que o compadrio por si só garanta a publicação, mas sem compadrio...

Gabriel said...

Olá Henry, tenho 14 anos e gostaria de escrever um livro, mas realmente não sei como deixar as ideias fluírem, para escrever trechos criativos e envolventes que envolvam o leitor! Será que é muito cedo? Você poderia me dar algumas dicas para ter mais ideias?

Unknown said...

Olá Amigo escritor!

Henry, tenho 34 anos e comecei a escrever agora. Por este motivo comecei a procurar blogs de escritores e encontrei o seu.

Pense em Tolkien que só teve o primeiro livro da triologia publicado 30 anos após sua morte. Ou mesmo em Emily Dickinson.

Não desanime pois cada um tem seu tempo e seu momento. E na vida só fica oque nós deixamos. Basta um sucesso para o grande reconhecimento.

Isto não só ocorre com os livros mas também com todos os outros ofícios.

Abraço e sucesso!!!

Spencer_pretty said...

Oi, sou a Bella.
Depois de anos escrevendo fanfics, finalmente decidi sair e explorar o mundo literário por conta própria.
Nossa, achei seu post extremamente triste. E, acredite, iso não me desanimou.
Você já fez curso de escrita, por exemplo? Tenho feito e tenho recebido muitas dicas e, por incrível que pareça, minha professora está tão empolgada com o meu projeto quanto eu.
Acho que a primeira coisa quando começamos um enredo é conhecê-lo verdadeiramente. O quanto você sabe sobre seus personagens? O quanto eles te contam coisas e o quanto você os escuta? Sabe justificar todas as ações dos seus protagonistas? Pode parecer um monte de perguntas imbecis, mas quanto mais sabemos sobre o que estamos escrevendo, melhor a obra se torna. Justifique desde a ação mais idiota, até a forma como você narra a trama.
Outra coisa, você sabe por quantos anos a JK Rowling ficou escutando um monte de "Não" ao mostrar Harry Potter?? Você acha que é só aqui que a coisa é complicada? Olha lá fora o monte de escritor que tá se matando pra ter algo publicado.
Pega a sua mais brilhante ideia e se joga de cabeça. E que se foram os críticos, os que disseram "Não" por agora, porque em breve você terá um belo de um "sim" e elegerão cada vez mais comuns.
Estou seguindo seu blog,então trate de postar mais vezes.

http://criptografandosonhos.blogspot.com.br

Henry Bugalho said...

Obrigado pelo comentário, Bella.

O que você disse tem muito a ver com o curso de escrita criativa que traduzi e que pode ser baixado gratuitamente aqui no blog.

Abraços e sucesso para você.

Unknown said...

Concordo com você,Henry.O único caminho para um autor brasileiro ter algum reconhecimento pelas suas criações é através da publicação independente.É um caminho que não trará fama e riqueza para os autores,mas penso ser autor não é ser rico e famoso. sim compartilhar seus tesouros interiores com os demais a fim de tonar a vida das pessoas mais leve,divertida ou ao menos compreensível.A satisfação do escritor vem de saber que foi lido,e que seu texto significou algo para quem leu.

Por isso,acredito que está na hora dos escritores brasileiros pararem de fantasiarem que terão a mesma sorte que a autora de Harry Potter e entenderem que a escrita deve ser desempenhada por amor a arte.E que nunca uma editora irá investir num livro de um completo estranho sem ter certeza que não terá grandes prejuízos.

É como você deixou claro, editoras publicam só o que vende lá fora.E ponto final.Lucro a cima de qualidade.E era isso.O resto é só conversa fiada.

Marcos said...

É chato perceber essa realidade. Que publicar um liro no Brasil pode ser muito dificil.
Tenho participado do Wattpad e algumas comunidades de escritores amadores e percebo que no brasil existem muitas pessoas que escrevem muito bem e ideias muito boas (tão boas ou melhores que muitos Best-Sellers internacionais). Mas essas pessoas enfrentam a mesma dificuldade para publicar.
É muito frustrante perceber que muitos escritores bons tem seus originais recusados em diversas editoras e dão um duro danado para publicar um livro bom enquanto um garoto de Youtube com menos de vinte anos publica um livro falando como começou seu canal de sucesso e se torna Best-seller nacional. Nada contra esses caras. Adoro o trabalho da maioria deles (no youtube)
Mas o fato é que sem influencia fica 100 vezes mais difícil publicar um livro ou vende-lo.
Recentemente li um caso de uma garota que em poquissimo tempo vendeu milhões de cópias de seu livro. Fui ler a materia para ver o quão bom é esse livro. Adivinha. A historia é aqueles classicos romances adolescentes nada interessante de fato. Como a garota conseguiu tal feito? Ela é uma youtuber teen famosa no exterior e ela propria fez campanha para seu livro e seus fãs correram para comprar.
Triste realidade esse seu post.

Johany Medeiros said...

Olá, Henry... Duas horas da manhã e eu aqui, viciada no teu blog.
O que você falou aqui, são fatos. Infelizmente, publicar algo hoje no Brasil é quase que impossível. Estão atrás de lucros, e estão tendo mais lucros com livros internacionais. O mercado literário, está cada vez mais escasso de qualidade.
Falo isso por me achar extremamente crítica com aquilo que leio, e muitas vezes penso "Como foi possivél vender tanto?". Histórias mal construídas e com péssimo enredo... Quero muito publicar meu livro, mesmo que não tenha fama, mas está cada vez mais complicado. Como sempre, brasileiros dão mais credibilidade a coisas de fora, não é diferente com os livros. Amei o seu post.

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