Wednesday, March 06, 2013

A arte de não concluir a leitura de livros


Durante quase uma década, li freneticamente tudo aquilo que caía em minhas mãos.
Li ficção, poesia, teoria literária, Filosofia, Psicologia, História, Teologia, sobre a Teoria do Caos, sobre viagens espaciais, acupuntura, medicina, Física, biografias, auto-ajuda, espírita, best-sellers, outros que não venderam tão bem, clássicos e contemporâneos. Li catataus de mais de mil páginas e livrinhos de bolso. Li a Bíblia do cabo a rabo.

Li até alguns livros que me levam hoje a indagar: por que perdi meu tempo?

Já não tenho mais este ímpeto. Nos últimos anos, os livros que abandonei são muito mais numerosos do que aqueles que consegui terminar de ler.
Anteriormente, largar um livro no meio era uma heresia imperdoável para mim. Mesmo se fosse ruim, chato, sem propósito, eu me sentia numa obrigação interior de chegar ao ponto final.
Hoje, não mais.

A última obra que consegui ler do começo ao fim foi uma das incontáveis releituras de "Ficções" de Jorge Luis Borges. Conheço muito bem alguns dos contos deste volume, mas sempre me surpreendo com suas histórias e, principalmente, com suas entrelinhas.
Este é o tipo do livro que tenho buscado no momento, daquele que nos transporta para algum lugar misterioso para além das palavras, que vive mesmo quando a leitura foi concluída.
São obras raras, e tenderão a rarear ainda mais em nossa época.

Jamais concluí a leitura de "Clube da Luta" de Chuck Palahniuk, apesar de sempre me prometer que o farei. Cheguei a ler o primeiro capítulo de "50 Tons de Cinza" para saber a razão de tanto furor, mas não dá, é um livro tão ruim que eu não usaria nem para a limpar a bunda se fosse pego desprevenido por uma caganeira na beira da estrada. Até "Grande Sertão: Veredas" repousa na prateleira, lido até a metade, sendo revisitado duas vezes ao ano para rápidas leituras, mas a conclusão dele parace ser inatingível.

Talvez a primeira obra que eu consiga ler na íntegra neste ano seja "The Friends of Eddie Coyle", do americano George V. Higgins, com uma escrita tão única, agradável e inusitada, que todo fim do dia me pego lendo um capítulo. Mesmo sendo um livro curto, já me tomou algumas semanas; era o tipo de obra que eu leria em dois dias algum tempo atrás. Está disputando cabeça a cabeça com "A Teoria do Romance" de Lukacs, também numa leitura a passo de tartaruga.

O fato é que a leitura é uma prática sobrevalorada.
Há um mito que quem lê muito, independentemente da qualidade da obra, será alguém mais inteligente, ou pelo menos mais culto.
Não se engane, quem lê porcaria não é muito diferente de quem assiste ou ouve porcarias.
Ler não é nenhuma tarefa excepcional, que distingue os gênios da boiada. Ler é uma das competências da linguagem, que não torna ninguém melhor do que os outros.
Ler revista de fofocas não o tornará um intelectual. Ler livrinhos eróticos das bancas de jornal também não. Na verdade, tampouco a Filosofia ou qualquer outra obra de alguma disciplina complexa e sofisticada o tornará uma pessoa melhor, pois ler nem sempre é compreender, e compreender nem sempre implica em aprendizado real.
Inclusive, não devemos sequer confundir cultura e conhecimento com inteligência. Algumas das pessoas mais insuportáveis e intolerantes que conheci eram bastante cultas, mas sem um pingo de inteligência.

Hoje, não tenho mais paciência para certos livros. Não quero ler e reler as mesmas histórias que retornam num ciclo infindo de clichês e enredos previsíveis, mas também não pretendo me esforçar para deglutir um livro insosso, por mais cultuado que seja.
Mostre-me uma grande obra que eu a seguirei, mas tem de ser daquelas que nos consomem, que se injetam em nossas veias e transformam a nossa visão de mundo. Não peço menos do que isto.

Nosso tempo é limitado e precioso, e abandonar uma leitura pela metade pode ser um ato até muito mais significativo do que o da escolha do que leremos.
A biblioteca é vasta, mas o tempo é escasso.

***
E você tem alguma recomendação de um bom livro para que eu o leia até a metade?

5 comments:

Anonymous said...

Identifiquei-me. Mas deixo aqui uma questão que, creio, também exerce influência nessa atitude que me é cada vez mais habitual: não cabe parcela de culpa ao cotidiano acelerado em que vivemos?

Com tantas preocupações necessárias e mundanas, pessoais ou profissionais, não é absurdo ver-se indisposto a perder tempo com leituras frágeis, apenas pela satisfação de cumprir um código de honra auto imposto ou mesmo porque todos estão falando a respeito.

Ainda assim, eu gostaria de ter mais tempo para ao menos folhear os inúmeros livros em minha estante que ainda aguardam a vez de passar por essa filtragem.

Abraços,
T.K. Pereira – o Escriba Encapuzado
_________________________________
http://escribaencapuzado.wordpress.com/
https://www.facebook.com/escribaencapuzado

Henry Bugalho said...

Pode ser que isto também influencie, T. K. Pereira, mas acho que algus acabam ficando mais seletivos, já não engolem qualquer coisa, qualquer porcaria.

Eu era bem menos criterioso quando tinha 16 anos do que sou agora, tanto no que leio quanto no que escrevo.

Mas o ritmo moderno também afeta muito nossa capacidade de concentração e também o tempo que podemos dispensar para cada uma das atividades cotidianas.

Abraços.

Unknown said...

Ultimamente tenho vivido assim... me sinto culpada e com remorso qnd deixo um livro pra trás sem terminar de ler, acho q só deixei de ler uns dois ou três livros sem ler até hoje... por mais que não goste muito da leitura, pra mim é uma questão de honra terminar...

Nádia Regina said...

Achei O blog. Sorte minha. Acredito nisso. Não somos feitos só dos livros que escolhemos ler, mas também dos livros que escolhemos não ler. Os motivos de não ler podem ser tão ou até mais interessantes que os motivos de ler.

Ana Paula said...

Também tenho sofrido com esse dilema: terminar ou não terminar de ler, eis a questão. O fato é que quando não gosto de um livro ou de um filme, não continuo mesmo, sem remorso. Tempo é valioso demais para perdê-lo com o que não me interessa. Seus artigos são geniais! Parabéns!

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