Thursday, July 09, 2015

O que faz de alguém um escritor?

Henry Alfred Bugalho

Escritor é aquele que escreve, mas qualquer um que escreve é escritor?

Durante muito tempo, tive vergonha (ou pudor) de me reconhecer como escritor. Afinal de contas, eu ainda não havia publicado nada e nunca havia ganhado um centavo sequer com a escrita.
Só comecei a me sentir confortável com este título quando realmente passei a vender meus livros, ao perceber que não bastava escrever; que era preciso ser lido também.

Então, deste momento em diante, quase todas as vezes que me perguntavam o que eu fazia para viver e eu respondia que era escritor, recebia a réplica inevitável:

"Que legal! Eu também escrevo!"

Esta é a primeira lição que você deveria aprender ao se tornar um escritor: todo mundo também escreve.
Suspeito que haja outras profissões nas quais qualquer diletante também se arroga ter competência para tal: cantor, jogador de futebol, ator, comediante, músicos em geral.
Neste nosso mundo digital, em que qualquer amador pode, pelos canais não tradicionais disponíveis, acabar se profissionalizando - e este também foi o meu caso -, houve um nivelamento para baixo. Todos são iguais, porém mediocremente iguais.
Nos anos que tenho editado uma revista literária, tive a oportunidade de ler materiais extraordinários, de autores desconhecidos ou diletantes que escrevem muito melhor do que eu suponho escrever, mas também pude constatar que há muita gente que não tem noção do que é dedicar seu tempo e sua vida para a construção de uma carreira literária.
Escrever bem não basta, aliás, hoje acredito que nem é um pré-requisito.
Ser talentoso não basta.
Acreditar em seu potencial não basta.
Ter apoio de amigos e parentes não basta.
Publicar não basta.
E a lista de tudo que não basta é infinda.
O que distingue um escritor daqueles que simplesmente escrevem é uma obstinação que não pode ser mensurada; um fogo interno que o alimenta mesmo quando há quase nenhuma esperança.
Um escritor tem um compromisso com a escrita que vai além da publicação, da fama, do dinheiro que provavelmente nunca virá e da aclamação da crítica.
O que importa é o que está traçado nas páginas escritas.

Tento me pôr no lugar daqueles grandes que jamais obtiveram reconhecimento literário em vida, como Kafka, Fernando Pessoa ou Edgar Allan Poe.
O que os movia? O que lhes insuflava ânimo para um novo dia de labor criativo? Reconheciam-se eles como escritores, ou digladiavam-se contra a incerteza que ocasionalmente assola a todos nós?
Escrever é mais do que simplesmente escrever, e também é mais do que autoproclamar-se escritor.

Mas o que é, enfim?

Talvez seja uma certeza fugidia que se encontra em cada linha deitada ao papel.
Uma irremediável sensação de ser um embuste.
O medo de jamais conseguir expressar o que deve ser expressado.
É um ser e um não-ser.
Fracassar, fracassar, fracassar e fracassar novamente.
E apesar de todos os seus erros e deslizes e incertezas, constatar que não poderia ter sido diferente. Era o que e como tinha de ter sido.
Escrever sim. Escrever sempre. Escrever porque.

Imagem: https://emocaoeeuforia.files.wordpress.com/2012/10/portrait-of-fernando-pessoa-1954-2.jpg

1 comment:

SSMartinelli said...

Um post inspirador, obrigada!

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